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rita siza

 

04/08/2012 - 03h15

Maldições e bendições

DE SÃO PAULO

Uma amiga inglesa, que tenho como uma pessoa sensata, ponderada e habitualmente comedida, tem estado anormalmente frenética e ansiosa por causa dos Jogos Olímpicos de Londres. Tudo porque, contaminada pelo entusiasmo geral, decidiu apostar que a Team GB terminaria a Olimpíada com um total de 75 (sim, 75!) medalhas --quando lhe perguntei se tinham todas de ser de ouro, devolveu-me um olhar perplexo e ligeiramente assustado: "Não sei, mas espero bem que não", foi a resposta.

Antes de quarta-feira, quando as remadoras Heather Stanning e Helen Glover finalmente quebraram o enguiço britânico e conquistaram a primeira medalha de ouro para o Reino Unido, a minha amiga viveu momentos de desilusão e incredulidade com o insucesso de atletas que pareciam vencedores garantidos. Mas como inglesinha de gema que é, encontrou sempre uma maneira graciosa de explicar os fracassos, com um misto de humor e boa educação.

Não foi, aliás, a única: o prefeito de Londres, Boris Johnson, disse numa entrevista que os atletas locais só estavam a certificar-se que todos os participantes eram bem acolhidos na capital e tinham a melhor experiência olímpica possível. O fato de serem os estrangeiros a arrecadar as medalhas era, segundo o seu argumento, a prova da generosidade e das boas maneiras britânicas, com a prata da casa altruisticamente a prescindir das luzes da ribalta para o gáudio dos seus visitantes.

As explicações da minha amiga eram diferentes. Segundo ela --e aparentemente muitos outros--, uma grande parte da culpa recaía sobre os ombros do primeiro-ministro. Existirá, como ela reclama, a maldição de David Cameron? Francamente, as provas empíricas parecem confirmar o pé-frio do líder conservador: sempre que o chefe do Governo foi assistir a um evento para apoiar a Grã-Bretanha, o time perdeu.

Como aconteceu mais do que uma vez (e não só nos Jogos Olímpicos), os entendidos nas coisas da sorte e do azar já concluíram categoricamente que não se trata de uma coincidência. Ninguém se admire, portanto, que a próxima vez que o público se aperceba da presença de David Cameron na plateia dê conta do seu horror e desagrado --avisam os mesmos entendidos que os analistas políticos devem resistir à tentação de interpretar o gesto como uma condenação política.

Pelo contrário, as aparições dos membros da Família Real, e particularmente dos populares príncipes William e Harry, são vistas com enorme satisfação e consideradas prenúncio de sorte e sucesso. Infelizmente (para os britânicos) a realeza não se organizou de forma a ter sempre um dos seus representantes a incentivar os atletas da casa. Que assim se veem indefesos perante outra grande maldição: os sofisticados e vanguardistas kits desenhados pela designer de moda Stella McCartney, que os supersticiosos também responsabilizam pelos infortúnios do Team GB.

Logo que foram apresentados, os equipamentos suscitaram críticas violentas. Predominantemente azuis, com alguns salpicos brancos, as fatiotas foram mal recebidas por quem aceita como verdade irrefutável que equipar de vermelho traz vantagem ao competidor.

E mais uma vez, a realidade deu razão aos contestatários. Nas primeiras oportunidades que os atletas britânicos tiveram para trocar o kit azul pelo vermelho --por exemplo, quando o time feminino de hóquei em campo estreou contra o Japão, ou o coletivo de ginastas se apresentou na prova por equipas - os resultados positivos apareceram.

Mas pode ser que a definitiva bendição para o Team GB venha das alturas. Desde que as nuvens mostraram o azul do céu, e o sol brilhou para aquecer este povo esquálido, a coleção de medalhas não tem parado de aumentar. A minha amiga continua apreensiva, mas agora a sua principal preocupação é estender o cobertor no gramado e aproveitar o calor.

rita siza

Rita Siza é jornalista do diário português "Público", onde acompanha temas de política internacional, com ênfase na América Latina. Do futebol ao pebolim, comenta sobre diversos esportes e dedica particular atenção às Olimpíadas. Escreve aos sábados no site da Folha.

 

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