Um estudo aponta que o rio São Francisco nasce em Medeiros, não em São Roque de Minas, como sempre se acreditou. Se for verdade, não será o primeiro golpe na auto-estima da cidade mineira de 6.000 habitantes, que só sobreviveu graças à ação de João Carlos Leite, 40.
A tiros, fazendeiros foram expulsos de lá em 1972 para a construção do parque nacional da serra da Canastra. Em 1991, o Banco Central liquidou a Minas Caixa, e o local ficou sem banco, financeiramente dependente da vizinha Piumhi. A cidade teve decréscimo populacional dos anos 60 aos 90.
Dono de loja de insumos agrícolas, João sentia a fuga no bolso. Formou um grupo para pedir ajuda ao prefeito e convencer algum banco a montar um posto. Ouviu "não" até do Banco do Brasil.
"Ninguém quis [vir], e isso doía." Corajoso, descobriu uma solução caseira: "Fomos ver a cooperativa de crédito que ia abrir em Alpinópolis". A idéia foi "importada" e, em um mês, o mecânico da cidade virou o gerente, e o dono do boteco, o contador.
Só João tinha diploma universitário, e foi eleito presidente do Sicoob Saromcredi. Sicoob significa Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil, e Saromcredi mescla as letras da cidade com a palavra crédito. O objetivo era oferecer o mínimo do serviço bancário.
A prefeitura deu energia, telefone e um espaço de 24 m2. Hoje, a entidade constrói sua terceira sede, de 1.400 m2.
Ao assumir o papel de banco, João fez com que 800 aposentados ficassem e gastassem ali. "Quando receberam pela primeira vez, choraram, abraçaram, trouxeram frango e doces." Todos passaram a usar a cooperativa -continuam fiéis, mesmo com o Banco Postal e as funções bancárias da lotérica.
No primeiro ano, o caixa fechou com US$ 1.000. Em 14 anos, o patrimônio foi a R$ 4 milhões (US$ 1,7 milhão), e fechará 2005 com R$ 20 milhões em crédito concedido em várias áreas, além da rural. O PIB (Produto Interno Bruto) local cresceu 8,74% ao ano.
O crescimento populacional, em 2002, foi de 227 pessoas. É gente como Antônio Miranda, 42, que deixou a cidade e voltou em 2004 para gerenciar silos construídos com apoio da cooperativa. Outros dois silos serão feitos.
Graças a João, o café da região chegou à BM&F (Bolsa de Mercadorias & Futuros). Graças a ele, um provedor próprio de internet conectou 135 pessoas à rede e hoje vende conexão. Graças a suas idéias, nasceu o Instituto Ellos, que educa 120 filhos de cooperados. Anajá Arantes, 15, que estuda no Ellos, conta que é mais cobrada do que no colégio estadual. Ela não vai sair da cidade porque, em 2006, o Ellos terá o ensino médio.
A palavra para João é inconformismo. É esse o sentimento que o move e que não o deixa sossegar. Ele não sabe por quanto tempo será o cabeça do Saromcredi. O sucessor, ele já escolheu: Bruno Oliveira Faria, 25, que, tímido, diz que tem "muito a aprender".
Se depender da população, a transição demora. Andando na rua, um homem aborda João. Diz que o prefeito não deu ouvidos ao pedido de asfaltar a rua. "Dê uma força para nós", pede o sujeito. O carisma de João é grande, mas ele não quer saber de carreira política. "E deixar de administrar dinheiro para administrar dívida?"