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05/08/2001 - 11h49

Cientistas buscam testes para verificar como a acupuntura funciona

da "New Scientist"

Uma agulha fina fura a pele. O que acontece em seguida depende da pessoa a quem você faz a pergunta.

Um praticante chinês tradicional dirá que a acupuntura manipula a energia vital do corpo, o qi (pronuncia-se "qui"), balanceando as forças opostas -yin e yang. Quando o yin e o yang estão em harmonia, o qi flui harmonicamente por "caminhos" chamados meridianos, e você se sente saudável. Quando o qi é bloqueado, você adoece. Inserir agulhas em determinados pontos de um meridiano desbloqueia o qi e restaura o equilíbrio do corpo.

Cientistas ocidentais explicariam o fenômeno de forma diferente. Para eles, colocar agulhas em certos pontos do corpo estimula o sistema nervoso a liberar substâncias similares à morfina, que bloqueiam sinais de dor. A acupuntura ainda pode disparar a liberação de neurotransmissores, que influenciam o sistema circulatório e a defesa imunológica do organismo.

Desde que a acupuntura chegou ao Ocidente, tenta-se substituir o misticismo por fatos concretos. Mas os estudos científicos só produziram uma decepcionante mistura de resultados que parece não satisfazer as dúvidas de estudiosos e usuários.

De início, os médicos acharam que o tratamento fazia sentido devido a uma teoria sobre dor chamada "gate control" ("portão do controle"): as agulhas estimulavam fibras nervosas que transmitem impulsos de dor e isso, de alguma forma, interrompia ou bloqueava os sinais de dor mais severos. Mas essa teoria não explicava direito como os efeitos da acupuntura podiam durar depois que a agulha era removida.

A primeira tentativa bem-sucedida de colocar a acupuntura num estudo científico aconteceu em 1976, quando Bruce Pomeranz, um neurocientista da Universidade de Toronto (Canadá), descobriu que ela funciona como um analgésico, detonando a liberação de endorfinas -os analgésicos naturais do corpo.

Pomeranz notou que a tolerância dos ratos à dor aumentava facilmente após sessões de acupuntura e que era possível bloquear o efeito analgésico injetando nos ratos naloxone, uma substância que impede que a endorfina chegue às células nervosas.

Quando a agulha é inserida no músculo, ela estimula fibras nervosas que, por sua vez, enviam impulsos ao mesencéfalo e ao hipotálamo. Nessas regiões do cérebro, a mistura de endorfina com outras substâncias similares à morfina bloqueia a dor quando liberada. Vinte e cinco anos depois, mais de 2.000 experimentos ao redor do mundo atestaram a teoria da endorfina.

Dores

Estudos mais recentes tentam encontrar outras finalidades para a acupuntura, usada no Ocidente principalmente no tratamento de dores de coluna, de cabeça e artrite. Ji-Sheng Han, diretor de pesquisa de neurociência da Universidade de Pequim, utilizou as agulhas para ajudar viciados em heroína.

Han colocou agulhas no "hoku point" -o pedaço musculoso de pele entre o polegar e dedo indicador- com 100 Hz por 30 minutos por dia, durante duas semanas. Sintomas como náusea e aumento do batimento cardíaco costumam aparecer no viciado após a retirada da droga, ele diz, e a dinorfina pode ajudar a aliviá-los.

Cerca de duas semanas depois vem o estágio de ânsia ou fase crônica, que pode ser interminável. Han descobriu que a compulsão pela droga diminuía em pessoas tratadas com 2 Hz. Isso estimula a liberação de endorfinas, que agem de um modo similar à morfina e à heroína, diz ele. "Não é o suficiente para proporcionar o mesmo prazer que a droga, mas faz você se sentir bem melhor."

Até agora, as descobertas de Han não foram confirmadas em outros laboratórios -e a técnica não se mostrou eficaz para quem tentava largar o cigarro. Mas Han acha que os resultados positivos de seu estudo deveriam encorajar mais testes. Usada da maneira correta, a acupuntura poderia atingir efeitos positivos não apenas quando o objetivo diz respeito à dor.

Outro aspecto pesquisado é por que a acupuntura não funciona em alguns pacientes, mesmo que eles acreditem em seus efeitos. De acordo com Han e outros, assim como com as drogas convencionais, algumas pessoas respondem naturalmente, enquanto outras não, por causa de sua formação genética.

Han mediu a liberação de substâncias analgésicas, entre elas a morfina e a codeína, em dez pacientes depois de eles receberem baixa e alta frequência de eletroacupuntura. A metade respondeu aos 2 Hz de frequência, enquanto nove responderam aos 100 Hz. Em outras palavras, a mesma pessoa pode produzir dinorfina, mas não encefalina (peptídeos liberados pelo sistema nervoso central, que agem como analgésicos). Han suspeita que as pessoas que não têm resposta alguma podem ter alguma deficiência em um dos três tipos de receptor desses "analgésicos" -elas produzem a química, mas não reagem a ela.

Outro fator que pode alterar o efeito da acupuntura é o local onde as agulhas são inseridas. A tradição chinesa usa mapas detalhados de toda a extensão dos meridianos para demarcar a área a ser tratada.

Estudos recentes de mapeamento do cérebro atestam a idéia de que diferentes regiões do corpo têm alvos específicos. Zang Hee Cho, radiologista da Universidade da Califórnia, descobriu que estimular um certo ponto no dedinho do pé -usado para tratar problemas de visão- desencadeia atividade no córtex visual do cérebro. Em outro estudo, ele descobriu uma relação entre pontos da orelha e o córtex auditivo.

Cho considera estar descobrindo novos caminhos neurológicos que não eram visualizados antes. "Os meridianos eram uma ferramenta para explicar a acupuntura antes que nós entendêssemos como o sistema nervoso funciona." Seu último estudo com os cérebros de 30 voluntários que tinham agulhas nos pés indica que os sinais alcançam certas regiões do cérebro, assim como partes que têm a ver com os pés.

Entende-se que essas áreas são importantes para determinar como reconhecer a dor. A endorfina bloqueia a dor na espinha dorsal, impedindo que sinais da área danificada cheguem ao cérebro, mas o estudo de Cho sugere que a acupuntura poderia bloquear a percepção da dor no cérebro.

Placebo

Por mais promissores que esses estudos sejam, a acupuntura ainda precisa se provar clinicamente.

Estudos que tentaram explicar o efeito placebo descobriram que eles podem agir no sistema da endorfina também e podem ser bloqueados pelo naloxone. Além disso, crer em alguma coisa pode ativar o cérebro diretamente. Então, o que esses estudos estão nos mostrando são promissores placebos?

Adrian White, pesquisador de acupunturada Universidade de Exeter (Reino Unido), diz que isso não significa necessariamente que nós devemos desistir da técnica. Parte do problema poderia partir da dificuldade de criar um experimento que compare o efeito placebo contra o efeito real -um experimento em que nem o paciente nem o médico estejam certos do tipo de tratamento recebido/receitado.

Outras dificuldades são a impossibilidade de descobrir se foi feito um diagnóstico ocidental ou oriental, variações na escolha de pontos de acupuntura e o fato de os experimentos não durarem mais do que um tratamento tradicional. Como diz Jeanette Ezzo, epidemiologista da Coligação Nacional do Câncer dos EUA: "Pode-se jogar fora 95% dos estudos porque eles são mal formulados e têm pouca expressão".

Uma nova agulha-placebo vai mudar isso, afirma White. A agulha tem um bloqueador na ponta e um tubo plástico ao redor do eixo, mas não chega a perfurar a pele. "Agora temos um placebo de verdade", diz. O porém é que ele só vai funcionar em pacientes "virgens" em acupuntura.

Talvez tão importante quanto a agulha-placebo seja a abordagem terapêutica. Nós não só tiramos a acupuntura do Oriente; nós tiramos o Oriente da acupuntura. Recuperando um pouco do misticismo -ervas e agulhas em certos pontos para determinados sintomas no lugar de queixas gerais no caso de cansaço, por exemplo-, a técnica chinesa poderia sair da sombra das experiências ocidentais e mostrar que funciona.

Cho acredita na abordagem holística e inclui diagnóstico tradicional e ervas medicinais em seu tratamento.

O que já se sabe

- Efeitos positivos em casos de:

  • Náusea causada pela quimioterapia e por anestesia
  • Dor de dente pós-cirurgia
  • Dor de cabeça
  • Tratamento de viciados em drogas
  • Cólicas menstruais
  • Algumas dores musculares
  • Dor na coluna
  • Artrite
  • Asma

    - Efeitos colaterais

  • Desmaios
  • Tonturas
  • Infecções e dor no local das picadas

    Fonte: NIH (Institutos Nacionais de Saúde dos EUA)
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