Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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Marcus André Melo

Nabuco, Bolsonaro e a pandemia

O que teria acontecido na ausência da pandemia? O que vai ocorrer depois?

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“Profetizar é tão difícil para trás como para diante. O que aconteceu esclarece-nos bem pouco sobre o que teria acontecido. Quando se diz que outra medida teria estas ou aquelas consequências, subentende-se que é tudo o mais se passando como se passou.”

O alerta de Joaquim Nabuco dizia respeito à dinâmica dos projetos de abolição da escravatura, mas joga luz sobre o que teria acontecido com o governo Bolsonaro se a pandemia não tivesse ocorrido. Nabuco raciocinava em termos de contrafactuais e mecanismos: para eventos singulares o suposto do ceteris paribus (“tudo o mais constante”) seria insustentável.

Feito o alerta, podemos fazer a conjetura que na ausência da pandemia o principal evento recente —a formação de uma base parlamentar do governo— teria ocorrido de qualquer forma, pois foi deflagrado em resposta à janela que se abriu para o impeachment.

Afinal, então, quais os principais impactos da pandemia?

O primeiro é que desmantelou a agenda pública: sai costumes, corrupção, segurança, reformas, entra crise sanitária e seus efeitos. O cenário de uma conflagração social desestabilizante causou pânico: Bolsonaro mimetizou Trump que tomou medidas cavalares na dose ao mesmo tempo em que fazia pouco caso da pandemia.

As declarações recentes de Bob Woodward confirmam a previsão já feita anteriormente. Haverá guerra de narrativas: a do estadista —a referência aqui será Churchill para quem a verdade seria “tão preciosa que deve ser blindada por mentiras”—; e a do tirano irresponsável —em que opositores irão brandir as mortes que poderiam ser evitadas.

O segundo impacto é um efeito não antecipado: o remédio anticaos (o auxílio) revelou-se crucial para a popularidade presidencial. O terceiro é consequência do primeiro e terá efeito retardado: a agenda pública passa a ser vertebrada, como no passado recente, em termos de “quem redistribui mais e melhor”. Sai a cacofonia hiperpolitizada e de costumes, entra o Renda Brasil.

Especula-se com base na assimetria cognitiva entre perdas e ganhos, identificada por Kahneman e Tversky, que a “super-reação” ao fim do auxílio anulará os benefícios gerados. Improvável: ele será descontinuado pelo seu próprio criador, não é um direito estabelecido (entitlement, no jargão) e foi anunciado como temporário.

Isso não quer dizer, no entanto, que desemprego, pressões inflacionárias e queda da renda não terão consequências políticas. Mas aqui é o clássico “voto econômico” da literatura que seguramente terá impacto decisivo, mas gradativo. Quanto mais perto do fim (eleição) maior forte a lembrança do sofrimento econômico. Como nas colonoscopias, segundo Kahneman.

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