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23/08/2004 - 06h34

Preguiça gigante tinha artrite, revela exame

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CLAUDIO ANGELO
da Folha de S.Paulo

Desenvolver artrite e infecção grave nos ossos é uma coisa doída. Quando o paciente tem quatro metros de altura e três toneladas de peso, então, deve ser literalmente a morte. Um grupo de pesquisadores do Rio Grande do Sul recentemente diagnosticou a doença numa preguiça gigante, um mamífero extinto que habitou o Estado há cerca de 12 mil anos.

Um pedaço fossilizado da tíbia direita do animal apareceu numa praia no município de Santa Vitória do Palmar, perto da fronteira com o Uruguai, e foi parar nas mãos de Jorge Ferigolo, da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul. Especialista em paleopatologia --o estudo de sinais de doença em fósseis--, Ferigolo quase não acreditou quando terminou de examinar o osso: o animal tinha deformações típicas de uma osteomielite (infecção óssea) grave, que provavelmente afetou a articulação do pé.

"Eu nunca tinha visto um caso assim", contou o pesquisador à Folha. "É difícil ter isso preservado, porque a doença deixa os ossos frágeis e eles se perdem."

Não deveria ser algo bonito de ver: a tíbia tem preservados um grande abcesso, área de tecido ósseo corroída pela infecção, pelo menos um sinal de fratura e buracos por onde saía pus. Segundo o paleontólogo, isso implica que o "paciente" provavelmente tinha feridas purulentas na pele.

Também há sinais de que o pus tenha vazado para dentro da articulação com o astrágalo, um dos ossos do pé. Articulação, aliás, deformada pela artrite e maior do que o normal. "Você quase pode sentir a dor que esse pobre animal teve em vida", diz Ferigolo.

Bactérias assassinas

O cientista gaúcho, que apresentou com mais quatro colegas o diagnóstico do mamífero pré-histórico num simpósio em Rio Claro (interior paulista), em julho, diz que a doença certamente afetou a locomoção da preguiça e sua alimentação. Embora seja impossível afirmar só com base em um pedaço de osso, a infecção talvez tenha matado o gigante.

A osteomielite da preguiça terrestre (animal da família dos milodontídeos) pode ter tido várias causas: um ferimento na pele --talvez uma mordida de predador-- que se alastrou pelo osso, uma fratura exposta que causou a contaminação do tecido ósseo por bactérias ou até uma cárie.

"Em humanos, em muitos casos, bactérias na boca passam para o sangue e afetam os ossos", diz Ferigolo. Uma vez instalada, a infecção vai destruindo o osso e a medula óssea, produzindo os abcessos. Quando afeta articulações, os ossos podem se fundir. Se ela se espalha muito, a corrente sangüínea recebe uma sobrecarga de bactérias e o doente pode morrer de septicemia.

Detectar traços de doença em animais pré-históricos é uma questão de muita sorte. É difícil ver restos desses animais preservados, e mais difícil ainda ter o sinal certo no osso certo. O milodontídeo gaúcho só teve sua ficha médica preenchida porque o osso afetado foi uma tíbia, que é densa e resistiu por 12 mil anos.

Mais sorte ainda quando se considera que esses 12 mil anos foram passados debaixo d'água: no final do Pleistoceno, Período geológico em que o animal viveu, o nível do mar era mais baixo devido à extensão das calotas polares (daí essa época também ser conhecida como Era do Gelo). O esqueleto da preguiça gigante, portanto, fossilizou onde hoje é o oceano.

O Pleistoceno gaúcho também está dando outras raridades aos paleontólogos. Ferigolo diz ter em seu laboratório um fêmur de outra preguiça gigante com cinco marcas paralelas de corte, feitas pelos dentes da mandíbula de um tigre-dente-de-sabre. Para o cientista, o fato de as marcas não terem sido feitas com os dentes superiores pode apoiar a hipótese de que o felino não era um caçador, mas um comedor de carniça.

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