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walter ceneviva

 

11/08/2012 - 03h30

Nenhum Poder pode tudo

DE SÃO PAULO

Uma discussão paralela ao debate do mensalão refere-se aos poderes constitucionais do STF (Supremo Tribunal Federal), pois este será a instância final e definitiva no julgamento do processo. Compete-lhe "precipuamente, a guarda da Constituição...", nos termos do art. 102. Os verbos competir e guardar (este sob forma substantivada) são muito expressivos no afirmar tal capacitação ou poder.

A ciência jurídica avalia se a redação do art. 102 atribui ao STF a condição de intérprete exclusivo da constitucionalidade dos atos jurídicos, a ponto de prejudicar o equilíbrio constitucional. Não atribui. O papel dos três Poderes clássicos é situado pela Carta no mesmo nível (art. 2º). Ali se lê que os Poderes (com "P" maiúsculo) são "independentes e harmônicos entre si". Harmonia exclui sobreposição.

O leitor aí poderá ver uma contradição, pois o fato de o STF estar credenciado como guarda e intérprete maior da Carta Magna sugere que a esta só diz o que o Supremo diz que ela diz. Antes de ir à frente, lembre-se o leitor que só um número proporcionalmente pequeno dos processos judiciais chega à alta corte.

No começo dos tempos civilizados, a interpretação oposta seria cabível, pois a palavra do detentor, ou dos detentores do poder, era a lei. No princípio de nossa era, a evolução passou a submeter o soberano a certas restrições ou limites. Se não em face de todo o povo, ao menos diante à representação dos segmentos dominantes da sociedade (nobres, religiosos, militares e magistrados).

A lei escrita e o costume composto em todos os níveis sociais evoluíram até se tornarem obrigatórios para todos, orientados pela interpretação que lhes era dada nos tribunais. No curso dos anos variaram a concentração dos poderes e o comando de regiões distintas, mesmo naquelas que ainda não compunham nações, o que só veio a se generalizar no século 20.

Depois da Revolução Francesa e da Constituição dos Estados Unidos, a centralização imposta pelos poderosos oscilou entre a prática democrática (lei votada livremente por representantes do povo) e a ditatorial (corpos de tropas e seus satélites na sociedade), com forças integradas impondo a lei em proveito próprio. Direita e esquerda não escaparam desse defeito.

Vista a questão na história do Brasil atual, para que a lei não fira os interesses da maioria do povo é preciso que objetivos, preceitos, princípios e fundamentos do Estado brasileiro e da lei que os rege predominem sobre a literalidade da própria lei, orientando os aplicadores em sua adequada interpretação. Em outras palavras: a aplicação da norma escrita deve gerar equilibrado benefício para a integralidade da população. Assim há de ser, mesmo em se reconhecendo que a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, é sonho irrealizável em qualquer forma de governo.

Somente a compreensão e a aplicação dos princípios fundamentais permitirão mecanismos atualizados para o controle da conduta igualitária das pessoas e de suas entidades. É o caminho para assegurar melhora das condições gerais da aplicação da lei mediante adequadas contribuições de cada um dos Poderes em benefício da coletividade, livre de qualquer sobreposição entre Legislativo, Executivo e Judiciário.

walter ceneviva

Walter Ceneviva é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. Assina a coluna Letras Jurídicas, publicada em "Cotidiano" há quase 30 anos. Trata, com cuidado técnico, mas em linguagem acessível, de assuntos de interesse para a área do direito. Escreve aos sábados na versão impressa de "Cotidiano".

 

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