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rita siza

 

31/03/2012 - 07h02

O hábito não faz o monge

Dois acontecimentos recentes, envolvendo o guarda-roupa para os Jogos Olímpicos de Londres (e não relacionados entre si), despertaram a minha atenção e curiosidade.

Um foi a espalhafatosa apresentação dos equipamentos dos atletas da chamada "Team GB", a "equipa" da Grã-Bretanha que joga em casa nesta Olimpíada. Desenhados pela famosíssima designer de moda Stella McCartney, foram revelados ao público como: num evento para a mídia mundial na Torre de Londres, alguns dos nomes mais conhecidos do esporto britânico converteram-se em modelos de passerelle para exibir as muitas variantes do uniforme olímpico, que segundo a própria criadora combinam a modernidade da tecnologia de ponta com a tradição, representada pela bandeira.

O outro foi o discreto anúncio pela Federação Internacional de Vólei de uma alteração nos regulamentos, no sentido de "alargar" o leque de opções de indumentária das atletas femininas do vólei de praia, que até agora estavam restringidas ao uso do biquíni. Como explicou a federação, para garantir o "respeito pelos valores culturais ou crenças religiosas de cada país", as participantes preferirem "cobrir mais o corpo" terão a opção de usar calção acima do joelho e camiseta com manga curta na competição de Londres.

No primeiro caso, o que é mais interessante - na verdade, irresistível - é a suprema ironia da história. Os fatos promovidos como uma espécie de manifestação de orgulho nacional, um novo expoente para o patriotismo britânico são, afinal, uma obra-prima da tecnologia alemã, produzidos pelo gigante Adidas - que estudou as necessidades próprias de cada uma das modalidades em termos de materiais, aerodinâmica, etc, de forma quase científica. Claro que a imprensa britânica não desperdiçou a oportunidade para praticar o sarcasmo: "Graças a Deus, são os alemães que fabricam os uniformes britânicos", lia-se no The Guardian.

Além disso, traduzindo grosseiramente uma expressão tão cara aos anglo-saxónicos, reforçando a "agressão" com um "insulto", a nova vestimenta britânica destaca-se pela prevalência do tom azul. O objectivo, era evitar que, ao longe, os atletas britânicos pudessem ser confundidos com os da França, o outro rival histórico, que usa as mesmas três cores (azul-vermelho-branco), mas talvez alguém, se tivesse esquecido de informar a designer que, na maioria dos esportes, a selecção francesa é genericamente designada como "les bleus", os azuis. Menos subtil ainda é a remissão para as cores da bandeira da Escócia, que, recorde-se, vive uma deriva independentista que Londres certamente preferia ignorar...

Se a primeira polémica foi tratada como um caso sério e grave pela imprensa (britânica e internacional), no caso dos biquínis do vólei de praia a notícia foi apresentada quase como uma anedota. As implicações desta decisão para o próprio esporte - ao autorizar uniformes mais "modestos", a federação está na realidade a promover a prática da modalidade, que ficará acessível a atletas que até poderiam ter apetência pelo esporte mas ficavam barradas pela convenção de que tinham ser "sexy" - foram largamente ignoradas ou desvalorizadas nas notícias, que falavam na inevitável "desilusão" para o público que aparentemente só acompanha o torneio pelo interesse em ver mulheres suadas em biquíni.

Diz-se que é o hábito que faz o monge, mas o facto de usar (ou não) biquíni não devia servir de argumento para a qualificação (ou afastamento) da prática do vólei de praia. Eu, que sou uma nulidade no vólei mas vou à praia de biquíni, aplaudo a decisão da federação internacional.

rita siza

Rita Siza é jornalista do diário português "Público", onde acompanha temas de política internacional, com ênfase na América Latina. Do futebol ao pebolim, comenta sobre diversos esportes e dedica particular atenção às Olimpíadas. Escreve aos sábados no site da Folha.

 

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