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walter ceneviva

 

30/06/2012 - 03h00

Tratados, convenções e soberania

DE SÃO PAULO

Na atualidade as relações de países livres são sempre ligadas a compromissos internacionais, tratados e convenções. Nesse quadro se insere o Brasil, cujo primeiro fundamento constitucional é a soberania (art. 1º, inciso I), acoplado à não intervenção (art. 4º, IV). A norma constitucional afirma a preservação da exclusividade no decidir questões do interesse nacional e da cidadania brasileira. Em contrapartida se filia ao dever de não intervir em outras nações, salvo se solicitado pelas autoridades competentes.

Desse resumo, resulta o que cabe ao nosso país, em face do Paraguai, hoje envolvido numa crise de política interna caracterizada por ofensa ao direito de defesa do presidente deposto. A constitucionalidade da não intervenção foi invocada em mais de uma ocasião. Dois casos recentes foram examinados: primeiro o de Gaddafi, na Líbia, ora prestigiado pelas grandes potências, ora criticado, mas bem tratado pelas autoridades brasileiras.

Os eventos na Síria, que chegaram a atingir o Líbano, merecem atenção até em face das muitas famílias dessas áreas que, emigrando para cá, muito contribuíram para o desenvolvimento brasileiro. Serve de exemplo o vice-presidente da República, Michel Temer, cujos primeiros ancestrais, instalados desde a primeira metade do século 20 em Tietê, no Estado de São Paulo, para cá vieram saídos do antigo Império Otomano, depois desdobrado em várias partes. As origens da presidente Dilma Roussef e Michel Temer marcam dois lados do Bósforo.

Independente desses casos marcantes, o acolhimento dos imigran-tes e o respeito à soberania foi exemplar na nossa história do século passado, em face de todos os países, fracos ou fortes, ricos ou pobres. Na heterogeneidade de exemplos tão diversos, resulta que devemos, nesse campo, tratar igualmente os desiguais. A capital paulista tem quase o dobro dos habitantes da nação guarani; são 600 mil quilômetros quadrados paraguaios (mais ou menos uma vez e meia a superfície do Estado de São Paulo). Os índices mostram a ilegitimidade de intervenção do Brasil que crie obstáculo à vontade do povo vizinho, afrontando sua soberania. O fato de o Paraguai ser sócio da usina hidroelétrica de Itaipu não dá motivo para alterar nossa posição.

O Paraguai propicia configuração de outra espécie. O produto interno bruto do Estado de São Paulo é superior ao da nação guarani, o que evoca texto recente de Carlos Eduardo Lins da Silva nesta Folha, sobre as graves irregularidades do governo Nixon, nos Estados Unidos, acompanhadas em silêncio pelo Brasil, apesar do escândalo de Watergate, que terminou afastando, pela primeira vez, um presidente norte-americano, em país muito mais rico que o nosso.

Acompanhar à distância os fatos no Paraguai independe do fato de que o país vizinho é nosso sócio em Itaipu. O presidente Lugo, tido como impedido, sem a oportunidade de apresentar argumentos de sua defesa, foi eleito pelo povo. Sabe-se que nas relações internacionais, pensadas em termos do direito, não há lugar para poesia ou romantismo, mas nossa regra constitucional da não intervenção deve ser respeitada se quisermos ser respeitados. A não intervenção resume a regra do caminho correto.

walter ceneviva

Walter Ceneviva é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. Assina a coluna Letras Jurídicas, publicada em "Cotidiano" há quase 30 anos. Trata, com cuidado técnico, mas em linguagem acessível, de assuntos de interesse para a área do direito. Escreve aos sábados na versão impressa de "Cotidiano".

 

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