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25/06/2005 - 09h55

Ministros têm de gastar "tudo", diz Dilma

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ELIANE CANTANHÊDE
Colunista da Folha
HUMBERTO MEDINA
da Folha de S.Paulo, em Brasília

Considerada "durona" e eficiente, a nova chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, avisa aos colegas ministros que não dá para ficar chorando falta de dinheiro e não usar o que está disponível. Ela considera seu "dever" fazer com que os recursos sejam usados no limite, "nem um tostão a menos", "nem um milímetro a menos".

Até agora, os ministros e os críticos reclamam que um superávit primário de 4,25% do PIB (Produto Interno Bruto) inviabiliza investimentos e políticas públicas, mas muitas áreas não usam o dinheiro que está disponível.

Dilma, que será a coordenadora administrativa do governo em 2006, ano em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve disputar a reeleição, diz que há muito o que mostrar e que Lula terá condições de avaliar diariamente seu governo.

O objetivo é enxugar ministérios, órgãos e grupos de trabalho. Ela, aliás, acha que grupo de trabalho é para funcionar, no máximo, "três, quatro, cinco vezes". Não é o que ocorre hoje.

Folha - O PMDB está reunido com o presidente para decidir quais são os ministérios do partido. Se quem vai "tourear" os novos ministros é a chefe da Casa Civil, por que a senhora não participa dessa reunião?

Dilma Rousseff
- Não acho que seja o caso de tourear ministros. Independentemente do partido do ministro, acho que é possível um excelente relacionamento. Alguns, inclusive, eu posso chamar de amigos, como o Ciro Gomes e o Celso Amorim. Geralmente, quem se credencia para ser ministro tem uma certa condição, uma certa capacidade. Prefiro achar que a função da Casa Civil é mais de articular ações. Eu preciso que o ministro desenvolva uma ação de qualidade, para a interface com os outros ministérios ser de qualidade.

Folha - Mas a senhora teve dificuldades, por exemplo, com a ministra Marina Silva, que, aliás, é do seu partido, na questão das hidrelétricas. A senhora queria rapidez, e a área ambiental retardava as decisões.

Dilma
- Aí é outra coisa. Há uma visão falsa de que coalizão é igual a desclassificação técnica, mas não se pode opor dois conceitos: o técnico e o político.

Folha - Daí o seu discurso de posse sobre a função política da Casa Civil, que algumas pessoas interpretaram mal...

Dilma
- Completamente errado. Não pode dissociar o técnico do político. O que é o padrão técnico? É o conhecimento objetivo, é a apropriação de instrumentos científicos quando for o caso e de instrumentos tecnológicos e um certo compromisso com o país. Ao mesmo tempo, eu não posso ter um técnico que, por exemplo, ache que a questão tarifária nada tem a ver com a renda da população. O conflito não é maléfico, ele pode ser virtuoso. São óticas diferentes que cada ministério tem que representar no governo. A minha ótica é de energia. Eu tenho que garantir o abastecimento do país. A ótica da Marina é de Meio Ambiente, tinha de defender a preservação ambiental. É dessa relação que pode emergir um consenso.

Folha - Mas agora mudou o patamar. A senhora é coordenadora, não é mais de igual para igual...

Dilma
- Eu vou ter que deixar que a ótica da energia seja defendida pelo ministro de Minas e Energia. Vou ter que ter objetividade suficiente para entender que as duas óticas têm que ser consideradas. Os aspectos políticos e técnicos são absolutamente essenciais e têm de estar juntos. Livrem-nos dos ministros só políticos, no sentido de que eles não entendem o que estão fazendo, e livrem-nos dos ministros técnicos, aqueles que pensam que entendem e que não levam em consideração os fatores fundamentais que a sensibilidade do país exige.

Folha - O ministro Eduardo Campos (PSB) por exemplo, entende de Ciência e Tecnologia? Está tecnicamente preparado?

Dilma
- Não precisa ser um técnico. Eu não sou uma engenheira elétrica, não puxo fio e não fui para a cadeia porque divergia de megawatts. Sou economista. Você tem é de saber que o setor que você está ligado tem uma lógica própria. Ninguém pode dirigir um ministério sem saber isso.

Folha - Como fica a discussão de Angra 3, com o Campos de um lado e a senhora de outro?

Dilma
- A minha posição sobre Angra 3 é aquela lá do Ministério de Minas e Energia [contrária à construção]. O posicionamento da Casa Civil é o do ministro anterior [favorável à usina]. Não pretendo falar enquanto ministra da Casa Civil neste caso. O que está feito está feito. Vai ser levado aos outros ministros e a decisão é do presidente.

Folha - O que muda na Casa Civil com a sua posse, nesse momento de crise política?

Dilma
- A Casa Civil até agora viveu um período de governo diferente do que o que começa hoje. Agora começa o período de governo em que nós estamos finalizando o nosso tempo, que são esses quatro anos de mandato do presidente. Estamos a um ano e meio do final do mandato. O ritmo disso é diferente.

Folha - Quais são os projetos prioritários?

Dilma
- Há vários. Eu vou citar uns quatro: interligação das bacias do São Francisco, as metas do Bolsa-Família, do Luz para Todos e da reforma agrária, mais o gasoduto Urucu-Coari-Manaus, as estradas...

Folha - O governo fez reuniões de horas e horas, com vários ministros, para definir investimentos e planos para a infra-estrutura, mas até hoje não tem uma política clara...

Dilma
- Pretendo levantar as metas e fazer todo um fecho do governo. Nós vamos divulgar as metas prioritárias, e o presidente vai fazer uma avaliação de todas elas. Todos os programas terão um acompanhamento sistemático diário da Casa Civil.

Folha - E as nomeações?

Dilma
- Esse ministério aqui não vai fazer indicação política para ocupar cargos. Esse ministério vai fazer dobradinha com outro ministério, o da Articulação Política, que é atualmente dirigido pelo ministro Aldo Rebelo. É nele que vão estar centralizadas todas as atividades concernentes à nomeações.

Folha - Uma crítica recorrente é que há uma profusão de grupos de trabalho. A senhora pretende dar uma enxugada nisso?

Dilma
- Nós vamos fazer a partir deste sábado [hoje] uma revisão do que é possível simplificar e o que é possível passar para outros ministérios. Vou dar prazo para alguns grupos de trabalho apresentar resultados. A idéia de um grupo de trabalho é que ele tenha duração muito curta. Ele dura três, quatro, às vezes cinco reuniões. Resolvido o problema, ele está extinto. O grupo de trabalho mais eficiente é o que dura pouco e apresenta solução.

Folha - Dirceu era acusado de centralizar muito. Até a crise da Varig estava dentro do Planalto. A senhora pretende fazer uma faxina e tirar algumas coisas?

Dilma
- É importante focar na atividade principal. O que não for relativo à Casa Civil, pretendo transferir.

Folha - O que, por exemplo?

Dilma
- Eu não tenho o menor interesse em ter a Varig dentro do ministério, e, ao que eu saiba, ela está na Defesa, atualmente. E tudo o que for mais afeito a outra área, o ministro da área assume a direção executiva e eu assumo o acompanhamento. O presidente está querendo muita limpeza em todos os ministérios. Está querendo juntar atividades, dar maior racionalidade à máquina, melhorar a qualidade. O presidente está falando muito em um projeto de redução.

Folha - Como promover políticas públicas com esse superávit primário estratosférico?

Dilma
- Executando o superávit definido. O governo definiu, e nós vamos fazer com que seja gasto no limite. Nem um tostão a menos. Isso é meu dever.

Folha - É um aviso? Muitos ministros reclamam de verbas, mas não usam as disponíveis?

Dilma
- Sou funcionária do governo e vou implantar a política do governo. E qual é ela? Superávit primário de 4,25%. Isso significa que farei todos os meus esforços para cumprir as prioridades definidas pelo presidente nesse limite, nem um milímetro a menos. Me perguntaram se o superávit do governo vai ser 5%. Não, não vai ser. Vai ser 4,25%. Nós iremos gastar nesse limite.

Folha - A senhora está técnica, mas é política. Como compatibilizar o projeto maior de reeleger o presidente com essa limitação orçamentária?

Dilma
- Eu acho que não há ministro que seja só técnico ou só político. Nós somos híbridos. 4,25% não é uma decisão técnica, é também uma decisão política. Por trás da palavra "técnica" está embutida uma valorização pseudocientífica e ninguém pode acreditar nisso, de que haja condições de ter um nível de cientificidade tal nas políticas públicas, que seja dado por uma super consciência técnica.

Folha - Aliás, há várias CPI's em discussão no Congresso e uma delas, dos Correios, está a todo vapor. Uma das suas funções é neutralizar os efeitos políticos delas mostrando trabalho?

Dilma
- Eu asseguro que tem uma quantidade inimaginável de trabalho para ser mostrado e que não é apresentado de forma clara. Então, o que é minha função? Pegar esse um ano e meio que falta e deixar claro quais são as obras prioritárias. Daqui a uns dois meses, mais ou menos, vai ficar límpido quais são as obras prioritárias do governo, o que nós realizamos, o balanço do governo. Vou tentar levar esse balanço ao conhecimento de todo mundo, para dar instrumentos ou para nos criticar, ou elogiar ou ficar por isso mesmo. Isso é fundamental para o governo. Esse país não tem risco de apagão, todo mundo sabe disso. Mas onde isso está escrito?

Folha - Quando Dirceu falou na posse em "companheira de armas", isso foi bom ou ruim?

Dilma
- Isso é a vida. Foi assim. Eu não vou esconder o que eu fui e não tenho uma avaliação negativa. Acho que ele quis ser afetivo comigo. Tenho uma visão bastante realista daquele período. Eu tinha 22 anos, o mundo era outro, o Brasil era outro. Muita coisa a gente aprendeu. Não tem similaridade o que eu acho da vida hoje.

Folha - O que a senhora mais aprendeu?

Dilma
- Como é que a gente às vezes acha que está certo e pode estar equivocado. Exemplo: a análise que a gente fazia da ditadura militar, que estava em crise econômica e que a crise era geral. Isso em 1968, início do "boom". E aprendi a aguentar derrota, que é uma coisa difícil de agüentar.

Folha - Uma coisa que se diz de todo o governo é que o presidente fica no palácio, cercado de assessores dizendo que está tudo maravilhoso. O que se diz do atual governo é que, além disso, há muita arrogância. Vindo de fora do palácio, um dos seus papéis pode ser o de advogado do diabo?

Dilma
- Olha, eles falam mal de mim também, viu?

Folha - Eles quem?

Dilma
- Falam que eu sou durona, autoritária. Mas falam também, e eu acho fantástico, que eu escuto, que eu negocio, que aceito quando me derrotam na argumentação. Não concordo que o governo tenha o nariz em pé, de forma generalizada. Há algumas simplificações que são armas. Governar, e principalmente governar tentando promover mudança, é algo muito difícil. Porque há toda uma força de permanência que te segura. Governar um país como o nosso não é uma trivialidade. As pessoas, às vezes, confundem uma certa consciência do tamanho das dificuldades com nariz em pé.

Folha - Qual o tamanho da crise política?

Dilma
- O país evoluiu. A democracia é não só o direito de falar, mas a resistência das instituições. Quando você tem conflitos, problemas, acusações ou processos que a sociedade acha que têm que ser investigados, no passado você definiria isso como crise catastrófica. Levava um governo a debate. Hoje, não. É possível ter uma CPI e não precisar chamar de crise política, ter o governo funcionando, o Congresso debatendo, as pessoas que têm que ser interrogadas sendo interrogadas, a Polícia Federal fazendo as investigações, sem cair a República. Pode ser crise para um, dois, três, quatro ou cinco, mas não é crise para todos nós.

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