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21/07/2002 - 12h30

Presidente se indispôs com Tasso em 2000

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JOSIAS DE SOUZA
da Folha de S.Paulo

Era noite de dezembro de 2000. A sucessão presidencial se insinuava como um ponto longínquo na folhinha. Mas Fernando Henrique Cardoso, Tasso Jereissati e Antonio Carlos Magalhães decidiram tatear com antecedência as opções à sua frente. Reuniram-se em segredo, no Palácio da Alvorada, das 23h às 2h.

FHC achava que, mantendo o consórcio político que o respaldava no Congresso, seria mais fácil "fazer" o sucessor. ACM prometeu mobilizar o seu PFL, desde que o tucano Tasso fosse o candidato oficial. Tasso dispunha-se, gostosamente, ao sacrifício.

Súbito, o diálogo escorregou para a economia. E ganhou um tom acerbo. Tasso desancou a política do governo. Atacou o "monetarismo" do ministro da Fazenda, Pedro Malan. Defendeu uma mudança de rumos. Sob pena, dizia ele, de a coisa desandar.

FHC adotou posição defensiva. Surpreso com a acidez de Tasso, ACM assumiu o papel de algodão. Ficou do lado de FHC. "Só para manter o ambiente." Ajudou a evitar que os cristais se estilhaçassem. Mas, descobriria mais tarde, restaram fissuras.

Nos meses seguintes, cozinhando as pretensões de Tasso em banho-maria, o presidente perambulou de nome em nome -Paulo Renato, Pedro Malan...-, até fixar-se no de seu ministro da Saúde, José Serra. Carbonizou as pretensões do governador do Ceará.

Tasso dissimulou a própria mágoa. Dividiu-a com poucos. Sentiu-se atraiçoado. Considerava-se detentor de um crédito, obtido sete anos antes, em dezembro de 1993, num encontro muito parecido com aquele do Alvorada.

Foi no apartamento funcional de FHC, então ministro da Fazenda do presidente Itamar Franco. Lá estavam os mesmos FHC, Tasso e ACM, atraído para a conversa por Ciro Gomes, também presente. Ciro, 35 àquela altura, era um jovem governador tucano, de penas hirtas. Deram-se ali, ao redor de uma mesa de almoço, os primeiros pontos da costura que resultaria no controverso consórcio PSDB-PFL, que elegeria a dupla FHC-Marco Maciel.

Complicou
Na manhã da última terça, FHC recebeu, pelo telefone, uma notícia que azedou-lhe o dia: Ciro Gomes, 44, agora presidenciável de oposição, apoiado às escâncaras por ACM e à sorrelfa por Tasso, abrira, segundo o Ibope, sete pontos de vantagem sobre Serra.

"A coisa complicou", disse o presidente a um interlocutor. À noite, enquanto FHC descobria, pelo "Jornal Nacional", que Serra, além de ficar para trás, caíra dois pontos (de 17% para 15%) em relação à pesquisa anterior, Ciro preparava-se para um encontro com empresários, em São Paulo.

Chegou à casa de Flávio Rocha (grupo Riachuelo-Guararapes), no bairro do Morumbi, pouco depois das 21h. Os dados do levantamento, ainda quentes, pairavam sobre a noite fria de São Paulo.

Aguardavam-no mais de 30 pessoas. Entre elas, José Ermírio de Moraes Neto (Votorantim), Simon Alouan (Ponto Frio), Alexandre Grendene (Grendene) e Olacyr de Moraes (Constran).

Não foi a primeira vez que uma porta da burguesia paulista se abriu para ouvir Ciro. O curioso foi a forma como muitos dos presentes se dirigiram ao candidato. Chamaram-no "presidente".

A tibieza desenhada pelas curvas das pesquisas afetou a caravana de José Serra num de seus pilares: o caixa. Não que o candidato governista esteja à míngua. Mas recebeu, por ora, bem menos do que os R$ 60 milhões estimados na papelada entregue ao TSE.

Os cabos eleitorais de Serra entram na terceira semana oficial de campanha de mãos abanando. Falta-lhes material. Convocados a Brasília na última segunda-feira, os coordenadores regionais ouviram longas explanações sobre a estrutura da campanha.

Ao final, receberam camiseta, boné, leque, bandeirola e adesivo para vidro de carro. Uma peça de cada. "É só para mostrar pro pessoal nos Estados", resignou-se um dos presentes. "O resto vem depois."

Como gripe
Autorizados desde o dia 13 de julho a espalhar retratos dos candidatos, os comitês tiveram de encarar o jogo duro das empresas que alugam outdoors por quinzena. Queriam cobrar desde o dia 5 de julho. O comitê de Serra não pagou.

Só ontem a imagem do candidato começou a ganhar a margem das ruas das grandes cidades. Os rostos de Lula e de Ciro Gomes chegaram antes.

Há queixas em todos os comitês. O de Anthony Garotinho diz operar no vermelho. Duda Mendonça, marqueteiro do PT, diz a amigos que há tempos não fazia uma campanha tão enxuta.

José Carlos Martinez, um dos arrebanhadores credenciados por Ciro Gomes, jura que, até aqui, a coleta soma escassos R$ 300 mil. PTB e PDT viram-se, segundo ele, forçados a colocar os cofres partidários a serviço do candidato.

Na semana passada, Serra foi informado de que o instituto Vox Populi, que trabalharia para ele, roera a corda. Fechou negócio com o choroso time de Ciro. Receberá cerca de R$ 2,5 milhões por um pacote que inclui de pesquisas quantitativas a levantamentos chamados "qualitativos". O olho gordo da concorrência enxerga uma fase próspera para a tesouraria de campanha de Ciro.

Antes que o adversário se firme no imaginário do empresariado como novo "anti-Lula", Serra e seus aliados tonificam a pregação que apresenta o ex-tucano Ciro como "aventureiro inconfiável". Um "novo Collor". Há dúvidas, mesmo entre os marqueteiros de Serra, quanto aos efeitos do discurso na cabeça do eleitor.

Num esforço para neutralizar a estratégia inimiga, Ciro costura um amplo arco de apoios. Para desespero do esquerdista Roberto Freire, o candidato do PPS flerta até com o deputado Delfim Netto (PPB-SP), um nome respeitado pelo empresariado. "Tem havido um tipo de aproximação, mas nada relevante", desconversa Delfim, para quem o fenômeno Ciro "alastra-se como gripe".

Um setor em especial foge do contágio: o dos banqueiros. Nos bastidores, Ciro e a alta banca referem-se um ao outro com termos nada lisonjeiros. Na origem do atrito está um jantar organizado por Olavo Setubal, do Banco Itaú.

Ciro recebeu um relato do encontro que deixou-o furioso.
Contaram-lhe que, a pretexto de elogiar Serra, seu preferido, Setubal teria desancado os oposicionistas. Ciro teria sido chamado de "moleque" e "irresponsável".

Ressentido, Ciro baixou uma ordem: "Não quero dinheiro de banqueiro na campanha". Ouvido na semana passada, um dos comensais de Setubal disse, sob o compromisso do anonimato, o que pensa da bravata de Ciro: "É da boca para fora". Não quis revelar sobre o que se falou no jantar.

Ciro escala as pesquisas em momento delicado. De volta de uma viagem aos EUA, Armínio Fraga, presidente do Banco Central, disse a FHC ter ficado impressionado com o pessimismo que envenena o mundo financeiro.

Às voltas com os seus próprios dramas, tonificados pela profanação em série de balanços de megacorporações, autoridades financeiras americanas olham só para o próprio umbigo. Economias ditas emergentes, como a brasileira, são relegadas a plano inferior.

Armínio acha que a atmosfera instável persistirá até depois da eleição. Notou uma melhora nos indicadores nos últimos dias. Mas não exclui a hipótese de deterioração das expectativas.

Foi o que disse a um diretor do Banco Central. Foi esse também o sentido geral da conversa que teve com os deputados José Aníbal, presidente do PSDB, e Aloizio Mercadante, economista do PT. "Não está fácil. Não posso tirar o olho da telinha", disse a um deles, apontando para o computador, que faz repicar sobre sua mesa a pulsação tensa do mercado.

Daí o esforço de Armínio para deixar na prateleira um esboço de "acordo de transição" entre governo e oposição. Algo que possa ser brandido lá fora caso a coisa desande, como previu Tasso Jereissati em dezembro de 2000.

Veja também o especial Eleições 2002

 

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