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rita siza

 

22/09/2012 - 03h30

Um homem triste

Vista do meio do oceano Atlântico, onde por acaso me encontro (no arquipélago dos Açores), a história da "tristeza" de Cristiano Ronaldo --que nas últimas duas semanas originou uma das histerias colectivas mais disparatadas da história do jornalismo esportivo-- parece ainda mais absurda e patética. Deve ser por causa da imensidão da água em volta deste pequeno paraíso de verde e rocha: é verdade que nesta vida é tudo uma questão de perspectiva...

O craque português que brilha no Real Madrid desabafou, no final de um jogo que a sua equipa ganhou e em que até marcou por duas vezes, que não tinha festejado os golos porque se sentia triste e que o clube conhecia as razões para o seu estado de espírito.

Foi o bastante para que durante dias se gastassem rios de tinta a especular o que poderia estar por detrás da tristeza de Ronaldo, como se um dia de angústia de um futebolista fosse algo de tão importante/interessante que merecesse cobertura contínua na mídia.

Na sua tradicional rudeza, que em geral não aprecio, o treinador do Real Madrid, José Mourinho, fez-nos o favor de ridicularizar os jornalistas que lhe perguntavam sobre as emoções do seu jogador e de desvalorizar toda a polémica, dizendo qualquer coisa como "se ele continuar a jogar como tem jogado, mesmo estando triste, não há problema nenhum".

Cristiano Ronaldo é um homem como qualquer outro e certamente tem dias em que se sente mais feliz e outros em que se sente mais triste. Nada disto devia ser notícia, afinal, não se trata de uma condição física ou mental que impeça o seu desempenho profissional.

Os atletas de alta competição estão mais do que habituados a lidar com um tipo de pressão e expectativas que deixariam qualquer um de nós meros mortais com os nervos e as emoções à flor da pele --o que não quer dizer que não tenham também os seus momentos de fraqueza.

Todos nós já vimos esses momentos: costumam acontecer após uma derrota ou um mau resultado, quando a desilusão e a frustração se tornam difíceis de esconder ou disfarçar. Ou quando os atletas se sentem injustiçados pela crítica, "perseguidos" pela imprensa, insultados pela torcida.*

Às vezes também acontece na vitória ou na consagração. Nos Jogos Olímpicos de Londres, fiquei comovida com o choro de dois remadores britânicos, inconsoláveis depois de conquistar uma medalha de prata: cabisbaixos, infelizes, não tinham palavras para descrever o que entendiam como um supremo fracasso, terminar a final em segundo e não em primeiro lugar.

*Aparentemente, esta semana tivemos mais um caso de insultos raciais dirigidos pela torcida da Lazio contra os jogadores negros do Tottenham na partida de primeira jornada da Liga Europa em Londres. O mínimo que a Uefa pode fazer é averiguar o que se passou; assobiar para o lado será uma vergonha e um descrédito para as campanhas pela tolerância que tem vindo a promover. Tendo em conta que Michel Platini estava a assistir na bancada, não deverá ser difícil fazer a reconstituição dos eventos.

rita siza

Rita Siza é jornalista do diário português "Público", onde acompanha temas de política internacional, com ênfase na América Latina. Do futebol ao pebolim, comenta sobre diversos esportes e dedica particular atenção às Olimpíadas. Escreve aos sábados no site da Folha.

 

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