Descrição de chapéu yanomami

Garimpo na terra yanomami usa pistas em dezenas de fazendas e envolve agentes políticos, diz PF

Cadeia do ouro e da cassiterita inclui ainda joalherias, laboratórios de refino, exportadoras e lavras legalizadas no Pará

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Boa Vista

Para funcionar, o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami usa pistas clandestinas em dezenas de fazendas nas proximidades do território. Além desses fazendeiros, a atividade criminosa envolve agentes políticos, servidores públicos da região e toda uma cadeia de empresas e empresários voltados à lavagem do ouro e da cassiterita saqueados da maior terra indígena do país.

A constatação é do delegado Thiago Leão Bastos, chefe da Delegacia de Repressão a Crimes Ambientais da PF (Polícia Federal) em Roraima. Leão é responsável por investigações sobre o garimpo ilegal na terra yanomami.

"Existe uma logística fluvial e um modal aéreo para o garimpo. Mas o que é predominante é esse modal aéreo", disse o delegado à Folha.

Aeronaves usadas pelo garimpo ilegal apreendidas em pátio da Polícia Federal em Boa Vista - Lalo de Almeida - 3.fev.2023/Folhapress

A quantidade de voos era tão intensa que os grupos criminosos que operam o garimpo montaram uma verdadeira rede de pistas clandestinas em fazendas do entorno da terra indígena —e até mesmo em propriedades não tão próximas do território, como em Boa Vista (RR).

A PF calcula que dezenas de fazendas dão guarida à operação logística do garimpo, uma atividade que envolve mais de 20 mil garimpeiros.

A reportagem da Folha esteve numa vila que é considerada um entreposto importante para o garimpo. Segundo moradores do lugar, fazendas da região têm pistas clandestinas para a operação de voos rumo à terra indígena. Essas pistas não são vistas a partir da rodovia ou de estradas vicinais.

A vila, a operação de aeronaves e os garimpeiros estão em compasso de espera diante do controle do tráfego aéreo iniciado pela FAB (Força Aérea Brasileira) no dia 1º.

Grupos fugiram ou tentam fugir do território, diante do anúncio do governo Lula (PT) de que será feita uma operação de retirada dos invasores. O movimento de retirada ocorre mesmo sem o anúncio de uma data para o início das ações.

No último dia 20, o governo declarou estado de emergência em saúde pública, diante da explosão de casos de malária e de desnutrição grave –além de outras doenças associadas à fome, como infecções respiratórias– entre os yanomamis, especialmente nas regiões de Surucucu e Auaris. Equipes médicas foram reforçadas nas duas regiões.

A vila Campos Novos, pertencente ao município de Iracema (RR), fica a 130 km de Boa Vista. Está mais próxima da terra indígena, e pistas clandestinas ao seu redor são usadas para o apoio logístico ao garimpo.

O pequeno distrito está paralisado, à espera das ações anunciadas de repressão às atividades criminosas.

Segundo a PF, o garimpo conta com 77 pistas de pouso clandestinas. Parte chegou a ser embargada pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), mas acaba sendo usada pelos operadores dos esquemas de exploração de ouro e cassiterita.

A PF em Roraima já apreendeu 42 helicópteros e aviões e destruiu outros 28, segundo dados atualizados da corporação. No pátio da polícia em Boa Vista estão 29 dessas aeronaves.

Um dos donos de aeronaves é o empresário bolsonarista Rodrigo Martins de Mello, o Rodrigo Cataratas. Ele se coloca como uma liderança pró-garimpo em Roraima e disputou o cargo de deputado federal pelo PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro. Foi derrotado nas urnas.

O MPF (Ministério Público Federal) em Roraima denunciou Mello à Justiça Federal por suspeita de liderar uma organização criminosa que explora o garimpo ilegal na terra yanomami.

A Procuradoria pede, na denúncia, que os acusados paguem uma indenização mínima de R$ 36,8 milhões, dinheiro que deve ser revertido ao povo yanomami, como forma de reparação de dano. As investigações mapearam a existência de 23 aeronaves a serviço da suposta organização criminosa.

O empresário nega atuar no garimpo ilegal e diz que suas atividades são lícitas e amparadas em licença do órgão ambiental de Roraima.

Ouro e cassiterita

Este não é o único grupo com "poderosa engrenagem logística e econômica" na terra yanomami. A PF investiga outras organizações, com estrutura até superior à do empresário bolsonarista.

"Existe algo que diferencia o garimpo na terra yanomami dos outros garimpos ilegais: o ouro é extraído junto com a cassiterita, chamada de ‘ouro negro’ no jargão dos garimpeiros", afirmou Leão.

O ouro ilegal é esquentado para entrar no sistema de mineração e assim, poder ser comercializado por meio de lavras legalizadas em Itaituba (PA). É como se o minério tivesse sido extraído no Pará, de forma legal, e transportado a Boa Vista, o que não faz sentido do ponto de vista logístico e comercial, conforme o delegado da PF.

"O ouro é extraído da terra yanomami, mas é declarado como se tivesse saído de Itaituba", disse Leão.

No caso da cassiterita, essa lavagem é feita por meio de lavras legalizadas em Rondônia, segundo o delegado.

O esquema do ouro da terra yanomami envolve ainda joalherias, DTVMs (Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários) e empresas de exportação, além de depósitos e laboratórios de refino –tanto do ouro como da cassiterita– em Boa Vista e em cidades do interior.

A PF já detectou que parte do ouro ilegal é levada para a Venezuela e a Guiana Francesa.

Desde 2019, primeiro ano do governo de Bolsonaro, que estimulou a mineração em terras indígenas, a PF em Roraima instaurou 171 inquéritos para investigar usurpação de bens da União, ou seja, a retirada de ouro e cassiterita da terra indígena. Seguem em andamento 68 inquéritos.

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