O serviço funerário da cidade de São Paulo acumula irregularidades que vão de descuido com ossos exumados à contratação de limusine que não é usada a maioria do tempo, segundo investigações da CGM (Controladoria Geral do Município).
Cinco investigações da CGM analisadas pela Folha indicam desperdício de valores milionários no serviço, que a gestão Bruno Covas (PSDB) espera privatizar, em um processo que se arrasta desde 2017.
A prefeitura afirma que, após os apontamentos do órgão de fiscalização, providências foram tomadas para corrigir os problemas encontrados.
A reportagem se debruçou sobre todos os relatórios da Controladoria (órgão que fiscaliza a prefeitura) feitos desde 2017. Uma apuração sobre serviço de traslado funerário 24 horas, por exemplo, mostra desperdício de dinheiro público com a locação de limusines.
O contrato prevê quase 40 veículos para o traslado de cadáveres, sendo três deles de luxo. Nos 17 meses analisados em 2017 e 2018, três limusines consumiram R$ 1,3 milhão dos cofres municipais, mas a demanda foi inexpressiva. Quando os veículos de luxo foram reduzidos a um, ele foi usado, em média, cinco vezes por mês.
A mesma investigação verificou que o serviço alugou veículos com motorista, apesar de terem funcionários de carreira que deveriam fazer esta função.
O contrato de 30 meses totalizava R$ 24 milhões .“Se a autarquia tivesse contratado somente os veículos, a economia gerada aos cofres públicos representaria R$ 16,8 milhões”, diz a auditoria.
Esse contrato foi assinado em 2016, ainda na gestão de Fernando Haddad (PT), e prorrogado pela atual gestão, iniciada em 2017 com João Doria, que depois deixou a prefeitura para concorrer ao governo do estado.
Vistorias em seis cemitérios flagraram montanhas de ossos de exumação —realizado alguns anos após o enterro— sem identificação adequada. No cemitério da Vila Formosa (zona leste), a auditoria encontrou "incontáveis embalagens plásticas contendo ossos, sendo que estavam identificadas somente com inscrições feitas à mão nos próprios sacos, sem qualquer etiqueta de identificação".
A apuração também constatou falta de segurança, o que acarreta "recorrentes furtos e roubos, principalmente das placas e portões de bronze que adornam os jazigos".
Desde o início da atual gestão, foram publicados cinco relatórios relacionados a problemas no serviço funerário. O primeiro, há dois anos, apontou falhas na competitividade entre os fornecedores de flores, relacionadas a contrato feito na gestão anterior.
Em pregão em 2017 para a compra de urnas funerárias, a Controladoria detectou problemas na pesquisa de preços, que em alguns dos lotes incluiu menos de três fornecedores, contrariando a regra.
A aposta do governo é fazer a concessão à iniciativa privada dos 22 cemitérios públicos e do crematório da capital.
No entanto, o controle dos cargos do serviço funerário é cobiçado por aliados, o que gerou oposição ao plano dentro da prefeitura e levou a gestão a protelar o envio do projeto à Câmara para não desagradar o PRB, que temia a redução de sua influência no setor.
Com a mudança, a administração tucana prevê a introdução soluções como monitoramento online por sistema de código de barras do corpo até o sepultamento e acompanhamento virtual de velórios. Vendas de planos funerários também são previstas.
A concessão deve injetar R$ 991 milhões nos cofres municipais, de acordo com estudos. Apesar de os documentos estarem na fase final de elaboração, não há, porém, previsão para a ideia sair do papel.
OUTRO LADO
A gestão Covas afirmou que aguarda autorização legislativa para lançar o edital de concessão do sistema.
O serviço funerário afirma que “intervenções [foram] prontamente efetuadas” após os apontamentos, e que as limusines citadas no relatório constavam no edital de 2016.
"Ao ser constatado que não havia a necessidade de três veículos tipo luxo, pois por si só a demanda desse tipo de seguimento não comportava a quantidade existente, foi feita a supressão dois veículos para que reduzisse o custo do valor contratual", declarou em nota na qual informa a CGM sobre processo disciplinar em curso para verificar se houve má gestão contratual no caso.
A respeito da contratação de veículos com motoristas, o serviço alegou à Controladoria que faltam funcionários, pois há alto índice de aposentadorias, readaptações, licenças médicas e servidores com a pontuação em suas CNHs em torno de 45%.
Sobre o descuido com os ossos, foi informado que os ossários estão com capacidade esgotada. O serviço alega usar etiquetas de poliestireno para a identificação.
Admitiu, porém, que problemas de segurança desafiam o serviço funerário há anos.
A gestão Covas enviou à reportagem relatório em que o superintendente do serviço, Thiago Dias, cita a redução do desperdício e a realização de sindicâncias e intervenções, além de um aumento na arrecadação. Dias é uma indicação política do PRB.
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