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rita siza

 

28/04/2012 - 05h20

Nascer para correr

Se tivesse de prever, a três meses de distância, o provável campeão olímpico da maratona, em Londres, a resposta rolaria logo da ponta da língua: não hesitaria nem um segundo a responder "Quénia".

O meu raciocínio é puramente empírico. Atletas quenianos venceram cerca de 80 por cento das provas realizadas desde a década de 80. Cumprindo a tradição, as últimas corridas, em Boston e, no passado fim-de-semana em Londres, tiveram quenianos no pódio - em primeiro, e em segundo e terceiro lugar, nos homens e nas mulheres.

Mas um artigo recentemente publicado na revista norte-americana "The Atlantic" aponta argumentos bem mais fascinantes para explicar porque é que o Quénia domina nas provas de longa distância, e mais particularmente, porque entre os vencedores predominam atletas de uma minoria étnica que representa apenas 0,06% da população.

Aparentemente, o seu sucesso esportivo é inato e tem tudo a ver com uma combinação "imbatível" de biologia, genética, geografia e cultura, que torna a constituição dos descendentes da tribo Kalenjin, originária da região subsaariana que abarca a região oeste do Quénia, "perfeita" para a prática da maratona.

Essa foi, pelo menos, a conclusão a que chegaram os cientistas do Centro de Investigação Muscular de Copenhaga, na Dinamarca, que nos anos 90 realizaram um estudo comparando os atletas escandinavos (os suecos, particularmente, que dominavam as provas de corrida antes de serem suplantados pelos seus concorrentes africanos) com os quenianos.

Esse estudo revelou que os rapazes da equipa de corrida de um liceu de Iten, no Quénia, consistentemente batiam os atletas profissionais suecos. Baseados nos resultados de provas de todo o mundo, os investigadores concluíram os Kalenjin eram capazes de correr melhor do que cerca de 90 por cento da população mundial.

Uma década mais tarde, essa investigação foi mais ou menos replicada por uma equipa do Instituto de Ciência Esportiva da Dinamarca: um grupo de rapazes Kalenjin recebeu treino profissional durante três meses e depois foi testado contra o maior atleta dinamarquês, o super campeão Thomas Nolan. A supremacia dos quenianos foi avassaladora. Roubando o refrão ao grande Bruce Springsteen, os cientistas concordaram que os Kalenjin "nascem para correr".

O mais interessante no artigo nem é a colecção de dados e factos que se referem à vertente esportiva, mas antes quando o autor se debruça sobre os dilemas políticos, éticos e morais com que se confrontaram os intervenientes daquelas investigações - e todas as pessoas que abordam as questões da "raça" para explicar o fenómeno esportivo.

Como escreve Max Fischer, o facto de haver uma equipa de (cientistas) brancos a estudar os atributos físicos de (atletas) negros ainda remete para períodos particularmente horrendos da nossa História, mais longínqua ou mais recente, de exploração dos africanos pelos ocidentais, de racismo e extermínio.

"Todos os atletas devem parte do seu sucesso à sua constituição física, mas porque os corredores Kalenjin partilham os seus traços físicos particulares com um grupo étnico isolado, e porque esse grupo faz parte da história do colonialismo e do aproveitamento dos negros para o trabalho físico, é muito difícil falar sobre essas características", refere.

rita siza

Rita Siza é jornalista do diário português "Público", onde acompanha temas de política internacional, com ênfase na América Latina. Do futebol ao pebolim, comenta sobre diversos esportes e dedica particular atenção às Olimpíadas. Escreve aos sábados no site da Folha.

 

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