Descrição de chapéu Coronavírus

Especialistas criam estratégias para reduzir mortes por Covid-19 fora de UTIs

Após pesquisa internacional, grupo liderado pelo Instituto Estáter mobiliza lideranças comunitárias para salvar vidas e desafogar hospitais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Até o final de abril, 85% das mortes por coronavírus nos Estados Unidos ocorreram fora de UTIs (Unidades de Terapia Intensiva). Não houve falta de leitos ou respiradores no país, onde grande parte dos pacientes chegou aos hospitais em estado crítico ou morreu em casa.

O mesmo padrão verificou-se no norte da Itália, que durante o pico da doença teve 79% dos óbitos ocorridos fora das UTIs.

Os números do estado de São Paulo, epicentro brasileiro da doença que já soma 63 mil casos e mais de 5.000 óbitos, demonstram seguir a mesma tendência dos EUA e Europa.

Essa é uma das conclusões às quais chegou o grupo “O Dia Seguinte”, que analisa a situação brasileira durante a pandemia da Covid-19 e propõe estratégias para enfrentar a crise no país.

Reunidos pelo empresário Percio de Souza, presidente do Instituto Estáter, entre os especialistas da coalizão estão Ben-Hur Ferraz Neto, cirurgião de transplante de fígado do Osvaldo Cruz; Dráuzio Varella, o médico oncologista e colunista da Folha; Esper Kallás, infectologista do HC e professor da USP; Paulo Gadelha, ex presidente da Fiocruz; e Pérsio Arida, matemático e economista.

Também integram o grupo Carlos Carvalho, pneumologista do Incor e professor da USP, e Claudio Rossi, psiquiatra ex-presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria.

Videoconferência do grupo de especialistas O Dia Seguinte com lideranças comunitárias. Coalizão inclui Drauzio Varella, médico e colunista da Folha
Videoconferência do grupo de especialistas O Dia Seguinte com lideranças comunitárias. Coalizão inclui Drauzio Varella, médico e colunista da Folha - Reprodução

Os principais objetivos do grupo, segundo Percio de Souza, é minimizar o impacto do coronavírus nas classes mais vulneráveis e construir um plano pragmático de longo prazo para evitar, mais do que o contágio, as mortes.

“O bem-sucedido não é o país que infecta menos, mas sim onde morre menos”, afirma o engenheiro e presidente da Estáter.

O estudo internacional, que se baseia em dados oficiais de governos, Organização Mundial de Saúde e instituições renomadas, como o CDC, dos Estados Unidos, destaca que 74% dos mortos na Suécia, por exemplo, ocorreram em asilos.

No Reino Unido, a mortalidade no pico de contaminação era semelhante à da Itália, mas 30% dos leitos de UTI estavam ociosos.

Kallas relatou ao grupo que nos últimos dias tem identificado o problema no Brasil: quando aqueles em tratamento domiciliar percebem o sintoma de falta de ar, o nível de oxigenação já está muito baixo e chegam ao hospital muitas vezes em um quadro irremediável.

O grupo está levando às autoridades a sugestão de mudanças de protocolos e recomendam oxímetro, aparelho que mede quanto oxigênio está sendo transportado pelo sangue, para pacientes do grupo de risco em isolamento domiciliar.

“Precisamos começar a passar às pessoas que se o grupo de risco tiver sintomas é preciso procurar uma UBS, um médico”, afirma de Souza. “O agravamento começa a acontecer só no sétimo dia, e muitas vezes já é tarde demais.”

Uma das propostas da coalizão é redobrar a atenção aos grupos de risco, principalmente os das classes C, D e E. Para isso, estão sendo mobilizadas organizações e lideranças comunitárias para acompanhar idosos, obesos e portadores de doenças crônicas, como diabetes, oferecendo desde a orientação sobre medidas preventivas até a medição de oximetria.

Soluções simples como atender comunidades via telemedicina e treinar motoboys para utilizar o oxímetro podem salvar vidas. É o que tem feito o SAS Brasil, ONG que desde 2013 atende gratuitamente comunidades vulneráveis nos sertões do Brasil.

Na pandemia, a organização tem se destacado no atendimento às favelas de São Paulo e Rio de Janeiro, estados com maior número de casos confirmados da Covid-19. Já foram mais de 1.400 consultas, a maioria no Jardim Colombo (SP) e no Morro do Alemão (RJ).

Segundo a médica e fundadora Adriana Mallet, o SAS tem realizado entre 200 e 300 atendimentos por dia, mantendo o funcionamento até mesmo durante o tiroteio que ocorreu no Morro do Alemão na sexta-feira (15).

Reginaldo Lima, líder comunitário e diretor do G10 Favelas, afirma que o sistema de telemedicinatem sido um sucesso surpreendente e tem contribuído para a redução da taxa de infecção dentro das comunidades.

Ele é uma das lideranças mobilizadas pelo grupo “O Dia Seguinte” para impedir óbitos evitáveis.

O SAS também desenvolveu uma ação em que motoboys são treinados para medir o oxigênio dos pacientes considerados de alto risco nas comunidades.

A iniciativa, prevista para começar na próxima semana, permite ampliar o alcance desse “sistema de saúde alternativo”, como define Adriana. Com a moto, o oxímetro consegue subir e descer o morro, indo às casas dos pacientes, aliviando o trabalho das equipes de base.

Segundo Percio de Souza, o principal foco da parceria com as lideranças comunitárias e com o SAS é conscientizar as pessoas sobre a importância de procurar ajuda médica ao sinal dos sintomas da Covid-19.

Ele defende que, para reduzir o número de óbitos, as comunidades devem mapear os grupos de risco e manter-se atentas aos sinais da doença, além de medir o nível de oxigênio diariamente. Assim que a saturação for de 92%, deve-se procurar o hospital.

De acordo com levantamento do grupo de especialistas, o número de leitos de UTI no setor privado do Brasil (41 a cada 100 mil habitantes) é maior do que o dos Estados Unidos da América (37 a cada 100 mil habitantes). No caso do SUS, a proporção cai para 14 leitos para 100 mil habitantes.

"O sistema público já está sobrecarregado. No pico da epidemia, em algumas regiões, especialmente no Norte e Nordeste, o SUS precisaria dobrar ou até triplicar o número de leitos de UTI", calcula Souza.

Daí a necessidade de desafogar os hospitais e evitar que os casos confirmados evoluam para quadros críticos.

O grupo concluiu que, embora haja sobrecarga em UTIs, há ociosidade nas enfermarias. Uma das sugestões para reduzir o número de óbitos fora dos hospitais é justamente a conscientização da população, principalmente dos grupos de risco, sobre a importância de procurar ajuda médica.

Para isso é necessário estruturar as comunidades para atender os infectados. A coalizão, junto ao SAS Brasil, prioriza a compra de oxímetros, contratação de equipes e preparação de transportes para pacientes.

Outra recomendação é estabelecer conexões com hospitais próximos, para que seja possível a transferência organizada de pacientes.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.