Descrição de chapéu The New York Times basquete

Conceito de falta muda, e arbitragem passa por transformações na NBA

Evitar que jogadores de ataque forcem infrações dos defensores é a nova diretriz

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Sopan Deb
The New York Times

Quando James Naismith inventou o basquete, em 1892, ele propôs 13 regras. Estipulou em uma delas que não seria permitido "qualquer uso dos ombros, braços, pernas ou qualquer forma de golpe ou empurrão contra a pessoa do oponente". Essas ações seriam conhecidas como "faltas".

Mais de um século depois, após de numerosas alterações no jogo, essa definição continua mais ou menos a mesma. Mas a regra de Naismith quanto a faltas tem passado por uma evolução constante. O que constitui um "golpe" ou "empurrão"?

Joel Embiid, do Philadelphia 76ers, reclama de marcação do árbitro Aaron Smith - Tim Nwachukwu -15.dez.21/AFP

Faltas são faltas. Exceto quando não são. Ou são um determinado tipo de falta. A menos que não sejam. Nas finais da NBA em 1984, Kevin McHale, do Boston Celtics, atingiu Kurt Rambis, do Los Angeles Lakers, na garganta com o braço estendido, levando Rambis a desabar na quadra. Na época, o lance foi considerado como uma falta comum. Nada de falta flagrante ou de expulsão e suspensão.

O livro de regras da NBA preservou a ideia básica do que é uma falta, ao longo do tempo, mas acrescentou interpretações e níveis de gravidade. Na década de 1990, surgiram as faltas flagrantes. E as ênfases mudaram quanto ao que os árbitros deveriam considerar como aceitável no basquete.

Na atual temporada, houve nova alteração, desta vez protegendo os defensores. A ideia é evitar que jogadores de ataque cavem faltas. Confira momentos em que a NBA ajustou seus conceitos.

Faltas flagrantes

No jogo quatro das finais da NBA em 1984, Kurt Rambis recebeu um passe em um contra-ataque e tentou subir para uma bandeja. Mas não conseguiu. Kevin McHale estendeu o braço e o atingiu na área da garganta, o que levou o adversário a desabar imediatamente. Os jogadores dos dois bancos de reservas invadiram a quadra. A jogada se tornou um símbolo do jogo muito físico que era permitido naquela década.

"Aquela falta serviu de impulso para muitas mudanças de regra", disse Rambis, hoje assessor especial do Lakers.

Antes do início da temporada 1990/91, a NBA adotou punições mais graves para esse tipo de falta. Se um jogador cometesse uma falta especialmente dura, ela passaria a ser definida como falta flagrante. O jogador não seria necessariamente expulso, mas a equipe prejudicada teria dois lances livres e receberia a posse de bola depois deles.

"Com sorte teremos menos dessas faltas ridículas, em que os jogadores nem ligam se machucam um adversário", disse Rod Thorn, então um dos dirigentes da liga. "O basquete está ficando bruto demais."

Rambis tinha definido McHale como "um artista do jogo sujo", e declarou: "Eu provavelmente estaria na cadeia agora se tivesse podido fazer o que queria contra ele depois que ele me derrubou". Mas, desde então, ele parece ter abrandado sua posição e disse ao The New York Times que não tinha "animosidade" ou "ódio" contra McHale.

"Não acho que Kevin tivesse a intenção de fazer o que fez", disse Rambis. "O resultado da falta não foi o que ele pretendia. Fazíamos faltas duras contra jogadores para impedir enterradas e bandejas. Foi uma circunstância infeliz", afirmou.

O pouso do arremessador (a regra Zaza Pachulia)

No primeiro jogo das finais da Conferência Oeste em 2017, Kawhi Leonard, do San Antonio Spurs, subiu para um arremesso marcado pelo pivô Zaza Pachulia, do Golden State Warriors. Pachulia ficou tão perto de Leonard que este caiu pisando no pé do adversário e torceu o tornozelo pela segunda vez na partida. Gregg Popovich, treinador do Spurs, classificou a jogada como "perigosa" e "antidesportiva".

Depois disso, a NBA adotou a chamada "regra Zaza", segundo a qual, se um defensor não der espaço para que o oponente pouse depois de saltar para uma jogada, ele pode ser punido com uma falta flagrante.

Pachulia recebeu uma falta comum, e Leonard converteu os dois lances livres. Mas Leonard não voltou a jogar naquela série, e os Warriors eliminaram os Spurs por quatro vitórias a zero.

No final de 2020, Pachulia disse em um podcast que a lesão de Leonard foi "um acidente infeliz e muito grave, uma infelicidade". Afirmou ainda que se sentia "muito mal" pelo que ocorrreu.

"Também sou atleta. Meus filhos jogam", disse Pachulia. "Não quero ver ninguém passando por aquilo."

Monty McCutchen, vice-presidente sênior de treinamento de árbitros da NBA, disse que a mudança de regra estava sendo discutida antes da jogada. Apesar de os atletas terem se tornado mais habilidosos em criar distância com relação ao adversário ao saltar para o arremesso, o movimento ainda os conduz para a frente, e eles precisam de espaço para pousar.

A NBA limita o uso de mãos na marcação

Por boa parte do século 20, o basquete favorecia os jogadores mais altos, e a maior parte dos pontos era marcada no garrafão. Os defensores estavam autorizados a usar as mãos para conter o avanço de adversários. Isso colocava os armadores, que tipicamente são os jogadores mais baixos na quadra, em desvantagem. Mas o Chicago Bulls da década de 1990, liderado por Michael Jordan e Scottie Pippen jogando no perímetro, mudou os cálculos da NBA.

Em 1994, Jordan e Pippen já tinham conquistado três títulos juntos, mas Jordan tinha decidido se aposentar, e a liga estava em busca de um novo astro que jogasse no perímetro, para ocupar o vazio. A NBA instruiu os árbitros a começar a encarar como falta o uso de mãos para conter o avanço de jogadores no perímetro, considerando que isso facilitaria a marcação de cestas por armadores.

Michael Jordan enfrentou defesas bastante físicas em boa parte de sua carreira na NBA - Jeff Haynes - 30.mai.98/AFP

"Ofensivamente, será ótimo", disse Pippen na época. "Mas do lado defensivo vai ser difícil nos acostumarmos. Não é que eu use tanto assim as mãos para impedir o movimento do adversário, mas é algo que fazemos há tanto tempo que será difícil lembrar de que agora não é mais permitido."

Steve Kerr, seu colega de time, acrescentou: "Não sei como alguém vai conseguir marcar caras como Kevin Johnson e Tim Hardaway". Referia-se aos armadores do Phoenix Suns e do Golden State Warriors, respectivamente, dois dos melhores da liga na época.

A aplicação pela NBA das regras quanto ao uso ilegal de mãos na defesa nunca foi muito coerente. Níveis variados de uso de mãos foram autorizados até a temporada 2004/05, quando a liga por fim proibiu quase qualquer contato restritivo com um jogador ofensivo.

"Essa forma de marcação tinha se generalizado tanto na liga que não era mais possível conduzir a bola", disse McCutchen.

A média de pontos subiu de 93,4 pontos por jogo em 2003/04 para 97,2 em 2004/05, provavelmente como resultado da mudança da regra sobre o uso de mãos na defesa e outras alterações, como parte de uma transição continuada das regras a fim de favorecer os jogadores ofensivos.

A imposição mais rigorosa de faltas por uso ilegal das mãos na marcação abriu as portas para que jogadores como Stephen Curry, do Golden State Warriors, pudessem se tornar dominantes arremessando atrás da linha dos três pontos e em invasões do garrafão rumo à cesta.

O estilo menos físico de jogo tem seus críticos, como Metta Sandiford-Artest, que por quase duas décadas foi um dos melhores jogadores de defesa da NBA, e um dos mais físicos.

"Se você é grande e forte, eles tentaram eliminar o fato de que alguém podia ser maior e mais forte", disse Sandiford-Artest, conhecido como Ron Artest e como Metta World Peace durante seus anos de NBA.

"Por isso, criaram muitas regras contra os jogadores grandes e fortes, beneficiando os jogadores rápidos e menores. Minha sensação é que as regras são injustas. Porque agora um jogador pode acertar Shaq ou LeBron, mas eles não podem fazer o mesmo", afirmou.

Liberdade de movimento

Na temporada 2018/19, a NBA expandiu a regra que restringe o uso das mãos na marcação para enfatizar a "liberdade de movimento", mesmo para os jogadores que não tenham a bola. Com a nova mudança, todos os jogadores estavam autorizados a se mover livremente pela quadra sem que adversários pudessem bloqueá-los com o uso dos braços ou quadris.

"Os agarrões e trancos tinham se tornado tão fortes que o jogo de basquete, que combina força e velocidade, tinha se transformado em um confronto desequilibrado no qual a força saía ganhadora", disse McCutchen.

Quando jogadores como Curry e outros dos grandes arremessadores, por exemplo Joe Harris do Brooklyn Nets, buscam contornar defensores, estes não podem usar os quadris ou provocar encontrões e agarrões para reduzir a velocidade do adversário. Isso confere vantagem a jogadores rápidos como De’Aaron Fox, do Sacramento Kings, que são difíceis de marcar quando circulam pela quadra sem a bola.

A regra Reggie Miller

Reggie Miller, integrante do Hall da Fama do basquete e um dos melhores arremessadores da história da NBA, tinha grande habilidade em cavar faltas quando fazia arremessos de longa distância.

Ele ficou conhecido por estender sua perna ao saltar, causando contato com o defensor, mas fazendo parecer que o defensor é que tinha precipitado o contato ilegal. A manobra funcionava com frequência suficiente para que Miller despertasse a raiva dos jogadores e treinadores adversários.

Chris Webber, também integrante da Hall da Fama do basquete, definiu o colega como "o homem-chute", em uma entrevista de rádio em 2018. Miller, que se aposentou em 2005, e Webber se enfrentaram muitas vezes nas décadas de 1990 e 2000 e mais tarde trabalharam juntos como comentaristas de basquete na TNT.

"Quando ele jogava e arremessava bolas de três, todas aquelas manobras com as pernas de que ele se queixa agora ao comentar jogos, bem, ele ajudou a inventar tudo aquilo", disse Webber.

Reggie Miller irritava os adversários cavando faltas - John Ruthroff - 24.mar.96/AFP

Jogadores vêm copiando Miller há anos, em busca de resultados parecidos.

"Quando você começa a ver alguma coisa como árbitro –e a liga está sempre um pouco atrás das tendências–, o olho não pega aquela sintaxe visual de primeira", disse McCutchen. "Foi na época em que Reggie jogava que começamos a ver jogadores agindo daquele modo para tentar enganar os árbitros."

Em 2012, a NBA instruiu os árbitros a aplicar rigorosamente a regra que classifica como falta de ataque as ocasiões em que um jogador estende a perna deliberadamente em busca de contato com o defensor.

Movimentos antinaturais

Nos últimos anos, astros como James Harden, do Brooklyn Net, e Trae Young, do Atlanta Hawks, tornaram-se muito competentes em cavar faltas ao apoiar seus corpos nos defensores, saltar para atingi-los pelos lados ou enganchar seus braços nos deles. Eram manobras criativa, com o objetivo de enganar os árbitros e levá-los a acreditar que o defensor tinha iniciado o contato.

Outros jogadores começaram a se jogar durante partidas, tentando cavar faltas. Críticos dentro e fora da NBA diziam que esse estilo de jogo estava tornando a liga injusta e impossível de assistir.

Antes do começo desta temporada, a NBA anunciou que jogadas envolvendo "movimentos antinaturais" seriam consideradas faltas ofensivas, não faltas defensivas. O impacto foi imediato, e caiu muito o número de faltas marcadas pelos árbitros, sobre Harden especialmente, mas também sobre outros atletas, desde o começo da pré-temporada.

James Harden pede falta após contato com Jonathan Kuminga, dos Warriors - Brad Penner - 16.nov.21/USA Today Sports

Jordan Clarkson, armador do Utah Jazz, disse que a mudança permitiu que os defensores "usem um pouco mais as mãos". Questionado se ele estava usando mais as mãos agora, Clarkson respondeu: "Com certeza, o tempo todo".

Draymond Green, ala do Golden State Warriors que conquistou o prêmio de melhor defensor da NBA na temporada 2016/17 e tem boa chance de repetir o feito este ano, disse que, depois da mudança mais recente, "nosso jogo melhorou".

"Gosto de assistir a jogos da NBA. Mas não quero saber de jogos que terminam em 144 a 148 no tempo normal. Esses placares altos não vinham dos grandes arremessadores, embora tenhamos grandes arremessadores no esporte. Vinham de um monte de gente convertendo lances de três pontos com pouca marcação, e de pessoas que sabem cavar faltas", afirmou Green.

"Acho que estamos vendo um basquete mais significativo agora", concluiu o defensor.

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