Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire
Descrição de chapéu transição de governo

Governo de transição para Lula 3 deu passo maior do que a perna

Sem grupo econômico e político para montar PEC decente, há sururu na finança e no Congresso

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O "governo de transição" de Luiz Inácio Lula da Silva deu um passo maior que a perna ao propor, sem planejamento, um gasto extra de quase R$ 200 bilhões em 2023. É o que fica evidente a cada dia de negociação ou de confusão da "PEC da Transição".

Antes de jogar essa PEC no lago de tubarões do Congresso, teria sido prudente contar, ao menos, com um conselho econômico, um par de assessores especializados que fizesse as projeções básicas de quanto dá para gastar sem causar tumulto social e economicamente contraproducente.

Isto é, um conselho para encaixar a PEC nas linhas gerais de um programa fiscal, adequando tanto seu tamanho como indicando qual a diretriz geral para conter o endividamento. Nem precisava ser um ministro da Fazenda (embora ajudasse bastante) e, menos ainda, ter uma nova regra fiscal pronta, inviável agora.

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e seu vice, Geraldo Alckmin, acompanhados do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e do ex-ministro Aloizio Mercadante durante entrevista após reunião com o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Alexandre de Moraes - Pedro Ladeira - 9.nov.22/Folhapress

Não aconteceu nada disso, mesmo estando claro que seria preciso "governar" imediatamente após a eleição. Sim, esse imperativo que é uma aberração, de fato, mas é o que temos: risco de mais ruína se não se agir rápido.

Lula não convenceria muita gente no Congresso com esses números e planos. Mas poderia conquistar aliados, em vez de perder rápido tanta gente que se juntou a sua candidatura. Essa era a ideia da frente, da coalizão socioeconômica e, depois, partidária para dar força ao programa de reconstrução do país. Essa frente já perdeu vários dentes.

Além do "conselho econômico" (um grupo executivo de economistas), seria preciso ter articulação política mais arrumada. Vimos agora que isso também não havia.

A PEC causou sururu econômico. As taxas de juros na praça financeira deram um salto feio desde o "Lula Day", 10 de novembro, e continuaram a subir. Agora, o caldo entornou também da panela política. Houve remanejamentos no conselho e na equipe de negociadores políticos. Estão mudando meio de campo no meio da Copa.

Líderes parlamentares já disseram a Gleisi Hoffmann, presidente do PT, e a Geraldo Alckmin, vice-presidente eleito, que querem aprovar o mínimo: uma PEC com despesa menor e "licença para gastar" apenas em 2023, como já se escreveu nestas colunas.

Claro que muito ainda é negociável, mas Lula 3 vai ter de entregar mais poder no Congresso e cargos do Executivo a fim de garantir algo perto do que sonhava com a PEC —e sem garantias até de um Bolsa Família fora do teto por quatro anos. Esta, vamos lembrar sempre, é uma discussão que pode se tornar irrelevante, a depender da nova regra de controle de despesa, déficit e dívida.

Quando a gente diz e escreve essas coisas, leva pauladas à maneira de sempre. "Deixa o homem [Lula, agora] trabalhar". "O governo nem começou". "Tudo vai ser diferente, sem mercado [ou liberais, ou especuladores etc.] mandando".

Sim, o governo ainda pode fazer muito. Nós, que aqui estamos, assim esperamos. Pode também dar um tiro no pé ainda antes de começar e ficar mancando até 2026.

A situação muito feia na praça financeira (juros altos, dólar caro etc.) pode melhorar (ou piorar) rápido. Mal deixará cicatriz se houver ao menos diretriz de que a coisa vai funcionar. Isto é, que a dívida não vai subir sem limite.

A dívida subirá sem limite se houver déficits contínuos. Quer dizer: se é preciso pedir cada vez mais emprestado a fim de financiar o gasto, "social" ou outro, e a rolagem dos juros que não são pagos. Sobe ainda mais se os juros pedidos pelos credores ficam mais salgados, o que eleva ainda mais o tamanho relativo da dívida porque a economia não cresce.

Há quem diga que se pode ignorar os credores (ou tabelar juros ou nem pagar a dívida). É dar um tiro de bazuca no meio da testa.

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