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09/11/2003 - 12h39

Livro "não desilustra" Geisel, diz assessor

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PLÍNIO FRAGA
da Folha de S. Paulo

À sombra do governo e da vida do presidente Ernesto Geisel (1911-1996), moviam-se discretamente dois personagens: Heitor Aquino Ferreira, 67, e Humberto Esmeraldo Barreto, 71.

São testemunhos importantes na reconstrução dos bastidores do período da série "As Ilusões Armadas", do jornalista e colunista da Folha Elio Gaspari, cujo mais recente volume, "A Ditadura Derrotada", chegou às livrarias na semana passada.

Heitor Ferreira foi assistente de Golbery do Couto e Silva no SNI (Serviço Nacional de Informações) e de Geisel na Petrobras, antes de se tornar seu secretário particular. Acumulou documentos, 222 horas de gravações e 1.500 páginas de seu diário, com minuciosas descrições dos bastidores do poder entre 1964 e 1975.

Hoje traduz livros --como "Churchill", biografia de Roy Jerkins, e "A Revolução dos Bichos", de George Orwell. Vive em Teresópolis, na região serrana do Estado do Rio. Recusou a sondagem da Folha para uma entrevista, citando um aviso que viu em Nova York, obra da administração do ex-prefeito Rudolph Giuliani: "Nem mesmo pense em estacionar seu carro aqui".

Humberto Barreto foi dirigente da Petrobras, da Caixa Econômica, da Norquisa Petroquímica e da Transbrasil, mas antes de tudo foi amigo de Geisel desde os 17 anos. Como exemplo da proximidade, Gaspari cita que o casal Barreto foi parceiro do casal Geisel por 20 anos no jogo de biriba.

Barreto recebeu com tranquilidade a repercussão das revelações do livro de Gaspari. "Não se pode julgar Geisel nem a obra do Elio por um livro. A análise tem de ser feita em cima do todo. O que conta é que Geisel devolveu o país à normalidade democrática. Só não fez a anistia porque não quis. Mas a deixou pronta para o [João Baptista] Figueiredo fazer. O livro não desilustra a imagem dele como tenho lido por aí", disse Barreto à Folha, numa resposta velada à declaração do presidente do Senado, José Sarney, de que o livro frustra a imagem que tinha do quarto presidente do regime militar.

Gaspari revelou degravação de conversas de Geisel com o general Dale Coutinho, seu futuro ministro do Exército, a um mês de sua posse na Presidência. "Esse negócio de matar é uma barbaridade, mas tem que ser", afirma Geisel, em uma de várias demonstrações de que sabia da morte de opositores sob custódia do regime.

Barreto afirma que Amália Lucy, filha de Geisel, não recebeu com simpatia a forma com que a imprensa tratou o livro de Gaspari, destacando o apoio à repressão e minimizando, segundo ele, o projeto de distensão política.

"Disse a ela que não há demérito para o Geisel. A obra é muito mais histórica do que jornalística. O que o jornal diz amanhã embrulha peixe. O livro fica", diz.

"Na hora que o Geisel teve de brigar com a linha-dura, brigou. Como mostra o episódio da demissão do [ministro do Exército, Sylvio] Frota", declara.

"Houve gente que, mesmo na oposição, compreendeu isso. O Tancredo [Neves] ajudou muito. O Ulysses [Guimarães] atrapalhou demais. Não conseguia entender as dificuldades que ele tinha. A linha-dura do Exército entendia que o presidente era um preposto dela. Na demissão do Frota, se não tivesse feito as coisas com inteligência, teria sido deposto", afirma Barreto.

Continuidade

Trabalhando em funções públicas com Geisel desde 1969, quando o assessorou na Petrobras, até 1979, quando estava na direção da Caixa Econômica Federal, Barreto participou de articulações políticas, como o lançamento de Figueiredo como candidato à sucessão de 1979, contrapondo-se ao nome de Sylvio Frota, preferido pela linha-dura militar.

"A cada conversa que tínhamos, juntava as pedrinhas. Até por exclusão, a escolha batia no Figueiredo. A principal característica que procurava era alguém que continuasse a sua obra", diz.

Barreto conta o episódio em que começou a perceber como era a relação de Geisel e Figueiredo. O primeiro já havia sido escolhido candidato por Médici à sua sucessão e discutia quem seria o vice. Geisel não queria que fosse o almirante Adalberto Pereira dos Santos, como pretendia Médici.

"Eu quero um vice para valer. O Adalberto é homem direito, mas não é um homem para isso. Quero que, na minha falta, não haja crise nenhuma", disse Geisel, segundo o relato de Barreto.

Geisel reuniu-se no dia seguinte com Figueiredo, então chefe do Gabinete Militar da Presidência, na casa de Barreto. "O preferido do Geisel era o brigadeiro Araripe Soares, mas ele tentou contornar a indicação do presidente dizendo ao Figueiredo: "O Médici faz questão, porque, se dependesse de mim, o vice seria você".

Trecho

Veja, a seguir, um trecho do livro de Gaspari:

"O círculo de ferro afrouxava-se nos fins de semana. No Riacho Fundo, o pai [Geisel] desfrutava a companhia de seu melhor amigo. É impossível dizer se Humberto Barreto, aos 42 anos, era um amigo do presidente, de 66, ou a projeção recôndita do filho, que completaria 33 [se vivo fosse]. [...] Humberto e a mulher, Lilian, foram constante companhia nos fins de semana do casal Geisel. Em 1964, formado em direito, era tesoureiro da Caixa Econômica Federal. O general ajudou-o a conseguir a chefia do serviço de penhores e mais tarde levou-o para uma diretoria da distribuidora da Petrobras. [...] A principal qualificação de Humberto Barreto junto aos jornalistas decorreu do desembaraço com que criticava a censura e da sinceridade com que reconhecia a impossibilidade de sua suspensão imediata. [...] Transformaria um cargo inexpressivo num dos mais importantes postos da República"

sobre Humberto Barreto, nas págs. 417 e 418 de "A Ditadura Derrotada".
 

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