Programa que ensina pais a controlar emoções reduz problemas de comportamento infantil

Implementado no Brasil pela USP, treinamento tem sido adotado como política pública devido aos bons resultados

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São Paulo

Um programa de orientação parental criado nos Estados Unidos e adaptado para o Brasil por pesquisadoras da USP de Ribeirão Preto reduziu à metade a fatia de crianças com problemas comportamentais, cujas mães participaram do treinamento.

A metodologia e os resultados da avaliação têm sido bem recebidos pela comunidade acadêmica internacional e por formuladores de políticas públicas no Brasil.

O estudo que analisou a efetividade do programa em Ribeirão Preto, chamado ACT, foi publicado pela Child Development, uma das principais revistas científicas de desenvolvimento infantil.

Como noticiado pela Folha, o mesmo periódico divulgou, também há pouco, um trabalho que comprovou o impacto negativo das palmadas sobre a forma como o cérebro reage a ameaças.

Atitudes como palmadas e gritos são justamente alguns dos comportamentos com impacto negativo sobre o desenvolvimento infantil que tendem a ser moderados após a participação no ACT, como mostram as psicólogas Elisa Altafim e Maria Beatriz Linhares, ambas da USP de Ribeirão Preto, e Dana McCoy, da Universidade Harvard.

Mães participam de programa da USP de orientação sobre infância, em Ribeirão Preto (SP) - Divulgação

“A palmada é um abuso físico acompanhado por um abuso psicológico. Ela causa ou acentua a desregulação emocional da criança e acaba aumentando a raiva dos próprios pais”, diz Linhares, professora do centro de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina.

A análise das pesquisadoras revela que a maior regulação emocional das mães – incluindo a capacidade de controlar a raiva e acalmar-se em momentos de estresse – foi o mecanismo que causou uma significativa melhora no comportamento dos filhos.

Esse impacto foi notado tanto nos casos de internalização de sentimentos, como tristeza e introspecção, quanto nos de externalização, como birras exageradas e hiperatividade. A parcela de crianças com esse tipo de problemas, cujas mães participaram do ACT, caiu de 49% para 26% do total.

Um achado importante –e inédito entre os estudos já feitos sobre o programa– foi o fato de que a queda nos desvios de comportamento infantil foi mais significativa entre as crianças com problemas mais severos.

Entre as crianças cujas mães estavam na fila de espera do ACT, mas que também foram avaliadas (o grupo controle), a parcela com problemas comportamentais subiu de 52% para 56% no período da avaliação.

Embora o ACT seja aberto aos principais cuidadores, no experimento analisado em Ribeirão Preto, entre 2013 e 2016, ele incluiu apenas mães.

No total, 97 delas integraram o grupo tratamento – que recebeu o treinamento – e 46 formaram o conjunto de controle. Em ambos os casos, a idade dos filhos variou de três a oito anos e a renda familiar média mensal foi de R$ 2.700. Entre as mães, 66% se declararam brancas, 24% pardas, 9% pretas e 2% amarelas. Sua escolaridade média era de 12,45 anos de estudo.

Para que os resultados em experimentos desse tipo sejam comparáveis, as duas amostras analisadas precisam ter características comparáveis. A publicação posterior do estudo em revistas científicas reputadas indica que que esses critérios foram seguidos com rigor e que os resultados foram considerados relevantes.

No caso do trabalho sobre o ACT, além desse respaldo acadêmico, o programa – que é apoiado pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV) – tem sido bem recebido por gestores públicos.

Depois de testá-lo e aferir resultados positivos, a prefeitura de Pelotas (RS) o adotou como política pública no fim de 2019.

O mesmo ocorrerá no Ceará, onde o ACT será implementado em 24 municípios com foco em famílias de baixa renda, incluindo tanto pais quanto mães na formação, no âmbito de um projeto maior voltado à primeira infância.

“Esperamos que isso contribua para a redução da violência infantil. A fala ‘é falta de apanhar’ é muito validada culturalmente no Ceará”, diz Linhares, que também integra o Comitê Científico do Núcleo de Ciência pela Infância (NCPI).

Ela acrescenta que, embora refutada pela ciência, a crença na efetividade da punição física é comum no país e em outras nações. A pesquisadora ressalta que a violência doméstica, incluindo a infantil, tem aumentado na esteira do isolamento imposto pela Covid-19.

Especialistas dizem que nunca é tarde para que as famílias ajustem seu comportamento.

“O primeiro passo é tomarem consciência sobre os efeitos negativos de certas práticas parentais e os positivos de outras”, diz Linhares.

O ACT é estruturado em oito sessões de duas horas cada, em que profissionais –psicólogos, pedagogos ou assistentes sociais com treinamento específico para ministrar a formação– transmitem conhecimentos diversos aos cuidadores.

Elisa Altafim, responsável com Linhares pela implementação do programa no Brasil, diz que o responsável que frequenta o treinamento é estimulado a dividir o que aprendeu com os outros cuidadores das crianças e com sua comunidade.

O ACT inclui uma parte teórica, em que os participantes aprendem sobre o desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças.

“Certos comportamentos, como birras, às vezes vistos como afrontas são, na verdade, típicos de certas faixas etárias”, diz Altafim, que é também consultora da FMCSV.

Segundo ela, além de informações sobre o desenvolvimento cerebral das crianças, os participantes também são instruídos sobre o processo de regulação emocional de adultos:

“Muitas vezes, os pais não sabem que por trás da raiva que sentem diante de certos comportamentos, como a birra, podem estar outros sentimentos como vergonha ou frustração.”

A maior compreensão sobre os processos cerebrais das crianças e de si próprios tende a vir à tona em situações futuras de estresse, ajudando os pais a controlarem melhor suas emoções e impulsos.

O ACT também ensina os pais como melhorar sua comunicação com os filhos, ressaltando, por exemplo, a importância de que expliquem o significado de certas emoções.

Atitudes como “dar um tempo para que ambos –filhos e pai ou mãe– se acalmem” ensinam as crianças sobre o regulamento de emoções e as consequências de seus atos.

Conceitos e práticas da chamada disciplina positiva, como elogiar a criança quando ela tem um comportamento adequado, são também transmitidos.

“Temos sonhos para nossos filhos e queremos que sejam felizes, mas nem sempre sabemos como apoiá-los nisso da melhor forma”, diz a escrevente Ana Claudia Prado Messias, 42.

Mãe de Pedro, 5, ela diz que a participação no ACT em 2020 – quando o treinamento ocorreu virtualmente – a ajudou a encontrar caminhos para apoiar o desenvolvimento do filho.

“Passei a ouvi-lo mais para tentar entender quando qual é o real problema quando há um.”

Altafim explica que, por ser um programa de prevenção, o ACT não se restringe a famílias que percebam problemas de comportamento em seus filhos. A avaliação das crianças é feita tanto pelo cuidador que participa do programa quanto por outro que tenha proximidade com a criança.

Ambos respondem a perguntas específicas de um formulário usado internacionalmente no início, no fim e meses após a conclusão do treinamento.

Os participantes também fazem uma autoavaliação que busca mensurar sua regulação emocional (se gritam ou batem nos filhos, por exemplo, e com que frequência), sua forma de comunicação (como o uso de xingamentos e a clareza nas conversas) e seu uso de disciplina positiva (que inclui elogios à criança quando se comporta adequadamente).

Após o programa, a parcela de mães com capacidade de ajuste das emoções acima da média passou, por exemplo, de 53% para 91% no grupo controle. Houve melhoras significativas também nas outras posturas avaliadas.

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