Descrição de chapéu Rio de Janeiro chuva

Risco em Petrópolis passou de moderado a muito alto em menos de duas horas; veja cronologia da tragédia

Apesar de ter plano de contingência, a cidade viveu situação que, segundo especialista, era impossível prever com precisão

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo e Petrópolis (RJ)

Com a tempestade em Petrópolis, na terça (15), 105 mm de chuva caíram sobre a cidade em uma hora. Os níveis dos alarmes de risco subiram de moderado a muito alto em menos de duas horas.

As defesas civis do Rio de Janeiro e de Petrópolis dizem ter recebido os alertas de risco moderado, alto e muito alto em momentos distintos. O intervalo entre moderado e muito alto no caso da Defesa Civil do Rio foi de apenas 76 minutos. Já as informações enviadas pela Defesa Civil de Petrópolis à reportagem indicam que o salto entre as mudanças de status foi de 95 minutos.

Às 12h26, a Defesa Civil do Rio de Janeiro emitiu um informativo em que indicava chuva forte para a região serrana. Às 15h, o Corpo de Bombeiros recebia o primeiro chamado de ocorrência relacionado à chuva.

Às 17h05 o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) emitia um alerta recomendando "verificação in loco, nas áreas de risco, acionamento de sistema de sirenes, possibilidade de desocupação das áreas de risco, deslocamento das equipes de resposta para as proximidades das áreas de risco". Ao mesmo tempo, a Defesa Civil de Petrópolis atendia ocorrências de deslizamentos de terra.

Antes desta tragédia provocada pela chuva —a pior desde o início das medições em Petrópolis há 90 anos—, a cidade, cheia de encostas ocupadas, havia enfrentado outras.

Moradores retiram seus pertences pessoais no meio da destruição provocada pela chuva no bairro Caxambu, em Petrópolis
Moradores retiram seus pertences pessoais no meio da destruição provocada pela chuva no bairro Caxambu, em Petrópolis - Eduardo Anizelli/Folhapress

Apesar de Petrópolis ter um plano de contingência detalhado pronto, as informações corroboram o que especialistas e autoridades têm dito sobre o caráter imprevisível da tragédia.

Marcelo Seluchi, meteorologista e coordenador-geral de operações e modelagem do Cemaden, afirma que a velocidade de alteração dos alertas foi tamanha que a situação "entrou na esfera do imponderável".

O diretor do Cenad (Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres), Armin Braun, disse à Folha que um bom plano de contingência requer ações de alerta à população (SMS, sirenes ou mobilização de agentes para avisar pessoalmente as pessoas em áreas de risco), medidas definidas e explicadas sobre o que a população que vive em áreas de risco deve fazer e quais atividades cada órgão, entidade ou instituição deve assumir.

​Braun afirma ser essencial que as pessoas saibam exatamente o que fazer, para onde ir e como chegar a esses locais em caso de desastres. "Alguns planos são muito locais, específicos para determinadas comunidades. Como esse plano [de Petrópolis] é bem local, ele precisa ter sim pontos de apoio, pontos de encontro e rotas de fuga [até os pontos de apoio]."

O Plano de Contingência de Petrópolis para Chuvas Intensas do verão de 2021 e 2022 lista pontos de apoio fixos e rotas de fuga. Também detalha onde estão as sirenes e como chegar até elas.

Cada local onde há uma sirene conta com descrições detalhadas com fotos e mapas a partir das ruas do seu entorno. (Acesse aqui)

Há em Petrópolis 96 setores de risco em 19 regiões, cobertas por 18 sirenes espalhadas por 4 bairros.

Entre 1991 e 2010, a cidade enfrentou 28 desastres, divididos em deslizamentos (17) e inundações de variadas intensidades (11). Ainda de acordo com o plano, as principais áreas de risco de Petrópolis são estas: Quitandinha, Bingen, Posse, Itaipava, Pedro do Rio, Corrêas e Nogueira.

A ativação do plano de contingência

O plano de contingência é acionado no momento em que é constatado um número de ocorrências superior ao que o governo e as autoridades podem dar conta simultaneamente.

Quando o plano é acionado após os alertas de risco enviados pelo Cemaden e pelo Cenad, o acompanhamento das chuvas e movimentações de massa é intensificado.

Quando se atinge o estado de atenção —que varia a cada situação porque leva em conta o histórico das áreas de risco e se há previsão de chuva contínua pelas próximas horas—, é emitido o primeiro alerta de chuvas fortes por SMS à população, podendo ou não levar ao acionamento das sirenes. Se as sirenes forem ativadas, está configurado o primeiro toque.

Diante do primeiro toque das sirenes, a população deve se preparar imediatamente para sair de casa a qualquer minuto, ou seja, recolher apenas documentos de identidade, remédios controlados e, em casos nos quais há bebês, fraldas, mamadeiras e mudas de roupa. (Acesse a cartilha)

Se o monitoramento constatar que o risco de chuva forte se mantém pelas próximas horas, chega-se ao estágio de alerta. Neste caso, ocorre o segundo toque e a regra é deixar a área de risco imediatamente com a roupa do corpo e, se possível —apenas se possível—, com os documentos e remédios controlados.

A partir de então, deve-se seguir as rotas de fuga de acordo com a região em que se vive e ir para o ponto de apoio mais próximo (acesse a lista). Simultaneamente, equipes da Defesa Civil se deslocam para as áreas críticas para ativar os pontos de apoio e receber a população.

Se após 24 horas não houver condições para desmobilizar um ponto de apoio (interrupção das chuvas por seis horas), o ponto de apoio passa ao status de abrigo.

Armin Braun afirma que as equipes da Defesa Civil de Petrópolis são boas e preparadas, mas que falta à gestão municipal organizar melhor os órgãos e entidades do governo para agilizar o tempo de resposta e, mais do que isso, prevenir desastres.

Para Fernando Nogueira, professor e coordenador do Laboratório de Gestão de Riscos da Universidade Federal do ABC, a melhor coisa que se pode fazer é usar o período com menos chuvas para se preparar e se prevenir contra eventos climáticos extremos.

Nogueira afirma que os alertas emitidos pelo Cemaden ficam restritos a atores como Defesa Civil. "Ela deveria ser replicada para a população. Como é possível ter uma informação [de risco] e não repassar?".

Para ele, a população tem dificuldade de confiar nos agentes públicos porque a sua relação com eles é de "polícia fiscalizatória, agente controlador das ocupações". "A política não tem o que é fundamental: ser o agente público qualificador da segurança dos cidadãos. Os atores da gestão de risco, quando aparecem, é para remover as pessoas. Não é amigável."

Veja minuto a minuto como aconteceu no dia 15 de fevereiro

  • 9h43

    Defesa Civil do RJ diz ter enviado para todo o estado SMS indicando previsão de chuva intensa

  • 12h26

    Defesa Civil do RJ diz ter emitido informativo indicando chuva forte para a região serrana 1, onde fica Petrópolis, incluindo recomendação para que a prefeitura de Petrópolis enviasse SMS à população

  • 15h

    Corpo de Bombeiros diz ter recebido primeiro chamado

  • 15h45

    Defesa Civil de Petrópolis diz que sirenes foram acionadas em seis comunidades, entre elas a de Veiga Felipe

  • 16h16

    Defesa Civil do RJ diz ter emitido aviso de Risco Geológico moderado para Petrópolis, ou seja, risco moderado de deslizamentos

  • 16h17

    Defesa Civil de Petrópolis diz ter interrompido trânsito na rua Coronel Veiga

  • 16h33

    Defesa Civil do RJ diz ter emitido aviso de alto risco de alagamentos, inundações e elevação do nível de rios

  • 16h49

    Defesa Civil do RJ diz ter emitido aviso de risco alto de risco geológico (deslizamento, escorregamento). Também diz ter recomendado que a Defesa Civil de Petrópolis acionasse sirenes

  • 17h05

    Cenad recomenda que Defesa Civil de Petrópolis evacue áreas de risco devido à “probabilidade muito alta de ocorrência (...) com potencial para causar grande impacto na população”

  • 17h08

    Defesa Civil de Petrópolis diz ter recebido do Cemaden um alerta de risco moderado de deslizamento

  • 17h32

    A Defesa Civil do Rio diz ter emitido aviso de risco de deslizamento muito alto nas regiões de risco de Petrópolis

  • 17h39

    A Defesa Civil de Petrópolis diz ter recebido do Cemaden um alerta de risco alto de deslizamento

  • 17h46

    É emitido um último aviso de risco de alagamento, inundações e elevação do nível de rios classificado como muito alto. Nesse tipo de aviso se esperam elevação expressiva dos cursos d’água, enxurradas, enchentes e inundações na cidade

  • 18h

    Pelo menos 12 ocorrências relacionadas à chuva foram confirmadas pela Defesa Civil e divulgadas em boletim

  • 18h43

    Defesa Civil de Petrópolis recebe do Cemaden alerta de risco muito alto de deslizamento em áreas de risco da cidade e recomendação para avaliar possibilidade de evacuação

  • 19h12

    Status operacional evolui e é instalado o estágio de crise. Pelo menos 49 ocorrências já haviam sido registradas

Outros sistemas de contingência

Assim como em Petrópolis, sistemas de alerta com uso de mensagens pelo celular e alarme sonoro são usados em outros países. O aviso sonoro nem mesmo precisa vir por meio de sirenes. Os moradores de Etanwala, uma vila no Sri Lanka, usam o sino de um templo para avisar sobre momentos de risco, segundo um estudo de 2019.

Segundo Seluchi, as sirenes são úteis para áreas montanhosas e usadas, por exemplo, com mensagens encaminhadas via celular, como no Japão, um dos melhores exemplos de preparação e adaptação para situações de desastre. O país asiático é montanhoso e densamente povoado, ou seja, tem parte da população exposta a diversos perigos.

Apesar da semelhança de instrumentos para aviso dos riscos, há diferenças na atuação no momento de necessidade, diz Seluchi.

No Brasil, há, em teoria, uma atuação mais forte das Defesas Civis em horas de crise, buscando ativamente a população em risco. No Japão, a população ganha mais protagonismo e autonomia nesses momentos, sendo a responsável pela ida a locais seguros, afirma o especialista do Cemaden.

Ele conta que, muitas vezes, quando a Defesa Civil tenta retirar moradores de locais de risco, eles se recusam a sair, entre outras razões por medo de que suas casas sejam saqueadas.

Em Petrópolis, os relatos de medo de abandonar a casa estão presentes. Abrigada na igreja Santo Antônio após ter tido sua casa na rua Teresa atingida pelo temporal, Pamela Silva, 26, conta que alguns vizinhos também se recusam a abandonar suas moradias.

"Tem gente que não quer sair mesmo com sirene. Muitos não querem porque tem gente roubando as casas vazias. Mas não tem condições para voltar para lá, pertence é o de menos", diz.

A efetividade das medidas para prevenção de risco e evacuação (quando necessária) depende, em certa medida, da antecedência dos avisos.

Segundo Seluchi, para alguns tipos de desastres, como tsunamis e algumas enchentes lentas, é possível dar advertências com maior antecedência, o que facilita as ações com a população.

Mas, acrescenta Seluchi, para desastres que acontecem mais rapidamente, como tornados e terremotos, a situação é mais complicada. O caso de Petrópolis seria mais próximo a essas situações.

"A desgraça de terça-feira ultrapassou todas as coisas imagináveis", diz Seluchi.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.