Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Larissa Manoela e o triunfo da fofoca

Entrevista com atriz expõe o questionável jornalismo de celebridades

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Num livro que se tornou leitura obrigatória nas faculdades de jornalismo, a americana Janet Malcolm decretou no primeiro parágrafo: "Qualquer jornalista que não seja demasiado obtuso ou cheio de si para perceber o que está acontecendo sabe que o que ele faz é moralmente indefensável. Ele é uma espécie de confidente, que se nutre da vaidade, da ignorância ou da solidão das pessoas".


É um "juízo drástico", como observou Otavio Frias Filho, no prefácio à edição brasileira de "O Jornalista e o Assassino", e carrega "um timbre algo sensacionalista", por sua generalização. Mas é impossível não pensar no "decreto" de Malcolm ao observar um ramo específico do noticiário, o dedicado às celebridades.

A fofoca vestida com roupa de jornalismo faz a alegria diária de programas de televisão e sites de notícias. Ela supre aspecto trivial e sádico da natureza humana, a curiosidade sobre o que acontece entre quatro paredes na casa dos ricos e famosos.

Mesmo quando realizado dentro das regras do bom jornalismo, é um trabalho que faz pensar na crítica de Janet Malcolm. Porque envolve expor a privacidade alheia, eventualmente contra a vontade dos envolvidos. Ou com o consentimento de pessoas que ignoram o impacto que determinadas revelações terão sobre a própria vida.

Uma das justificativas para esse tipo de jornalismo é o interesse público. Em tese, estamos apenas saciando a justa curiosidade de leitores e espectadores de saber mais sobre a vida dos famosos que se envolvem em situações extraordinárias, problemas com a Justiça, escândalos ruidosos ou dramas médicos.

Em foto colorida, mulher de rosa cruza os braços na altura do peito e faz pose
A atriz Larissa Manoela - Reprodução/Instagram


Por tudo isso, é compreensível a decisão do Fantástico de exibir uma entrevista com a atriz Larissa Manoela sobre o seu desentendimento com os pais. Num programa com o formato do dominical da Globo, de uma revista que mistura jornalismo e entretenimento, a pauta parece caber como uma luva.

O que diz muito sobre os dias de hoje foi a forma como o Fantástico tratou o assunto. Com a convicção de que tinha ouro em mãos, deixou em segundo plano outras reportagens mais relevantes e apresentou a entrevista de 12 minutos em que a jovem critica os pais como a isca maior de audiência do domingo.

O tom do melodrama é estabelecido de cara. Em 20 segundos, Larissa encena caminhar numa praia deserta, olhando para o infinito, enquanto a repórter Renata Capucci narra, ao fundo: "Deixar de ser seguida pela mãe em redes sociais foi uma demonstração pública de que a relação entre a filha única e os pais estava em crise".

Larissa Manoela em entrevista ao 'Fantástico' - Reprodução/Globo


O texto jornalístico procura dar justificativas para a exposição do drama íntimo: "Somando suas redes sociais, são mais de 80 milhões de seguidores, e as marcas surfam nessa popularidade". Por isso, afirma a repórter, "no auge do sucesso, Larissase vê obrigada a dar explicações sobre a sua intimidade".

Para comprovar a tese de que os pais exploram Larissa, a reportagem expõe um áudio com a voz da mãe, cedido pela filha. Em outro, o mais dramático, a atriz pede um Pix para pagar um mate e um milho na praia.

A breve exposição dos argumentos dos pais de Larissa Manoela, no final, deixou evidente uma série de buracos na entrevista com a cantora. Por que ela não foi questionada sobre aqueles pontos? Aparentemente, porque o importante era provocar impacto e choque no público.

A tática de guerra foi premiada com a excelente audiência do programa, a segunda mais alta do ano, atrás apenas da edição de 8 de janeiro. O triunfo da fofoca se consumou nos três dias que se seguiram, no qual a entrevista serviu de combustível para centenas, talvez milhares, de desdobramentos na televisão e na internet.

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