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vanessa barbara
Futebol é piada?
"Quer dizer que o futebol na Olimpíada é uma piada? Não diga isso aos brasileiros", recomendava a manchete do "Evening Standard" no último dia 20.
Considerado um dos esportes menos interessantes dos Jogos, o futebol tem falhado em atrair público. Uma exceção foi o duelo de anteontem entre Brasil e Belarus, em Manchester, que reuniu 66 mil pessoas --a grande maioria, brasileiros.
O fracasso em agregar os fãs habituais da Olimpíada se deve, em parte, por não se tratar de um torneio entre as seleções principais, mas entre equipes sub-23 (ao menos na categoria masculina).
A presença de seleções obscuras como Belarus, Gabão e Honduras também não ajuda, bem como a localização dos estádios, em cidades como Glasgow e Newcastle --a centenas de quilômetros de Londres. Um espectador normal da Olimpíada dificilmente irá viajar duas horas para ver um jogo de futebol.
Na semana passada, com 1 milhão de ingressos ainda disponíveis, o comitê organizador decidiu reduzir a capacidade dos estádios, bloqueando áreas inteiras e tirando de circulação metade dos bilhetes.
No primeiro jogo da seleção, quinta-feira, contra o Egito, mais da metade do Millenium Stadium estava vazia. Foram vendidos 26 mil ingressos para um espaço que comporta 75 mil pessoas, a preços médios de 30 libras (95 reais).
"Não sei o que é mais estranho, se é isso ou o casal atrás da gente com a bandeira da Finlândia", comentou um brasileiro ao meu lado. Os patrícios compareceram em peso, ocupando as ruas de Cardiff e acenando para as câmeras. Alguém aproveitou para brandir um cartaz: "Mãe, aqui tá maravilhoso. Manda mais dinheiro".
Durante a partida, uma menina nas imediações falou sem parar em comida: "Queria tanto comer um hot-dog agora, com uma salsicha enorme", confessou. Dez minutos depois, perguntou ao namorado: "Sabe aquele sanduíche alemão que a gente comeu ontem?". Ele respondeu com um resmungo. "Queria tanto um desses agora", ela suspirou.
Mais tarde, porém, fez um comentário técnico: "Esse bandeirinha parece um caranguejo, correndo desse jeito na linha lateral".
Um dos destaques desses dois dias de futebol masculino foi o capitão egípcio Mohamed Aboutrika. Formado em filosofia e envolvido em questões políticas e humanitárias, o meia ficou conhecido em seu país após se recusar a ganhar um salário maior do que seu colega de equipe. Entre passes perfeitos, Aboutrika certamente pôde refletir sobre a condição humana, o niilismo da existência e a redondice da bola, confundindo o juiz nos lances mais polêmicos.
Todos os atletas querem ouro, só Aboutrika quer Platão.
Vanessa Barbara, jornalista, cronista e tradutora, assina coluna de crítica de TV. É autora de 'O Livro Amarelo do Terminal' (Ed. Cosac Naify, Prêmio Jabuti de Reportagem) e 'O Verão do Chibo' (Ed. Alfaguara, com Emilio Fraia). É editora de 'A Hortaliça' (www.hortifruti.org) e colaboradora da revista 'Piauí'. Escreve aos domingos.
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