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rita siza

 

01/09/2012 - 16h44

O desafio da cobertura dos Jogos Paraolímpicos

DE PORTO

Só quando dei por mim de telecomando na mão, surfando entre os vários canais para ver se conseguia encontrar nalgum lado a transmissão em directo do primeiro dia de eventos dos Jogos Paraolímpicos de Londres, é que tive a plena consciência do abismo que ainda existe entre o interesse gerado pela competição dos atletas com deficiência ou incapacidade de aprendizagem -- e o correspondente investimento na sua difusão -- e a loucura que suscitam os Jogos Olímpicos.

A esse respeito, os sinais que vêm de Londres são positivos e encorajadores, com as lotações esgotadas dos recintos a indicarem uma maior adesão do público ao espectáculo proporcionado por estes esportistas. Como muitos outros jornalistas, antes do arranque do evento concentrei a minha atenção nesta narrativa, mas depois da cerimónia de abertura esse é um ângulo que já não faz sentido (a não ser na altura dos balanços). Tentei por isso informar-me sobre as várias variantes dos vários esportes: a complicação começou quando tentei aprofundar esse conhecimento assistindo às provas (pela televisão; estou em Portugal e não em Londres).

Para os jornalistas esportivos, a cobertura dos Jogos Paraolímpicos é um desafio. Não porque estejam habituados ao futebol, vôlei e automobilismo e não estejam tão familiarizados com as várias modalidades da competição, os principais candidatos às medalhas, os favoritos da torcida. Um colega de profissão, que reputo e respeito como um dos melhores jornalistas esportivos portugueses, discutia comigo há dias que os Paraolímpicos não deviam ser tratados pela mídia segundo a "fórmula" com que são tratadas as outras competições: com uma preocupação e obsessão pela tabela classificativa, a constante distinção entre os vencedores e os vencidos, a crítica por vezes doentia dos fracassos e a exaltação por vezes hiperbólica dos sucessos.

É verdade que na competição paraolímpica, todos os atletas são uns vencedores, todos são um exemplo. A história de cada um dos homens e mulheres que se posicionam na linha de partida, independentemente do grau de deficiência ou da nacionalidade, merece ser contada. Muitos repórteres resistem em fazê-lo por ser demasiado difícil -- como escrever sem reproduzir chavões, sem perpetuar preconceitos, sem cair em paternalismos ou moralismos, garantindo a objectividade, o equilíbrio e justiça que o assunto merece? Ignorando o carácter distintivo e as particularidades do esporte paraolímpico e estabelecendo um paralelo constante com as modalidades praticadas por atletas sem qualquer tipo de condicionamento?

O que vale no jornalismo é que a realidade é dinâmica, e muitas vezes resolve estes dilemas ou sobressaltos pessoais. Nenhuma competição que se preze escapa à polémica, e por isso ela surgiu logo no primeiro dia dos Paraolímpicos, com a controversa revisão da classificação da nadadora norte-americana Mallory Weggemann, que na véspera do seu evento passou da categoria S7 à S8. A "promoção", que a atleta contesta, implica uma mudança das provas em que se poderá apresentar-- Mallory queria replicar o sucesso do seu compatriota Michael Phelps e tornar-se na nadadora paraolímpica com mais medalhas de ouro da história.

O Comité Paralímpico Internacional tem a obrigação de vigiar o sistema de classificação das deficiências e garantir que existe igualdade de circunstâncias entre os atletas inscritos num mesmo evento. Mas não deve mudar de ideias à última hora, sob pena de frustrar os atletas e de prejudicar a promoção do esporte. Porque comprovadamente não há nada como um super-campeão com dezenas de medalhas ao pescoço para suscitar a atenção dos jornalistas e do público -- mesmo os mais renitentes.

rita siza

Rita Siza é jornalista do diário português "Público", onde acompanha temas de política internacional, com ênfase na América Latina. Do futebol ao pebolim, comenta sobre diversos esportes e dedica particular atenção às Olimpíadas. Escreve aos sábados no site da Folha.

 

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