Descrição de chapéu tragédia dos sem-teto

Centro de SP é repovoado aos poucos, mas patina em ações de revitalização

Região tem oferta de transportes e cultura e lançamentos imobiliários

Prédio do antigo Mappin, diante do Theatro Municipal, inaugurado em 1913 e hoje parcialmente vazio
Prédio do antigo Mappin, diante do Theatro Municipal, inaugurado em 1913 e hoje parcialmente vazio - Eduardo Anizelli/ Folhapress
Angela Pinho
São Paulo

Com a maior rede de transportes e equipamentos culturais da cidade, o centro de São Paulo vem sendo aos poucos repovoado e ganha novos estabelecimentos comerciais e gastronômicos. Ao mesmo tempo, contudo, ainda sofre com projetos inconclusos de revitalização.

De 2001 a 2017, a população do coração da cidade, nos distritos Sé e República, cresceu 27%, enquanto no resto da cidade o índice foi de 12%.

Segundo dados compilados pelo Secovi-SP (sindicato das construtoras), quase 10 mil novas unidades habitacionais foram lançadas no período, a grande maioria nos últimos sete anos.

Considerando-se a modesta estimativa de dois ocupantes por unidade, são 20 mil pessoas a mais em uma área que nos anos 1990 chegou a viver um processo de esvaziamento.

Por outro lado, a região sofre com falhas de zeladoria, como limpeza, moradias precárias, prédios antigos ociosos e pessoas desabrigadas.

Parte dos problemas ficou evidente com o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no largo do Paissandu, no último dia 1º de maio. 

Segundo a Prefeitura de São Paulo, o centro da cidade tem cerca de 70 edifícios com ocupações irregulares. A região tem também em torno de metade do número de moradores de rua de São Paulo, de acordo com censo dessa população feito pelo município em 2015. Frequentadores afirmam que, com a crise econômica, o contingente aumentou nos anos seguintes.

Os problemas acontecem em meio ao engavetamento de projetos e intenções divulgados por diversas gestões da prefeitura para a região.

A lista inclui o plano encomendado por Jânio Quadros a Oscar Niemeyer nos anos 1980, nunca concretizado; o projeto da Nova Luz das gestões José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (PSD), de 2005 a 2012, engavetado por Fernando Haddad (PT); e o plano de reformulação do Vale do Anhangabaú elaborado na gestão do prefeito petista.

Mais recentemente, no final do ano passado, João Doria (PSDB) recebeu um plano do premiado arquiteto Jaime Lerner, mas saiu do cargo seis meses depois para disputar o governo do estado, e não houve ações concretas para tirar as medidas do papel.

O violinista da Osesp (Orquestra Sinfônica de SP) Paulo Paschoal, 42, foi um dos que acreditou nos projetos de revitalização do centro. Por volta de 2010, comprou três apartamentos. A ideia, conta o músico, era alugar dois e usar o outro como base.

Um dos imóveis foi locado, outro ficou vago, e Paulo resolveu se desfazer dele por 20% a menos do que pagara. O pior, porém, foi o que aconteceu com o terceiro, diz ele. “Entraram e roubaram o meu violino do século 18. Voltei a morar na Vila Olímpia e uso lá só eventualmente, como um retiro”, afirma ele, que ainda assim se proclama um entusiasta da região.

HABITAÇÃO SOCIAL

Para a urbanista Simone Gatti, falta um projeto urbanístico unificado para a região central de São Paulo, que integre diferentes medidas.

“O que vem sendo feito são iniciativas isoladas de requalificação do espaço público”, afirma ela, integrante da Comissão Executiva da Operação Urbana Centro, da prefeitura, como representante do IAB-SP (seção paulista do Instituto dos Arquitetos do Brasil).

Entre essas ações que foram postas em prática recentemente, ela cita por exemplo a praça das Artes, inaugurada em 2012, e o projeto Centro Aberto, iniciado em 2014, que consistiu na instalação de estruturas como deques com wi-fi em diferentes pontos do centro, a exemplo do próprio largo do Paissandu.

Entre as mudanças mais antigas, o urbanista e professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Kazuo Nakano elenca como positiva a mudança de diversos órgãos públicos, inclusive a própria sede da prefeitura, para o coração da cidade, desde a última década.

“Com isso, veio uma leva de trabalhadores de classe média que impulsionou a abertura de diversos cafés, restaurantes e lojas”, afirma.

Vice-presidente da associação Viva o Centro, Marco Antonio Ramos de Almeida menciona ainda que hoje a presença do comércio irregular é menor em relação ao que ocorria durante o fim dos anos 1990. “Agora, por outro lado, é preciso mais atenção com ações de cuidado, como limpeza”, afirma.

Ainda que existam ações positivas, tanto Gatti como Nakano afirmam que, enquanto não se enfrentar de verdade a questão habitacional, não será possível solucionar os problemas do centro.

Embora lançamentos imobiliários ganhem impulso, devido à operação urbana que torna mais barato construir na região do que em outras áreas, os novos apartamentos erguidos não atendem a população mais pobre, que termina por se arriscar na rua ou em habitações precárias.

Nos distritos Sé e República, o número de pessoas em situação de pobreza (renda de até um quarto do salário mínimo) mais que dobrou, de acordo com dados da prefeitura.

Por outro lado, segundo o levantamento elaborado pelo Secovi, o preço médio dos lançamentos imobiliários no centro no ano passado (dados mais recentes) era de R$ 8.212 por metro quadrado —uma unidade de 40 m², por exemplo, em regra não sai por menos de R$ 300 mil.

Para a representante do IAB-SP, atender uma faixa de renda menor é essencial e demandaria que o poder público reforçasse mecanismos como negociações com os proprietários para uso de imóveis vazios e a notificação deles para aplicação do IPTU progressivo, como está previsto em lei.

Outra necessidade é a discussão de regras específicas para a reformulação de imóveis antigos, defende Celso Petrucci, economista-chefe do Secovi. Exigências da legislação atual, como o tamanho do espaço da escada, por exemplo, dificultam ou tornam mais custosa a adaptação dos imóveis.

Enquanto não há uma política de revitalização ou de reformas em larga escala, a região continua a atrair os apaixonados pela arquitetura, infraestrutura e público diversificado que, mesmo com problemas, faz os mais aficionados lembrarem até mesmo países de primeiro mundo.

“Moro no centro por minhas origens”, diz o chef e empresário francês Olivier Anquier, que também tem dois estabelecimentos na região. “Ser parisiense é ser profundamente urbano, é sentir-se enriquecido pela diversidade e gostar de estar na alma da cidade. E isso, em São Paulo, eu só encontrei no centro.”

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