Conflitos por terra na Amazônia crescem 30% sob Bolsonaro

Relatório da Pastoral da Terra indica que região teve 3,4 mil ocorrências entre 2019 e 2022; povos indígenas são os mais atingidos

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São Paulo

O governo Jair Bolsonaro (PL) deixou um saldo de aumento na violência no campo, em especial na Amazônia. É o que indicam os dados do Caderno Conflitos no Campo Brasil 2022, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), divulgados nesta segunda-feira (17).

Entre 2019 e 2022, foram registradas 3.462 ocorrências de conflito por terra na região, alta de 29,8% na comparação com os quatro anos anteriores.

Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante reunião no Marajó
Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, visitou Marajó no início de março e ouviu da sociedade civil denúncias de conflitos de terras em territórios quilombolas da região - Divulgação - 30.mar.2023/Observatório do Marajó

Considerando apenas o último ano da gestão do ex-presidente, o crescimento no número deste tipo de disputa na Amazônia (33,2%) foi o dobro do registrado no Brasil como um todo (16,7%). Em 2022, 59% dos conflitos por terra do país aconteceram na região.

Os números levam em consideração as disputas enfrentadas por povos indígenas, quilombolas, pequenos agricultores, ribeirinhos e outras comunidades, tanto em territórios reconhecidos oficialmente como tradicionais como em áreas ainda não homologadas.

A região Norte teve o maior número de ocorrências de conflitos por terra do país (626 casos), seguida do Nordeste (496), Centro-Oeste (278), Sudeste (94) e Sul (78). Nos estados, os maiores números foram na Bahia (179), Maranhão (178), Pará (175), Amazonas (152) e Mato Grosso (147).

A Pastoral também contabiliza o total de conflitos no campo, que inclui ações de enfrentamento que acontecem, principalmente, em disputas por água e conflitos trabalhistas, além daqueles por terras. No país todo, esse índice cresceu 31,6% nos últimos quatro anos, na comparação com o período entre 2015 e 2018: foi de 6.019 para 7.925 ocorrências.

Só em 2022, foram registrados 2.018 casos, o que corresponde a uma média de um conflito a cada quatro horas no Brasil. As ocorrências envolveram mais de 909 mil pessoas e ultrapassaram 801 mil km² de terras em disputa.

A maior parte dos conflitos resultantes em morte ficou concentrada na Amazônia, com 34 dos 47 assassinatos no campo registrados no ano passado. O número representa quase três quartos (72,3%) do total brasileiro.

Entre os óbitos em disputas por água estão a do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, mortos enquanto investigavam a pesca ilegal na terra indígena do Vale do Javari (AM).

O relatório da CPT é o principal levantamento sobre esse assunto no país.

Dom José Ionilton, presidente da Pastoral da Terra, explica que vários fatores impulsionam os conflitos na região. "O avanço do agronegócio vai puxando a violência, assim como o da mineração –tanto aquela dentro da lei, que traz muitos prejuízos para quem vive na Amazônia, e também a mineração ilegal, principalmente o garimpo", diz.

Os números refletem, ainda, o avanço de outros indicadores negativos, como o crime ambiental (evidenciado principalmente pelos sucessivos recordes no desmatamento), as invasões a terras indígenas e a quantidade de armas.

Dados do Exército obtidos pelos institutos Sou da Paz e Igarapé mostram que o arsenal nas mãos dos CACs (caçadores, atiradores desportivos e colecionadores) cresceu 744% de 2018 a 2022 em 7 dos 9 estados da Amazônia –no Brasil, a alta foi de 259%.

"O governo passado facilitou o acesso a armas, o que também possibilita o aumento dos assassinatos", aponta, acrescentando que outro ponto de conflito foram ações de despejo de imóveis.

"Embora tivesse uma decisão do STF para que não fossem feitos despejos por causa da pandemia, ainda aconteceram muitas ações e ameaças de despejo nos últimos anos. Houve gente que perdeu a terra e quem teve a sua vida ceifada na defesa de suas terras."

Causadores e atingidos

O relatório da CPT aponta, ainda, os principais causadores dos conflitos por terra. No ano passado, os fazendeiros foram responsáveis por 23% das ocorrências, seguidos do governo federal, com 16%, empresários, com 13%, e grileiros, com 11%.

Dom José é bispo em Itacoatiara, no Amazonas, estado que teve o maior crescimento de conflitos por terra de 2021 para 2022, um salto de 120%. Ele aponta que isso se dá porque outros estados da região já têm um grande número de conflitos, relacionados principalmente ao agronegócio e ao garimpo.

"O Amazonas tem a maior área conservada da Amazônia, mas a cada ano vamos perdendo um pouco por causa desse avanço", afirma o religioso. O sul do estado, em especial, tem se destacado como uma nova fronteira do desmatamento, por onde o crime ambiental penetra ainda mais fundo na floresta.

A região amazônica concentra a maioria das terras indígenas (TIs) do país –segundo o Instituto Socioambiental, dos 732 territórios indígenas do país, 424 ficam na Amazônia e representam 98% da extensão de todas as TIs brasileiras.

A Pastoral destaca que, desde 2019, as populações originárias são as que mais sofrem por conflitos por terra. No ano passado, quase um terço (28%) deste tipo de ocorrência envolveu povos indígenas.

"Houve um discurso muito forte do último governo, até do presidente, que não poderia deixar a riqueza embaixo da terra e os indígenas em cima", lembra dom José. "Há uma relação direta entre o crescimento de conflitos na Amazônia Legal com esse olhar do interesse e da exploração das TIs."

No ano passado, Bolsonaro e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado do então mandatário, chegaram a usar a guerra na Ucrânia como pretexto para tentar acelerar a votação do projeto de lei que libera mineração em terras indígenas.

Em seguida no ranking de populações mais atingidas, estão as famílias posseiras (19% dos casos), quilombolas (16%), sem-terra (11%) e famílias assentadas da reforma agrária (9%). Outras categorias, como extrativistas e ribeirinhos, apareceram em menor porcentagem.

"Precisamos cuidar melhor de quem cuida da terra. Povos indígenas, pequenos agricultores, quilombolas são quem faz a natureza ser de fato conservada, porque eles vivem da terra e das águas, mas sem destruir o meio ambiente", ressalta.

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