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rita siza

 

03/03/2012 - 08h00

Correr contra o tempo

É sempre comovente --e também notável-- assistir ao envelhecimento de um atleta. O processo humaniza os nossos ídolos, que afinal são também iguais a nós. Mas ao mesmo tempo, aqueles que aceitam expor as suas fragilidades, depois de impressionantes conquistas, ainda se mostram mais invulgares e extraordinários.

Vem isto a propósito de Haile Gebrselassie, o lendário fundista da Etiópia, que já foi campeão do mundo nos cinco mil e dez mil metros e recordista mundial da maratona até 2011, e que esta semana falhou a sua primeira tentativa de qualificar-se para os Jogos Olímpicos de Londres, terminando no quarto lugar a maratona de Tóquio, bem longe do tempo de 2h05m já cumprido por três companheiros de federação.

"Estava a correr bem até aos 35 quilómetros, mas depois começaram a doer-me as costas", explicou o atleta supercampeão --o "Imperador", como lhe chamam-- com surpreendente candura. Gebrselassie ainda acrescentou que se sentia bem e em forma, e que esperava alcançar a marca olímpica muito em breve. "Posso correr outra maratona dentro de duas semanas", garantiu. Mas dias depois reconheceu num tweet que "o sonho da maratona olímpica pode ter terminado".

Eu sou dos que esperam que o maravilhoso corredor etíope consiga alcançar o seu sonho e marcar presença em Londres --será a sua quinta participação em Jogos Olímpicos, um feito virtualmente sobre-humano tendo em conta a especialidade esportiva de Gebrselassie. Muitos outros atletas conseguem disfarçar o peso e o custo da idade nas suas carreiras, mas para um fundista não há subterfúgios: trata-se, verdadeiramente, de uma corrida contra o tempo.

Nas últimas duas décadas, Haile Gebrselassie foi muito mais do que uma gazela imperial capaz de emocionar multidões de entusiastas da corrida de todo o mundo. A sua carreira atlética ao mais alto nível é absolutamente ímpar, feita de recordes atrás de recordes, mas a sua história de vida consegue ser ainda mais especial, admirável e inspiradora.

O seu talento para a corrida pode muito bem advir do facto de que, quando criança, precisava de correr quase 20 quilómetros por dia para ir e vir da escola. Hoje, Gebrselassie constrói escolas na Etiópia, para que muitas crianças não tenham de viver as mesmas privações que ele ultrapassou. Mas mesmo assim, não deixa de se levantar às 5 da manhã e correr antes de chegar ao escritório, e de correr outra vez, no fim do dia, de volta a casa. Não sei se o corredor vai largar a competição por causa dos seus 39 anos, porque esta rotina mostra que, pelo menos no coração, Gebrselassie ainda continua a ser um menino.

rita siza

Rita Siza é jornalista do diário português "Público", onde acompanha temas de política internacional, com ênfase na América Latina. Do futebol ao pebolim, comenta sobre diversos esportes e dedica particular atenção às Olimpíadas. Escreve aos sábados no site da Folha.

 

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