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rita siza

 

02/06/2012 - 06h01

Ícones

Assisti esta semana, em Londres, a uma palestra de John Carlos, o velocista norte-americano que se celebrizou por erguer um enluvado punho negro no pódio das medalhas dos Jogos Olímpicos de 1968 no México, enquanto tocava o hino dos Estados Unidos.

O evento foi muito interessante mas, devo confessar, também um pouco desconcertante: ao longo de mais de duas horas, John Carlos referiu-se às Olimpíadas sem nunca falar de esporte e resumiu a sua carreira sem nunca apontar as suas impressionantes conquistas atléticas (sete recordes do mundo e um recorde olímpico).

É um pouco invulgar, mas também é verdade que a sua vida inteira ficou cristalizada naqueles minutos históricos na Cidade do México. E é esse o tema constante e unificador da sua conversa, o facto essencial no arco narrativo da sua vida, passada e presente, privada e pública.

Carlos, que tinha 23 anos quando participou nos Jogos Olímpicos, parece acreditar que a sua prática esportiva foi apenas um meio para atingir um fim. Pela sua apresentação, carregada de referências religiosas, deduz-se ter sido um chamamento divino: a corrida serviu o seu propósito maior de lutar contra a opressão, segregação, intolerância e desigualdade, pelos direitos humanos, a justiça e a força de carácter.

"Há os ícones dos homens e os ícones de Deus", disse ele a certa altura, esclarecendo, por exemplo, que Michael Jordan era um desses ícones humanos e ele próprio um dos segundos. Não é por acaso que John Carlos é apresentado como "atleta, autor e lenda" - essa é a sua profunda convicção.

O atleta interpreta a sua vida a partir de um sonho que teve aos sete anos de idade, "uma visão de Deus, como ele apresentou, em que se via de pé, em cima de uma caixa, embalado por aplausos, e gritos, e encómios, que de repente se transformavam em insultos, cuspidelas, agressões. "Depois o meu chamamento veio em 1968", concretiza.

As suas posições (cuja vertente política fica curiosamente de fora da sua palestra, abordada apenas de forma ligeira para desmentir a sua integração no movimento Black Panther dos Estados Unidos) tiveram custos altíssimos e trouxeram-lhe muita miséria pessoal, mas Carlos garante que nem antes, nem agora, experimentou o arrependimento. "Nem por um segundo duvidei que estava a fazer o que era certo", sublinhou.

A sessão teve outros motivos de interesse para além da dissertação de John Carlos. A plateia estava repleta de pessoas altamente críticas do modelo olímpico. Algumas referiram o impacto que a organização e realização de uma olimpíada tem para uma cidade (e um país), outras alertaram para os custos sociais e individuais do evento.

Foi óbvio que John Carlos ficou agradado com o rumo da conversa --logo ele que confessou não sentir respeito nenhum pelo que descreveu como a "ganância" do Comité Olímpico Internacional que, na sua óptica, explora, exclui e destrói os atletas e os ideais esportivos à custa dos compromissos e acordos assinados com patrocinadores e fornecedores que, repetiu, representam os "opressores" que ele nasceu para combater.

rita siza

Rita Siza é jornalista do diário português "Público", onde acompanha temas de política internacional, com ênfase na América Latina. Do futebol ao pebolim, comenta sobre diversos esportes e dedica particular atenção às Olimpíadas. Escreve aos sábados no site da Folha.

 

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