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13/07/2003 - 06h21

Concentração de terra não muda desde 67

GUILHERME BAHIA
da Folha de S.Paulo

A concentração de terras no Brasil se manteve estável num nível relativamente alto de 1967 a 1999, segundo dados das estatísticas cadastrais do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). O índice de Gini, que varia de zero a um, oscilou entre 0,831 e 0,854 no período. Quanto mais próximo de um, maior é a concentração, ou seja, mais terras estão nas mãos de poucos proprietários.

No ano 2000, o índice baixou para 0,802, mas esse número não é comparável com os dos anos anteriores porque a metodologia do cálculo foi alterada. A mudança foi feita num estudo apresentado durante a gestão de Raul Jungmann no Ministério do Desenvolvimento Agrário, de abril de 1996 a abril de 2002 --até dezembro de 1998, a pasta se chamava Ministério de Política Fundiária.

A série calculada pela metodologia antiga mostra que a região Sul do país tem a menor concentração (índice 0,716), seguida pela região Sudeste (0,764) -os dados são de 1999. Em 1998, o Estado com menor concentração era Rondônia (0,644), e o mais concentrado era o Amazonas (0,929).

Rondônia teve uma forte queda no índice de concentração, já que em 1967 ele era de 0,948. A razão, segundo explica Paulo Barbosa, coordenador do estudo de 2000, foram os projetos de colonização e assentamento da década de 80.

Na mesma década, a região Centro-Oeste teve uma significativa diminuição na concentração de terra, com o índice passando de 0,831 em 1978 para 0,797 em 1992. Essa redução também se deu no contexto da ocupação do cerrado e do sul da Amazônia. Segundo Barbosa, resultou do desmembramento de fazendas no norte de Mato Grosso e no Tocantins, ocorridas à medida que a ocupação avançava.

Há quem minimize a importância de medir a concentração fundiária pelo índice de Gini. José Eli da Veiga, professor de economia agrícola da USP, argumenta que mais relevante é saber quanto da terra é ocupada pela agricultura familiar e quanto é ocupada pela agricultura patronal e verificar qual das duas formas de produção predomina. "Quando predomina a agricultura familiar, mesmo que haja concentração da propriedade da terra, ela é bem menos nociva, porque não impede a distribuição das demais riquezas, além de engendrar forte distribuição da renda", afirma ele.

Alterações no cadastro

Uma das mudanças que o estudo de 2000 incorpora é que cada lote dos assentamentos de reforma agrária foi considerado uma área individual. Já os estudos anteriores apenas reproduziam os dados do cadastro de imóveis. Nele, o conjunto dos lotes que formam cada assentamento permanece registrado como se fosse a antiga fazenda desapropriada para a implantação do projeto.

Barbosa argumenta que considerar cada lote como uma área individual reflete melhor a realidade. Deve-se observar, porém, que o assentado não se torna proprietário da área até que tenha quitado os financiamentos do governo. Em muitos casos, ele não prospera e abandona o lote antes disso.

Outra alteração é que foram excluídos do cadastro de imóveis 93 milhões de hectares de terras que, segundo Jungmann, só existiam no papel. Os títulos desses imóveis foram cancelados, mas há contestações na Justiça.

A região Norte foi aquela cujo índice sofreu maior impacto com essa mudança: baixou de 0,859 em 1999 para 0,715 em 2000.

Em 2000, o cálculo do índice de Gini também não considerou, como era feito nos anos anteriores, terras públicas, embora elas permaneçam no cadastro de imóveis.

Outros países

A comparação do índice brasileiro com o de outros países nem sempre é possível. O Brasil não exclui terras não-agriculturáveis, como as reservas florestais, do cálculo do índice. Isso inviabiliza, por exemplo, a comparação do índice de Gini brasileiro com o canadense. No Canadá, as áreas geladas do norte não são consideradas, e o país teve em 2000 um índice de 0,602, o menor entre 22 países das Américas --o maior, 0,928, é o de Barbados. O Brasil tem o nono menor índice, ficando à frente do Uruguai (décimo) e da Argentina (16º) e atrás do México (segundo) e dos EUA (terceiro).

O fato de o cadastro do Incra ser declaratório --são os proprietários que dão as informações- também prejudica a análise. Isso pode gerar distorções no registro do tamanho dos imóveis.

É comum que as terras sirvam de garantia para a tomada de empréstimos. Assim, há um incentivo para declarar uma área maior que a área real para conseguir um empréstimo maior. Por outro lado, como o ITR (Imposto Territorial Rural) é um imposto progressivo, há também um estímulo contrário --os fazendeiros prefeririam declarar uma área menor para pagar menos imposto.

 

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