Descrição de chapéu

Blocosfera: Não me ofenderia ver alguém fantasiado de mim

Seria uma honra cruzar com uma ala de 'mães solteiras segurando três boletos' 

Gabriel Zanelatto, 23, fantasiado de diabo no bloco Boi Tolo, que desfilou no centro do Rio
Gabriel Zanelatto, 23, fantasiado no bloco Boi Tolo, que desfilou no centro do Rio neste domingo (11) - Eduardo Anizelli/ Folhapress
Marcella Franco
São Paulo

Soltaram a lista das fantasias proibidas neste 2018. Eu, que alguns anos atrás caminhava vestida de coelho da Duracell pelas ruas da cidade, com minha pilha gigante nas costas, fiquei preocupada que a família dos leporídeos esteja até hoje chateada comigo, porque me apropriei culturalmente dos costumes deles ao fazer uso de um rabo de algodão e bigodes cor de rosa.

De modo que, publicamente, peço perdão aos coelhinhos que possa ter ofendido então, bem como às espanholas que insultei involuntariamente quando vesti aquela saia de babados nas ladeiras de Olinda uma década atrás, ou mesmo todos os homens portugueses ou não que porventura aborreci ao colar um bigode no buço e dizer que me chamava Joaquim.

Foi tudo em nome da folia, e compreendo que, às vezes, com a cabeça cheia de adrenalina, purpurina e codeína (recomendo, potencializa o efeito do paracetamol), posso ter tomado atitudes precipitadas e ferido o código nacional de conduta carnavalesca. Desculpa, mil vezes desculpa.

Daí que, depois do mea culpa, passei a avaliar quais opções me restam, utilizando apenas o que há no meu armário, porque, depois que precisei queimar aquele cocar verdadeiro de trezentos temers que pretendia calçar no domingo, sob o risco de provocar a fúria nos pataxós caso fosse para o bloco com ele, me recuso a gastar dinheiro comprando novos adereços.

Será que zangarei os unicórnios se arriscar um chifre na cabeça? Tudo bem botar umas conchas nos peitos e fingir ser uma sereia, ou corro o risco de enfurecer Ariel e seus descendentes?

Ludmila Abramov, 26, durante o bloco de Carnaval Boi Tolo
Ludmila Abramov, 26, durante o bloco de Carnaval Boi Tolo, pelas ruas do centro do Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli/ Folhapress

Falando sério, parece que o problema está apenas em referenciar pessoas que de fato existem unicórnios e sereias estão nessa categoria, ao menos quando tomo a codeína, e que o ideal seria escolher plantas, diz a cartilha. Poxa, que ótimo, estava mesmo me perguntando quando poderia estrear minha fantasia de bonsai.

Posso estar enganada, mas acho que não me incomodaria em topar, no meio da multidão no largo da Batata, com foliões trajando costumes que fizessem menção a alguma das categorias nas quais me encaixo socialmente. Estou cuspindo para cima ao dizer, por exemplo, que tudo bem se alguém escolher a fantasia de mãe solteira segurando três boletos?

Duvido. Arrisco dizer, inclusive, que seria uma honra para minha pessoa. Imagina cruzar com uma ala inteira de amigos vestidos de nome sujo no Serasa? Pense na identificação imediata, a emoção de se ver retratada e homenageada não tem preço.

Portanto, vistam seus trajes de paciente de endometriose infiltrativa crônica, ou de mulher traumatizada na infância com reflexos até a vida adulta, a louca dos gatos, portadora de celulite grau três no culote, jornalista classe média que fecha o vidro no farol fechado.

Me glorifiquem, me condecorem, que o Carnaval é bem mais divertido para quem sabe ser leve e rir na frente do espelho.

Alix Duvernoy, 32, durante o bloco de Carnaval Boi Tolo, pelas ruas do centro do Rio de Janeiro
Alix Duvernoy, 32, durante o bloco de Carnaval Boi Tolo, pelas ruas do centro do Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli/ Folhapress

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