Mourinho participará de cobertura da Copa por canal acusado de fake news

Treinador português é a principal contratação da RT, emissora russa financiada pelo Kremlin

Fábio Aleixo
Moscou

Vista nos Estados Unidos e na Europa como uma arma de propaganda do governo russo para a divulgação de notícias falsas, a emissora de televisão RT contará com o polêmico técnico português José Mourinho na sua equipe de comentaristas para a Copa do Mundo da Rússia.

O treinador do Manchester United participará de programas especiais durante a fase de grupos ao lado dos ex-jogadores Peter Schmeichel, da Dinamarca, e Carlos Valderrama, da Colômbia.

Por favorecer a cobertura de assuntos políticos, o canal não entrou na disputa para ter os direitos de transmissão da Copa. Ainda assim, o evento é tratado com prioridade.

"A Copa do Mundo é um evento esportivo monumental. Mas também há muita cultura e história social envolvida. Queremos mostrar uma imagem honesta e completa do país-sede", afirmou a RT em nota enviada à reportagem.

José Mourinho anda durante partida contra o  Chelsea
José Mourinho, que participará de programas da emissora russa RT, comanda o Manchester United contra o Chelsea em Wembley - Lee Smith/Reuters

Mourinho é a principal contratação do canal. Segundo veículos da imprensa inglesa, ele vai receber cerca de 1,7 milhão de libras (R$ 8,6 milhões). A RT não comenta os valores.

O treinador já gravou um comercial para a emissora russa. Nele, aparece em um vestiário fazendo preleção para cinegrafistas do canal.

A aparição do técnico na propaganda gerou críticas na Inglaterra, país cujas relações diplomáticas com a Rússia andam abaladas desde o envenenamento do ex-espião Serguei Skripal e sua filha, em março.

Fundado em 2005 como Russian Today --nome que levou até 2009 e deu origem a atual sigla--, o canal é financiado pelo governo da Rússia e é acessível por TV a cabo e pela internet. Seu objetivo é noticiar os principais acontecimentos pelo olhar russo.

"Somos um canal financiado pelo poder público, como muitos outros veículos de notícias internacionais, como BBC, Deutsche Welle e France 24", afirmou a emissora por meio de sua assessoria de imprensa. "O RT é um canal editorialmente independente", completou.

Mas parte do mundo ocidental não o vê desta maneira. Nos Estados Unidos, diversas distribuidoras de TV por assinatura têm se recusado a emitir o sinal da RT. Seus repórteres costumam ser impedidos de participar de diversas coberturas políticas.

Entre os motivos está a acusação de ter feito uma cobertura tendenciosa e totalmente favorável ao Kremlin na Guerra da Crimeia, em 2014, e a suposta influência russa nas eleições americanas, com divulgação de notícias falsas.

"A Russia Today tem se destinado a promover a fantasia do presidente Putin sobre quem manda no mundo. O canal tem gastado muito esforço e energia para propagar e distorcer o que ocorre e não ocorre na Ucrânia", disse em 2014 o então secretário de Estado americano John Kerry.

Em novembro do ano passado, a Justiça dos Estados Unidos obrigou o canal a se registrar como "agente estrangeiro". A medida, aplicada a companhias financiadas por governos internacionais e que estão envolvidas em atividades políticas, torna públicos as contas e investidores.

Na França, durante as últimas eleições, o atual presidente Emmanuel Macron proibiu o canal de cobrir seus atos.

À Folha, a RT rejeitou a acusação de ser uma máquina de propaganda estatal.

"A RT é uma emissora internacional de notícias, ganhadora de diversos prêmios, cujo objetivo é reportar histórias não exploradas e exibi-las com base em pontos de vistas políticos e sociais por meio de fatos jornalísticos. Infelizmente, o que temos visto com muita frequência recentemente é o uso do termo 'propaganda' para desmentir e desqualificar qualquer ponto de vista inconveniente", disse o canal.

A emissora tem sede em Moscou, mas nenhum programa é transmitido em russo --a empresa mantém apenas um site na língua local. Com o objetivo de atingir uma audiência internacional, a RT tem canais em inglês, espanhol, francês e árabe.

Além do escritório russo, a emissora mantém estúdios em Washington, Londres e Paris e conta com uma estrutura de 2.450 empregados ao redor do mundo.

Segundo pesquisa do Instituto Ipsos de março, o RT tem audiência global de 100 milhões de pessoas em 47 países.

No ano passado, o canal fez uma extensiva cobertura da Copa das Confederações, com um grande estúdio montado em frente ao museu Hermitage, em São Petersburgo.

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