Artista plástico cria parques em cemitérios de São Paulo

Exposição de Pazé propõe áreas verdes em lugares como Araçá, Vila Nova Cachoeirinha, Vila Formosa e Vila Alpina

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Vista de lago similar ao Jardim Botânico que, de acordo com projeto do artista plástico Pazé, seria instalado nos cemitérios

Vista de lago similar ao Jardim Botânico que, de acordo com projeto do artista plástico Pazé, seria instalado no cemitério do Araçá Pazé/Reprodução

São Paulo

Imagine um domingo preguiçoso como este. Da avenida Paulista, fechada para os carros, pedestres rumam dois quarteirões pela Doutor Arnaldo.

Das estações Clínicas e Sumaré do metrô, outros tantos se juntam ao fluxo. O destino é o mesmo: o cemitério do Araçá.

Ali, os túmulos de Assis Chateaubriand, Cacilda Becker, Nair Bello e Primo Carbonari, entre outros conhecidos ou anônimos para a maioria, são apenas uma parte do terreno da atual necrópole. 

Por trás deles, 112.700 m² de área verde com lago, árvores nativas da flora brasileira, quadras, viveiro de pássaros, área de convívio e restaurante se oferecem como parque bem no coração de uma das áreas mais nobres da cidade. 

Nenhum desses elementos, no entanto, exclui a função original do local. Os túmulos que deram lugar ao parque, foram reposicionados em dois edifícios de seis andares, menores do que a média das árvores adultas de espécies nativas brasileiras plantadas ao lado.  

Com pilotis e brises de metal na fachada, que dispensam o uso de vidro, é lá também o espaço reservado para os futuros moradores do Araçá. Em formato retangular, um átrio é reservado para os velórios.

Vista de parque infantil em projeto de cemitério/parque
Vista de parque infantil em projeto de cemitério/parque - Pazé/Reprodução

O cemitério vertical foi também uma escolha para evitar a contaminação do solo e do lençol freático da região. Ainda que separados no projeto arquitetônico, vida e morte dividem o mesmo espaço harmoniosamente.

Isso não é exclusividade dessa região de São Paulo. Outros três parques mudaram a cara de cemitérios paulistanos: Vila Nova Cachoeirinha, com 247.280 m², na zona norte, São Pedro, conhecido como Vila Alpina, com 346.000 m², e Vila Formosa, com 600.900 m², na zona leste.

Ao todo são mais de 1,3 milhão de m² de área verde. Os quatro parques paulistanos têm estrutura modular, com elementos que se repetem e podem ser dispostos de forma diferente.

Tamanha ousadia —em desafiar o concreto e o asfalto da maior cidade do Brasil—, no entanto, ocupa por ora área bem menor: o subsolo do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), no centro, na forma de arte. A mostra, batizada de “Jardins do Tempo” é resultado de extensa pesquisa do artista plástico Pazé, Paulo José Keffer Franco Netto, 57, em transformar espaços públicos de São Paulo em áreas verdes. 

Foram oito anos de estudos, diz Pazé, para chegar ao resultado exposto em 110 trabalhos inéditos a partir de desenhos a lápis, croquis, nanquim, aquarelas, plantas e desenhos arquitetônicos, fotografias, além de um vídeo com cerca de 20 minutos de duração, com imagens em 3D.

Apesar de ser uma proposta artística, é plenamente viável como projeto urbanístico para São Paulo. A ideia para tudo isso nasceu, explica o artista, nos anos em que, adolescente, ia de ônibus para a escola e passava ao lado do cemitério São Paulo, na Cardeal Arcoverde, na zona oeste de São Paulo. 

“Dava para ver por sobre o muro e ficava imaginando que aquele lugar poderia ter muitos outros usos”, afirma. “É algo que venho pensando há muitos anos.” A inspiração para o projeto, no entanto, está em outro lugar.

O lago desenhado por Pazé para o projeto, por exemplo, tem o mesmo formato do lago do Jardim Botânico. A diferença fica por conta de um sistema de captação de água da chuva e uma pequena estação de tratamento que pode ajudar no fornecimento para a região.

A ideia é que os parques sejam pequenos jardins botânicos, reunindo espécies nativas, e que isso atraia a atenção de alunos e professores. Por isso, para cada um dos cemitérios/parques uma sala de aula multifuncional foi projetada.

“Pode ser para aulas de botânica, mas também pode servir para qualquer escola que queira trazer seus alunos para ter uma aula em área verde”, afirma o artista.

Se nos bairros vizinhos, Pinheiros, Pacaembu, Cerqueira César e Higienópolis, o impacto do novo Araçá já seria grande, na zona leste seria ainda maior, explica Pazé.

“Ao redor do Vila Formosa são 150 km ² sem área verde”, diz. Mas, será que os moradores da cidade se acostumariam a frequentar um parque/cemitério? Para o artista, sim. Ele lembra que uso semelhante em cemitérios já ocorre em cidades europeias como Berlim, e, no caso paulistano, além de haver uma separação entre as áreas reservadas para os sepultamentos, com entradas diferentes, nada mais no projeto faz lembrar a morte. 

A exceção seria no Araçá, onde os jazigos com valor artístico ou histórico seriam preservados numa extensa área da parte superior do terreno em declive. Nada se perderia. “Tento trazer o tema de forma delicada”, afirma.

A pesquisa de Pazé passou também por questões práticas como de que forma remover as sepulturas e possíveis descontaminações que poderiam ser necessárias em qualquer um dos quatro pontos da cidade.

Segundo ele, em um período de até dois anos, toda área desses cemitérios poderia estar pronta para ser utilizada para atividades de lazer sem nenhum tipo de perigo para a saúde. 

Entre a arte e a materialização do projeto podem ser necessários anos de maturação e discussões. O primeiro passo já foi dado. O seguinte será envolver a comunidade. Pazé tem a ideia de convidar associações de moradores dos bairros próximos aos cemitérios e apresentar sua ideia.

“Sem a sociedade civil isso não tem como acontecer”, afirma o artista plástico.  Se o convite chegar, o presidente do conselho deliberativo da Associação Viva Pacaembu, Rodrigo Mauro, 38, diz que será interessante conhecer e discutir um projeto para o Araçá.

​Outros membros da associação já visitaram a exposição e gostaram do que viram. “Poderia ser uma saída para o local que sofre com o vandalismo”, afirma.

“Temos o privilégio de morar em um bairro que tem mais verde do que muitos outros, mas São Paulo precisa de ainda mais.”

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