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rita siza

 

10/03/2012 - 05h00

Menina também joga à bola!

A última vez que tentei percorrer o verdadeiro labirinto que é o sistema electrónico de venda de bilhetes para os eventos dos Jogos Olímpicos de Londres, senti uma ténue esperança ao ver que, entre a parca oferta disponível, havia lugares vagos para quase todos os jogos de futebol, masculino e feminino.

Decidi arriscar e lançar os dados pelos segundos - seguindo um raciocínio tosco e francamente primário que pressupunha que seria mais fácil arranjar ingressos para o futebol feminino porque de certeza a procura seria bem maior para o masculino. Fico feliz por estar enganada: estava tudo esgotado, homens e mulheres.

Quem compra ingresso ainda não sabe quais os jogos que vai ver, isto é, a escolha não se faz em função da preferência por uma ou outra selecção. Dá-se de barato que, independente dos intervenientes, o facto de se tratar de uma partida olímpica é garantia suficiente de competitividade e espectacularidade.

Mas no caso do futebol feminino, já sabe, por exemplo [eu fiquei a saber graças à organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch] que não poderá ver a selecção da Arábia Saudita, porque o Governo daquele país proibe as mulheres de participar em qualquer competição esportiva. Mais do que isso, as mulheres sauditas estão legalmente impedidas de qualquer exercício físico -frequentar uma academia é proibido.

Como observava a escritora Nina Burleigh na revista Time, é difícil de conceber um país onde uma mulher ou uma menina não possam jogar futebol, ou ir à piscina, ou fazer ginástica, ou correr em público. E também é difícil de entender o silêncio e a tolerância da comunidade internacional com essa situação flagrante de discriminação. "Se algum país do mundo submetesse a sua população masculina a semelhante tratamento, não estaria já a enfrentar queixas e sanções?", pergunta a autora, que está a trabalhar num livro sobre a Primavera Árabe e as mulheres.

A ostracização das atletas sauditas não será caso único nos Jogos Olímpicos de Londres: também os governantes do Qatar e do Brunei recusaram a participação de mulheres no evento. O Comité Olímpico Internacional registou o seu "desgosto" pelas decisões desses países, lembrando os "valores de respeito, amizade e excelência" que definem o movimento olímpico e acrescentando que os jogos pretendem ser eventos "universais". "Os comités olímpicos nacionais são fortemente encorajados a promover esse espírito junto das suas delegações", arrisca o COI, sossegando porém que não se trata de nenhum "ultimato".

A declaração irrita pelo seu tom burocrático - quando se exigiam palavras vigorosas. Se alguém precisa de encorajamento, são os sauditas que discordam da política anti-mulheres no esporte do seu país. Pessoas como o príncipe Alwaleed bin Talal, que patrocinou o primeiro time de futebol feminino da Arábia Saudita, mas foi forçado a desistir perante a hostilidade do Governo e dos media.

A posição da ministra britânica que supervisiona a olimpíada ainda foi pior. "Gostaríamos que os sauditas pudessem lançar um plano que permitisse a inclusão em pé de igualdade das mulheres a tempo dos Jogos de 2016, no Rio de Janeiro". A minha fé está agora nos brasileiros.

rita siza

Rita Siza é jornalista do diário português "Público", onde acompanha temas de política internacional, com ênfase na América Latina. Do futebol ao pebolim, comenta sobre diversos esportes e dedica particular atenção às Olimpíadas. Escreve aos sábados no site da Folha.

 

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