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23/01/2005
-
09h55
LILIAN CHRISTOFOLETTI
UIRÁ MACHADO
da Folha de S.Paulo
"Encaminhe o acusado ao ergástulo público." Com essa frase o juiz Ricardo Roesler determinou a prisão de um assaltante de Barra Velha, comarca de Santa Catarina. Dois dias depois, a ordem não tinha sido cumprida. Ninguém havia compreendido onde era o tal do "ergástulo", palavra usada como sinônimo de cadeia.
Quando Roesler descobriu que nem seus subordinados entendiam o que ele falava, decidiu substituir os termos pomposos e os em latim por palavras mais simples. Isso foi há 17 anos. Hoje, presidente da Associação dos Magistrados Catarinenses, ele é um dos defensores da linguagem coloquial nos tribunais.
Preocupada com o excesso de "juridiquês", a Ajuris (Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul) organizou um guia destinado a leigos para tentar desmitificar o jargão da Justiça. O presidente da entidade, Carlos Rafael dos Santos Júnior, tem estimulado os magistrados a participarem de debates em escolas com pais e alunos.
A idéia, encampada pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), é uma gota num oceano de discursos herméticos que tomam conta dos tribunais, onde o simples talão de cheque vira "cártula chéquica", o viúvo, "cônjuge supérstite", e a denúncia (peça formal), "exordial acusatório".
O presidente do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal, afirma que "o "juridiquês" é como latim em missa: acoberta um mistério que amplia a distância entre a fé e o fiel; do mesmo modo, entre o cidadão e a lei. Quanto mais complicada a linguagem, mais poder, porque menos gente entende". Para ele, "as decisões têm que ser acessíveis em todos os sentidos, inclusive no linguajar".
Para Sérgio Renault, secretário da Reforma do Judiciário, o exagero de linguajar "é uma forma de proteção, que afasta as pessoas da Justiça, faz com que o Judiciário fique inacessível e tem a ver com a preservação do monopólio do conhecimento. Intimida, distancia". Para ele, "a modernização também passa pela língua. Isso tende a acontecer com o tempo".
Mas não é só a população leiga que não compreende o "juridiquês". A fala rebuscada também dificulta o entendimento entre os próprios magistrados.
Em Itu, interior paulista, um homem preso pelo assassinato do empresário Nelson Schincariol foi solto após uma decisão ser interpretada de forma errada. Num texto ambíguo, um desembargador do Tribunal de Justiça determinou a manutenção da prisão. O juiz estadual entendeu o contrário. O acusado continua foragido.
Os erros mais freqüentes, segundo Carlos Velloso, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), ocorrem quando os advogados se manifestam em latim. "Algumas pessoas extrapolam e, como não conhecem o latim, vão perpetuando os erros."
Colecionador de expressões jurídicas pitorescas, o ministro do STF Marco Aurélio de Mello recebeu uma petição escrita em italiano, inglês e francês. "Pedi um novo texto e mencionei o Código de Processo Civil, que diz ser obrigatório o uso do vernáculo, considerados os vocábulos que são compreendidos por todos."
O juiz federal Novély Vilanova, autor de "O que não se deve dizer", afirma que o rebuscamento contribui para a morosidade. "Cada ciência tem a sua terminologia. Mas não se compreende, por exemplo, o uso de "remédio heróico" no lugar de mandado de segurança. Se o juiz não é claro, o advogado pede esclarecimentos e retarda o serviço jurisdicional."
Especial
Leia o que já foi publicado sobre juridiquês
Campanha ataca os abusos do "juridiquês"
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UIRÁ MACHADO
da Folha de S.Paulo
"Encaminhe o acusado ao ergástulo público." Com essa frase o juiz Ricardo Roesler determinou a prisão de um assaltante de Barra Velha, comarca de Santa Catarina. Dois dias depois, a ordem não tinha sido cumprida. Ninguém havia compreendido onde era o tal do "ergástulo", palavra usada como sinônimo de cadeia.
Quando Roesler descobriu que nem seus subordinados entendiam o que ele falava, decidiu substituir os termos pomposos e os em latim por palavras mais simples. Isso foi há 17 anos. Hoje, presidente da Associação dos Magistrados Catarinenses, ele é um dos defensores da linguagem coloquial nos tribunais.
Preocupada com o excesso de "juridiquês", a Ajuris (Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul) organizou um guia destinado a leigos para tentar desmitificar o jargão da Justiça. O presidente da entidade, Carlos Rafael dos Santos Júnior, tem estimulado os magistrados a participarem de debates em escolas com pais e alunos.
A idéia, encampada pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), é uma gota num oceano de discursos herméticos que tomam conta dos tribunais, onde o simples talão de cheque vira "cártula chéquica", o viúvo, "cônjuge supérstite", e a denúncia (peça formal), "exordial acusatório".
O presidente do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal, afirma que "o "juridiquês" é como latim em missa: acoberta um mistério que amplia a distância entre a fé e o fiel; do mesmo modo, entre o cidadão e a lei. Quanto mais complicada a linguagem, mais poder, porque menos gente entende". Para ele, "as decisões têm que ser acessíveis em todos os sentidos, inclusive no linguajar".
Para Sérgio Renault, secretário da Reforma do Judiciário, o exagero de linguajar "é uma forma de proteção, que afasta as pessoas da Justiça, faz com que o Judiciário fique inacessível e tem a ver com a preservação do monopólio do conhecimento. Intimida, distancia". Para ele, "a modernização também passa pela língua. Isso tende a acontecer com o tempo".
Mas não é só a população leiga que não compreende o "juridiquês". A fala rebuscada também dificulta o entendimento entre os próprios magistrados.
Em Itu, interior paulista, um homem preso pelo assassinato do empresário Nelson Schincariol foi solto após uma decisão ser interpretada de forma errada. Num texto ambíguo, um desembargador do Tribunal de Justiça determinou a manutenção da prisão. O juiz estadual entendeu o contrário. O acusado continua foragido.
Os erros mais freqüentes, segundo Carlos Velloso, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), ocorrem quando os advogados se manifestam em latim. "Algumas pessoas extrapolam e, como não conhecem o latim, vão perpetuando os erros."
Colecionador de expressões jurídicas pitorescas, o ministro do STF Marco Aurélio de Mello recebeu uma petição escrita em italiano, inglês e francês. "Pedi um novo texto e mencionei o Código de Processo Civil, que diz ser obrigatório o uso do vernáculo, considerados os vocábulos que são compreendidos por todos."
O juiz federal Novély Vilanova, autor de "O que não se deve dizer", afirma que o rebuscamento contribui para a morosidade. "Cada ciência tem a sua terminologia. Mas não se compreende, por exemplo, o uso de "remédio heróico" no lugar de mandado de segurança. Se o juiz não é claro, o advogado pede esclarecimentos e retarda o serviço jurisdicional."
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