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O desafio diário de educar para a democracia

Momentos de crise podem abrir brechas autoritárias que precisam ser rechaçadas

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Patricia Blanco

Presidente-executiva do Instituto Palavra Aberta

São Paulo

​No último dia 15, foi comemorado o Dia Internacional da Democracia, data estabelecida pelas Organizações das Nações Unidas (ONU) em 2007 com o objetivo de promover uma reflexão sobre o estado da democracia no mundo. Para a entidade, “a democracia é tanto um processo como um objetivo a ser alcançado e somente com a participação e o apoio da comunidade internacional, organismos nacionais, sociedade civil e indivíduos, a democracia ideal pode ser transformada em realidade e desfrutada por todos, em qualquer lugar”.

A comemoração deste ano acontece em momento mais que oportuno, pois discutir democracia em tempos de crise como a trazida pela pandemia é não só importante como extremamente necessário, uma vez que períodos como esse podem ser usados como desculpa para posturas autoritárias, como alertou Larry Diamond, professor da Universidade de Stanford e autor do livro “O Espírito da Democracia” (Editora Atuação), durante webinarário realizado em julho pelo site JOTA. Para ele, “a crise proporciona uma oportunidade para governos autoritários criarem situações de medo e emergência para aumentar seu poder, calar a mídia independente e a oposição.”

Manifestantes usam luz de celulares durante ato em defesa da liberdade de imprensa na Hungria, em julho; país está entre os que têm passado por desdemocratização - Bernadett Szabo/Reuters

Se o alerta já havia soado a partir de quedas sucessivas nos índices que medem a democracia, a pandemia acendeu o sinal amarelo e reforçou as preocupações de estudiosos que acompanham o ambiente democrático no mundo. Conforme dados da 12ª. edição do Índice de Democracia (Democracy Index), organizado pela The Economist Intelligence Unit, o ano de 2019 apresentou a pior pontuação desde a criação do índice em 2006, com uma redução importante na média global, que caiu de 5,48 para 5,44. O índice avalia cinco categorias gerais: o processo eleitoral e pluralismo, as liberdades civis, o funcionamento do governo, participação política e cultura política. A queda de 2019 foi impulsionada por regressões acentuadas na América Latina e na África Subsaariana.

Reportagem publicada por esta Folha no último dia 13 mostrou o resultado de estudo feito pela consultoria DeMaX que confirma que o mundo vive o que muitos pesquisadores chamam de recessão democrática, isto é, estamos vivenciando uma piora da qualidade das democracias no mundo, com o crescimento de fatores como ataques à instituições, redução de direitos civis, corrupção e, mais recentemente, crescimento brutal da desinformação.

Mesmo antes da pandemia, alguns intelectuais já chamavam a atenção para os riscos no ambiente democrático. No livro “Como as democracias morrem”, os autores Steven Levitsky e Daniel Ziblatt alertaram, por exemplo, para o potencial destrutivo da polarização política. Segundo eles,“quando partidos opostos se tratam como inimigos, a tendência a se utilizar de meios antiéticos e abusivos cresce”. O mesmo vale para candidatos a cargos políticos e seus apoiadores que acabam, por meio de uma postura agressiva, incentivando a polarização e o radicalismo.

Outro ponto preocupante é a crescente onda de intolerância e de disseminação de conteúdo tóxico. Segundo dados da SaferNet Brasil, somente nos meses da pandemia, houve um aumento de mais de 1000% no número de denúncias de discurso de ódio como neonazismo, por exemplo.

O questionamento às instituições também, segundo os autores, representa um risco grande ao fortalecimento das democracias. Uma vez que o papel e a credibilidade delas é colocado em xeque, corre-se o risco de desestabilizar o sistema de pesos e contrapesos necessários para a manutenção de regimes democráticos.

Neste sentido, campanhas de descrédito contra a imprensa caem como uma luva para aqueles que buscam criar embaraços à democracia, já que veículos de comunicação independentes e o jornalismo profissional são elementos essenciais para a manutenção de sistemas democráticos. Nas palavras do Ministro Ayres Britto: “liberdade de imprensa e democracia são irmãs siamesas, uma não sobrevive sem a outra”.

Se olharmos a democracia como um processo em construção, o papel da educação é crucial para que possamos atingir o objetivo almejado. Ensinar as crianças desde cedo sobre o que é, para que serve e porque importa é, portanto, um desafio diário que precisa ser enfrentado por todos e colocado em prática nas escolas.

Educar para a democracia é ensinar desde cedo o valor da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa, do respeito às diferenças, da pluralidade, da tolerância, da empatia, da preservação dos direitos políticos, das liberdades civis, da transparência, do livre acesso à informação e, principalmente, do respeito às liberdades individuais para a construção da cidadania. Passa também por ensinar crianças e adolescentes a participarem da sociedade de forma ética e responsável, promovendo assim o exercício pleno e consciente do direito à liberdade de expressão.

Segundo Larry Diamond, democracia se constrói todos os dias e por isso temos que abandonar a ideia de que elas duram para sempre, reconhecendo assim que a sua manutenção depende de um forte compromisso entre todos os agentes da sociedade. “Precisamos estar alertas, pois considerar que somente leis que estabelecem os pesos e contrapesos serão suficientes para, por si só, sustentar a democracia, estaremos correndo sérios riscos. É preciso uma defesa forte da sociedade para cuidar do ambiente democrático”, afirmou. Ou seja, defender a democracia é responsabilidade e dever de todos nós.

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