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05/06/2005 - 09h03

Com 3 artigos, Einstein reinventa luz, tempo, espaço e natureza da matéria

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MARCELO GLEISER
Colunista da Folha

Em 1905, um obscuro físico de 26 anos, dividindo seu tempo entre a filha recém-nascida e um emprego como examinador de patentes de terceira classe em Berna, na Suíça, publicou uma série de artigos que revolucionaram a física.

São cem anos desde o "ano miraculoso" de Einstein e 50 desde a sua morte. Em 2005, o Ano Mundial da Física, o mundo celebra a vida e obra desse homem que simboliza a imagem do "gênio" na cultura popular, eleito pela revista "Time" o "homem do século".

É irônico que o nome Einstein invoque a visão de um velho bonachão e excêntrico, de cabelos brancos despenteados, rosto enrugado e olhos melancólicos, completamente diferente do jovem de 26 anos determinado a deixar sua marca na ciência. Este é o Einstein que nos interessa, amante de longas discussões em bares com amigos, entusiasta da música, charmoso e bem-apessoado, rebelde e irreverente.

Uma das características da personalidade de Einstein era sua aversão à autoridade imposta. Um de seus professores de ensino médio previu que "Herr Einstein não vai dar em nada".

Einstein recebeu seu diploma pelo Instituto de Tecnologia de Zurique em 1900 e apenas em 1902 conseguiu sua posição como examinador de patentes. Durante noites mal-dormidas e intervalos em seu trabalho, Einstein iria arquitetar a nova física do século 20.

Se a atitude iconoclasta prejudicou sua busca por uma posição acadêmica, foi imprescindível para a sua ciência: o jovem Einstein estava determinado a injetar sangue novo na física, mesmo que isso significasse criticar a venerável estrutura da ciência de seus dias.

A ciência em crise

As duas últimas décadas do século 19 foram difíceis para os físicos. Uma após outra, descobertas experimentais questionavam o saber da época. Três delas estão diretamente ligadas aos artigos que Einstein publicou em 1905.

Em 1887, o grande físico alemão Heinrich Hertz mostrou que a luz era uma onda eletromagnética, conforme havia previsto James Maxwell. Ficou claro também que a luz visível representa apenas uma pequena fração do amplo espectro de ondas eletromagnéticas. Outras incluem a radiação infravermelha, a ultravioleta e os raios X. Se toda onda é a propagação de uma perturbação através de um meio material --as ondas do mar propagam-se na água, as de som, no ar--, a luz também deveria ter o seu meio. Maxwell e outros sugeriram que a luz fosse ondulações no éter, um meio invisível que permearia todo o cosmo.

Se o éter existe, deveria ser detectável. Em 1887, os americanos Albert Michelson e Edward Morley desenharam um experimento para demonstrar a existência do éter. A idéia era simples: imagine que você esteja em um carro conversível em um dia sem vento. Se o carro não anda, você não sente nada. Quando o carro começa a se mover, você sente o vento contra. Quanto maior a velocidade do carro, mais forte o vento. Se você atirar uma bola contra o vento, sua velocidade será afetada por ele: quanto maior ela for, menor a velocidade da bola.

No experimento de 1887, o carro era a Terra e a bola, um raio de luz. Se o éter existe, quando a luz apontar na direção do movimento da Terra em torno do Sol, sua velocidade será menor do que na direção perpendicular ou em qualquer outra. Para a surpresa de todos, o experimento não detectou qualquer diferença nas duas direções. A velocidade de propagação da luz era a mesma, cerca de 300 mil quilômetros por segundo. Será que o éter não existe? Ou será que a teoria da luz como onda está errada?

No mesmo ano em que mostrou que a luz é uma onda eletromagnética, Hertz descobriu outro efeito intrigante: certos tipos de luz podem fazer faíscas elétricas saltarem de placas metálicas. Hertz inicialmente achou que apenas a luz ultravioleta poderia causar o efeito, que mais tarde ficou conhecido como efeito fotoelétrico. Por exemplo, luz amarela ou vermelha, de freqüências menores do que as da azul e ultravioleta, não provocam faíscas. Vários cientistas tentaram inutilmente explicá-lo usando a teoria de Maxwell. Mais uma vez, o laboratório passava a perna nas teorias da época. A solução que Einstein propôs para resolver o mistério, a única que considerou "revolucionária" em sua vida, lhe valeu o Prêmio Nobel de 1921.

O terceiro desafio para os físicos veio da botânica. Em 1827, o inglês Robert Brown observou que grãos de pólen boiando em água movimentam-se em um misterioso ziguezague como se estivessem sendo quicados por forças invisíveis. Brown chegou a suspeitar que seu achado tinha algo a ver com o enigma da vida. Mas suas suspeitas iniciais foram rapidamente desfeitas quando observou que grãos de matéria inanimada, incluindo pedaços minúsculos de diversas rochas e até amostras provenientes da Esfinge egípcia, dançavam tão animadamente quanto os grãos de pólen.
Dois padres franceses sugeriram que o ziguezaguear tinha algo a ver com a natureza atômica da matéria, mas nada de concreto foi proposto. Na época, não se aceitava que a matéria fosse feita de átomos. Alguns desconfiavam que átomos existiam, mas outros, como o influente Ernst Mach, alegavam que, sendo a física uma ciência empírica, apenas aquilo que pode ser medido e detectado pode existir. Como átomos não podiam ser vistos, sua existência não poderia ser confirmada. A razão do "movimento browniano" continuou desconhecida.

O 1º ARTIGO: PACOTES DE LUZ

No dia 17 de março de 1905, o prestigioso periódico "Annalen der Physik" (Anais da Física) recebeu um manuscrito com um título peculiar: "Sobre um ponto de vista heurístico concernindo a geração e conversão de luz".
Segundo o Aurélio, "heurístico" é um conjunto de regras que visa à resolução de um problema. A essa definição deve-se adicionar que as regras não têm uma justificativa; são, no senso coloquial, um "chute". Qual foi o chute de Einstein? Que a luz não se comporta sempre como onda; sob certas condições, pode ser vista como sendo composta por pequenos pacotes, ou "quanta", o plural de quantum (do latim "indivisível").

O conceito de quantum é familiar; por exemplo, o quantum do sistema monetário brasileiro é o centavo. Com a luz ocorre o mesmo. Cada cor, cada freqüência tem o seu quantum, que mais tarde ficou conhecido como fóton. Quando átomos absorvem ou emitem luz, o fazem absorvendo ou emitindo fótons.

Einstein teve a coragem de aplicar à luz a idéia de quantum, proposta cinco anos antes por Max Planck para explicar como átomos recebem ou emitem energia.

Sua explicação do efeito fotoelétrico era simples: imagine uma mesa com bolas de tênis espalhadas pela sua superfície. As bolas de tênis são os elétrons na placa metálica. O fóton seria outra bola, atirada contra a superfície. Fótons com energias altas o bastante podem arrancar um elétron da placa. Ao perder um elétron --de carga negativa--, a placa fica com uma carga positiva, explicando sua eletrificação. Se a bola for atirada com pouca energia, não poderá arrancar outra da mesa. Isso é o que ocorre com a luz amarela ou vermelha. Já os fótons ultravioleta, cheios de energia, colidem com os elétrons, atirando-os longe. Com sua idéia, Einstein propõe a quantização da luz, indo contra os ensinamentos da época. A luz passou a ser tanto onda como partícula, sua natureza uma testemunha da bizarra natureza do mundo do muito pequeno.

O 2º ARTIGO: ÁTOMOS SÃO REAIS

O segundo artigo, recebido pelos "Anais da Física" no dia 11 de maio, tratava do movimento browniano. Mais uma vez, Einstein propõe uma solução iconoclasta. Segundo ele, o ziguezaguear das partículas de pólen e outras se dava devido a constantes colisões com as moléculas do líquido. Einstein obteve uma fórmula em que calculava a variação da posição da partícula em suspensão em função do tempo, mostrando como ela dependia do tamanho da partícula e da temperatura e viscosidade do líquido.

Seu argumento era baseado explicitamente na existência real das moléculas do líquido e na taxa de colisão entre elas e as partículas em suspensão. Em 1908, o francês Jean Perrin confirma espetacularmente a fórmula de Einstein e a existência de um mundo invisível repleto de moléculas e átomos em colisão constante.

O 3º ARTIGO: A RELATIVIDADE

Quando garoto, com 16 anos, Einstein teve uma das suas muitas visões criativas: o que veria se pudesse cavalgar ao lado de uma onda de luz? Essa pergunta, baseada na questão do movimento relativo (dele e da onda), fermentou durante dez anos em sua cabeça. Quando a onda não é de luz, a coisa é simples: se tivermos a mesma velocidade, veremos a onda estática, como é do conhecimento de todo surfista. Mas o eletromagnetismo de Maxwell proibia isso.

O que fazer? Abandonar a sólida teoria de Maxwell parecia inviável. Einstein novamente propõe algo extraordinário: a luz é diferente de tudo o que existe. Nada pode viajar mais rápido do que ela. E ela tem sempre a mesma velocidade, independente da velocidade de sua fonte.

Como assim, pergunta o leitor? E a história do éter? A conseqüência imediata da idéia de Einstein, que chamou de princípio da constância da velocidade da luz, é que o éter não existe: a luz não precisa de meio material para ondular.

Einstein foi além. Para falar de movimento, a mudança da posição de um objeto no espaço, é preciso definir tempo e espaço. Na época, todos aceitavam os conceitos newtonianos de espaço --a arena inerte onde as coisas acontecem-- e de tempo --sempre fluindo igual para todos.

Einstein mostrou que dois observadores em movimento relativo discordam do que seja um metro ou um segundo: objetos encolhem na direção de seu movimento e o tempo passa mais devagar. Quanto mais rápida a velocidade do objeto, menor ele parece; quanto mais rápido o relógio, maior o intervalo entre um tique e um taque. Não vemos carros encolhendo nas ruas ou relógios atrasados após uma viagem porque os efeitos previstos por Einstein só são perceptíveis a velocidades próximas à da luz.

É comum falar que a teoria da relatividade diz que "tudo é relativo". Na verdade, a teoria é baseada em um absoluto --a velocidade da luz. O que é relativo é nossa percepção da realidade. Einstein deu maleabilidade ao espaço e ao tempo, destruindo sua rigidez. Fez com a física o que Picasso e Braque fizeram com a pintura.

O primeiro artigo sobre relatividade foi recebido pelos "Anais da Física" no dia 30 de junho. Em 27 de setembro Einstein envia outro, onde deriva sua famosa fórmula E=mc2: matéria contém energia (e muita, devido à enorme velocidade da luz, o c da fórmula) e energia pode gerar matéria. Uma conseqüência disso é que processos nucleares podem converter matéria em quantidades enormes de energia. Esse é o princípio da geração de energia do Sol ou da fissão nuclear das bombas atômicas. Toda grande descoberta tem um lado um luz e um lado sombra.

Qualquer um desses resultados traria glória imortal ao seu autor. Que tenham sido propostos no mesmo ano pela mesma pessoa é mesmo algo meio miraculoso. Einstein redirecionou a física de sua época. Um de seus ídolos era Michael Faraday, o pioneiro cujos experimentos permitiram a Maxwell obter as equações do eletromagnetismo. Faraday escreveu que "nada é tão maravilhoso que não possa existir, se admitido pelas leis da natureza". Einstein foi o mago que nos permitiu vislumbrar algumas dessas maravilhas.

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