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rita siza

 

11/02/2012 - 07h00

Ninguém paga uma consciência tranquila

Quais os limites para o politicamente correcto quando estão em jogo milhões de libras? A pergunta, desconfortável, atormentou o comité organizador dos Jogos Olímpicos de Londres depois de ter anunciado o patrocínio da Dow Chemical, que ofereceu um conjunto de 336 painéis de adorno - e protecção exterior - do novo estádio olímpico. Muito bem, muito bonito, em princípio. A dor de cabeça foi quando a federação da Índia protestou, exigindo que o contrato com a petroquímica americana fosse denunciado e a empresa afastada do evento, para que a olimpíada pudesse decorrer sem nenhum peso na consciência.

Os argumentos dos indianos: a Dow Chemical está ligada a uma fuga de gases tóxicos de Bhopal, na década de 80, um dos maiores desastres ambientais da história e de repercussões dramáticas. Os activistas locais estimam que cerca de 20 mil pessoas tenham morrido na sequência do vazamento de uma fábrica de pesticidas, um facto que a companhia naturalmente nega (e desmente também ter tido qualquer responsabilidade no acidente, uma vez que só adquiriu a fábrica em questão no ano de 2001). Há vários anos corre uma campanha na Índia para que a Dow Chemical aumente a dotação do fundo de compensação às vítimas.

A posição da Índia - reforçada por uma carta da Amnistia Internacional - colocou os organizadores numa posição delicada. Os painéis decorativos em várias cores, doados pela Dow Chemical, respeitam os critérios ambientais para os materiais de construção estabelecidos pela legislação. E representam um donativo de sete milhões de libras, que de outra forma teriam de ser imputados aos contribuintes. "O comité organizador, os arquitectos, os engenheiros, os artistas, todos disseram que esta protecção era necessária. Não podemos eliminá-los e deixar a estrutura do estádio desprotegida", explicou o vice-presidente da Dow Chemical para as questões olímpicas, George Hamilton, ao jornal The Guardian.

Gratos pela ajuda, e confortados pelo facto de não haver nenhum logótipo do patrocinador nos painéis do estádio, os organizadores têm evitado falar no assunto, e muito menos comprometer-se com qualquer posição a favor ou contra. Uma das personalidades que tinha assento no comité que supervisionava a sustentabilidade ambiental do evento, Meredith Alexander, demitiu-se no mês passado em protesto contra o que considerou ser um inadmissível "branqueamento" da imagem de uma empresa com um "legado tóxico". "Estão basicamente a legitimar a posição da Dow Chemical de que não tem que assumir nenhuma responsabilidade pela Bhopal", contestou.

Claramente, o caso em apreço vai ficar por aqui. Mas uma coisa boa pode resultar, se como foi sugerido, o Comité Olímpico Internacional nomear um "painel de ética" que se pronuncie sobre os patrocínios do futuro. E se o que disser este painel contar para alguma coisa - no aceitar e no recusar de somas avultadas de dinheiro. Até porque, lembrando as palavras do famoso colunista norte-americano William Buckley, ter princípios éticos é muito bom, mas no confronto com a realidade é que se vê que o idealismo sai muito caro.

rita siza

Rita Siza é jornalista do diário português "Público", onde acompanha temas de política internacional, com ênfase na América Latina. Do futebol ao pebolim, comenta sobre diversos esportes e dedica particular atenção às Olimpíadas. Escreve aos sábados no site da Folha.

 

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