Governo federal apura fraude em 300 mil pedidos de auxílio pós-tragédia no RS

Irregularidades envolvem solicitações feitas em nome de pessoas mortas ou que não moram nas áreas atingidas; benefício é de R$ 5.100

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Brasília

O governo Lula (PT) apura indícios de fraude em mais de 300 mil pedidos de acesso aos R$ 5.100 do Auxílio Reconstrução criado para ajudar pessoas afetadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul. As suspeitas recaem sobre quase metade do total de solicitações (629,6 mil).

O Executivo investiga o caso de 150,6 mil pessoas que solicitaram o benefício e, em tese, não moram em área atingida pela tragédia ambiental. Além disso, 152,7 mil não tiveram o endereço confirmado e 2.700 requereram o auxílio em mais de uma cidade. Os números foram revelados pelo Jornal Nacional, da TV Globo, e confirmados pela Folha.

Outra situação sob suspeita são 1.262 pedidos feitos em nome de pessoas que constam como mortas na base de dados do governo federal.

A imagem mostra uma rua alagada com destroços espalhados por toda a extensão. Há várias casas danificadas ao longo da rua e um trator amarelo à direita, aparentemente trabalhando na remoção dos escombros. O céu está nublado, indicando condições climáticas adversas.
Maquina da prefeitura trabalha na remoção de entulhos em Porto Alegre - Carlos Macedo - 11.jun.24/Folhapress

O benefício de R$ 5.100 foi criado para ajudar famílias atingidas pelas enchentes, que deixaram cidades alagadas e casas destruídas no estado gaúcho.

As tentativas de fraude foram identificadas em uma espécie de malha fina feita pelo Executivo para identificar possíveis irregularidades na concessão do benefício.

A extensão territorial das enchentes no estado e o número de pessoas afetadas fizeram da tragédia gaúcha um fenômeno sem precedentes no Brasil, segundo especialistas de diferentes áreas ouvidos pela Folha.

Diversas cidades ficaram com bairros alagados por mais de 20 dias, com abrigos cheios e pessoas morando na rua à espera do retorno à casa. Na volta às residências, as pessoas se depararam com móveis destruídos, eletrodomésticos estragados e todas as dependências sujas de lama.

O auxílio criado pelo governo visa auxiliar as famílias a consertar a casa e comprar novamente os itens necessários.

O ministro da Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, Paulo Pimenta, afirma que a "fé pública" da informação sobre a adequação dos cidadãos para receber o auxílio é dos prefeitos.

"Em que pese que a responsabilidade pela informação do cadastro das famílias para receber o Auxílio Reconstrução seja das prefeituras, nós temos um sistema rigoroso de checagem que impede que essas tentativas de fraude possam se concretizar", afirma Pimenta à Folha.

Ele diz que a União está em "vigilância total" para evitar irregularidades e que não descarta uma investigação criminal caso as fraudes se confirmar.

"Se efetivamente algum caso desses se confirmar, vamos determinar aos órgãos de controle ou até mesmo à Polícia Federal, se houver dolo, para que os fraudadores sejam responsabilizados", afirma.

Cadastro para o auxílio em Canoas foi autodeclaratório, diz prefeitura

Questionada sobre os indícios de fraude, a prefeitura de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, afirmou que disponibilizou à população um sistema de cadastro autodeclaratório, em que os próprios interessados preenchem um formulário digital para reivindicar o benefício.

Os usuários se responsabilizam pelos dados que inscrevem nessa plataforma, sob pena de crime. O texto assinado digitalmente pelos usuários diz que eles estão sujeitos "às sanções civis, administrativas e criminais", e o declarante confirma estar ciente de que pode ser enquadrado no crime de flasidade ideológica caso as informações prestadas sejam falsas.

A gestão municipal de Canoas diz, ainda, que não há interferência humana no envio dos cadastros, e que portanto não suspeita de servidores municipais em eventuais fraudes no cadastro.

É do governo federal a responsabilidade de "rastrear e checar as informações prestadas no cadastros, através do cruzamento de dados, como declaração do Imposto de Renda na Receita Federal, CadÚnico, contas de água e luz", segundo a prefeitura de Canoas. A administração municipal disse que "auxilia quando há divergência detectada pelo governo federal com informações complementares, utilizando sua base de dados".

Em Canoas, também foi identificado um caso de fraude no auxílio municipal que forneceu a empreendedores da cidade. O responsável já foi desclassificado, segundo a prefeitura. Além disso, há outros 17 pedidos do auxílio municipal em que se encontraram diferenças entre uma base de dados municipal e dados do CNPJ.

A base municipal "mostra que essas empresas não estão em área alagada, porém, o CNPJ cadastrado junto à Receita Federal consta como se estivessem na área afetada", diz a prefeitura. Uma equipe de fiscalização deve visitar os endereços para checar se há fraude nesses casos ou não.

A Folha também pediu deste sábado um posicionamento à prefeitura de Porto Alegre sobre as suspeitas de fraude, via e-mail e ligações telefônicas, mas não recebeu resposta até as 20h.

Neste sábado (13), o governo também anunciou o adiamento para 26 de julho do prazo para as prefeituras cadastrarem famílias que querem receber o Auxílio Reconstrução.

Segundo o Executivo, 444 cidades estão com reconhecimento federal de situação de emergência ou estado de calamidade e podem ter acesso ao benefício. No entanto, até o momento, 152 municípios ainda não cadastraram nenhuma pessoa no sistema. O governo espera atingir 375 mil famílias ajudadas com o benefício, o que custará R$ 1,9 bilhão.

Balanço mais recente governo do estado aponta que as chuvas deixaram 182 mortos e 806 feridos. Há 31 desaparecidos. No total, 2,3 milhões de pessoas foram afetadas.

Segundo pesquisa Datafolha, a população mais pobre, negra e com menor escolaridade foi aquela que mais sofreu perdas de patrimônio e de renda nas enchentes.

Nas cidades atingidas pelas inundações, quase metade (47%) das famílias que ganham até dois salários mínimos respondeu ter perdido casa, móveis, eletrodomésticos ou o próprio sustento —na forma do emprego ou da própria empresa. Já entre aquelas que ganham de cinco a dez salários, só 13% relatam algum tipo de prejuízo.

Além disso, mais da metade (52%) dos pretos nos municípios afetados relata algum tipo de perda com as enchentes. Entre os pardos, 40% respondem que tiveram algum tipo de prejuízo. Entre a população branca dessas mesmas cidades, a proporção de entrevistados que relata alguma perda material ou de renda é de 26%.

Colaborou Tulio Kruse

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