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rita siza

 

16/06/2012 - 07h00

Olimpíada bucólica pós-industrial

O único lugar que eu conheço de toda a Inglaterra é Londres, e essa foi mais uma das razões porque fiquei tão curiosa com a extravagância que o director Danny Boyle, encarregado de conceber o espectáculo da cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos, está a preparar: "Verde e Agradável", antecipou, com prados verdejantes, campos cultivados e ribeiros a rebentar de salmão; cavalos, vacas, ovelhas, galinhas e cães; chalés e clubes de cricket; relvados para pic-nics e lamaçais para festivaleiros do rock n'roll rural.

O cenário não podia ser mais diferente do de Stanford, uma zona industrial já nas fronteiras da cidade, escolhida precisamente por ser o único lugar em toda a gigantesca capital britânica capaz de alojar o imenso e ambicioso complexo olímpico.

Há uns dias, andei a passear pelo lugar: é agora uma mescla de armazéns abandonados, ao lado de horrorosos edifícios dos anos 60 e 70 construídos à pressa e sem grandes preocupações para alojar milhares longe do centro monumental e histórico, que agora convivem com prédios novos de traço moderno e falso colorido a iludir o cinzento do céu e uma imensidão de novos equipamentos - esportivos, comerciais, intermodais...

Visto de longe, Stanford parece o lugar ideal para a imaginação de Danny Boyle, o cineasta de Trainspotting e Slumdog Millionaire. A zona tem um ar simultaneamente decrépito e contemporâneo, desinteressante, impessoal e anódino, onde a história nunca é longínqua, onde o desemprego e a desqualificação transformaram o presente num impasse o onde o futuro ainda não passa de uma ilusão num prospecto publicitário. Um lugar que parece viver numa espécie de "regeneração" perpétua, pós-rural e pós-industrial.

Mas curiosamente, encontrei ali o bucolismo que imagino possa também ter inspirado o realizador - que poderia muito bem estar, nessa mesma altura, a ensaiar a sua visão olímpica nos 3 Mills Studios, um armazém com mais de 80 mil metros quadrados que já acolheu a produção de diversos filmes e séries de televisão, bem como vídeos de música e publicitários.

Fica ali na margem do rio Lea, um rio de marés (que desagua no Tamisa) onde vi a passear casais de cisnes. A metros da porta do estúdio cinematográfico, estão os três moinhos evocados no nome e na morada, belos edifícios do século XVIII que foram usados primeiro para desfazer milho e pólvora e depois para produzir gin, numa destilaria paralela.

Os moinhos ficam numa encruzilhada de canais, todos eles navegáveis, onde repousam agora dezenas casas-barco, elegantes, esbeltas construções de madeira cuja presença tem o condão alterar a percepção do tempo e do espaço: de repente, saímos da megapólis e entramos numa outra dimensão, estival, tranquila, tradicional. Nas margens, novos parques e caminhos, para caminhadas, jogging ou passeios de bicicleta. Caminhos que, naturalmente, confluem para o estádio olímpico onde já deve estar a crescer a relva e prado encomendados por Danny Boyle.

rita siza

Rita Siza é jornalista do diário português "Público", onde acompanha temas de política internacional, com ênfase na América Latina. Do futebol ao pebolim, comenta sobre diversos esportes e dedica particular atenção às Olimpíadas. Escreve aos sábados no site da Folha.

 

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