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REFLEXÃO


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educação
09/07/2005
II Reunião do Fórum Hemisférico Educacional debate valorização do professor

Por que as crianças e jovens não estão aprendendo nas escolas públicas? Por que as escolas públicas não estão ensinando às crianças e jovens com suficiência?

Tendo como pano de fundo a herança de um sistema político e econômico gerador de injustiça social, podemos considerar alguns elementos importantes para analisar essas questões que são faces de uma mesma moeda: a baixa qualidade dos resultados dos sistemas educacionais no Brasil, muito especialmente do ensino público.

É comum atribuir-se os baixos resultados da escola pública ao nível sócio-econômico das famílias que condenaria o aluno pobre a fracassar na escola.

Outra visão atribui às diferenças entre redes de ensino a responsabilidade pela qualidade da aprendizagem dos alunos. Daí, portanto, a expectativa de que os alunos da rede pública serem mais “atrasados” do que os da rede particular e do desempenho inferior na rede pública do profissional que é também professor da rede particular.

Outra visão, ainda, considera a baixa renda dos estados e do país como um fator determinante da baixa qualidade dos sistemas educativos.

Analisando-se os dados do SAEB é possível explicar o desempenho escolar considerando essas (e outras) ordens de fatores. Seja o empobrecimento de países subdesenvolvidos, seja a escola fragilizada enquanto instituição ou, ainda, os problemas que afetam os alunos pobres e suas famílias, todos são elementos passíveis de análise. Ao tempo em que são evidentes as correlações entre desempenho dos alunos e cada um desses aspectos, constata-se também que nenhum deles é absoluto e as relações estabelecidas não são lineares.

Se, por um lado, existem fatores extra-escolares que explicam uma parte considerável do desempenho escolar (existe, sem dúvida, uma forte correlação entre o desempenho do aluno e a condição sócio-econômica de sua família), por outro lado não se pode atribuir à pobreza do país ou dos alunos o fato da maioria deles não conseguir um desempenho mínimo de acordo com padrões estabelecidos por série. Tem-se exemplos de alunos em condições sócio-econômicas desfavoráveis que alcançam bons resultados. Por outro lado, se a fragilidade da escola pública é um fator relevante, os dados do SAEB mostram que existem consideráveis diferenças entre escolas da mesma rede. E essa diferença nos resultados pode ser também constatada entre países que se assemelham pela condição econômica precária.

Na verdade, apesar de todos esses fatores terem relevância na rede de interações que geram os produtos dos sistemas educacionais e das escolas, nenhum deles tem, em si, um caráter impeditivo do sucesso. Portanto, a condição econômica desfavorecida não conduz necessariamente os alunos ao fracasso. Isto não minimiza o grande desafio que representa a construção de sistemas públicos de qualidade, mas põe em cheque uma cultura de fracasso escolar que a priori penaliza grande parte da população de crianças e jovens.

Direcionando o foco da análise sobre a qualidade da educação para as questões intra-escolares, depara-se com um dos mais fortes elementos a que se atribui a responsabilidade pelos resultados de aprendizagem dos alunos (aqui entende-se resultado de aprendizagem como a principal referência de qualidade educacional): o desempenho do professor.

O discurso sobre a influência do professor na qualidade educacional oscila entre duas grandes tendências. Por um lado, o papel do professor dilui-se no contexto de muitas dificuldades tão propaladas no meio educacional. Ao professor (sujeito) sobrepõem-se os baixos salários, as precárias condições de trabalho, a falta de reconhecimento, a impossibilidade de uma carreira motivada. O professor, portanto, não teria as mínimas condições objetivas de responder com competência às demandas de seu ofício. Em outras palavras, mediante tais condições desfavoráveis, não seria factível ter expectativas positivas acerca do desempenho do professor.

Por outro lado, credita-se ao professor (e ao seu talento, dedicação, vocação) a salvação do aluno. Discursos como “tudo depende do professor”, ou ainda, “se o professor for bom, o resultado do aluno é satisfatório” estão, freqüentemente, “na boca” de dirigentes de sistemas, de diretores de escolas, de professores das universidades. “Ser bom” é entendido como uma particularidade, não havendo escolha para os que não são contemplados com este atributo.

A imagem do professor também oscila, portanto, entre o “coitadinho” a quem os sistemas impedem de ser competentes; e o “vilão” que com seu despreparo, descompromisso e desmotivação condena o aluno ao fracasso (se ele fosse bom, tudo estaria resolvido).

Que outro fio (de Ariadne?) pode-se puxar para evitar essas visões que terminam por configurar-se em armadilhas imobilizadoras posto que, de um jeito ou de outro, não há muito a se fazer.

É verdade que existem professores a quem as condições externas desfavoráveis parecem não afetar fortemente. Ou ainda, é como se esses professores demonstrem a capacidade de aproveitar bem os insumos oferecidos, o que para a maioria parece tão insuficiente. Quase que independente de onde estejam, apresentam resultados satisfatórios, aferidos pela medida de aprendizagem dos alunos.

Mas o que revela o panorama educacional? Temos quase 100% de crianças e jovens na escola, mas eles não estão aprendendo. O índice de abandono diminuiu, mas o absenteísmo é altíssimo. Os indicadores mostram um movimento de correção de fluxo, mas a principal torneira de onde jorra o problema está aberta porque os alunos não estão se alfabetizando na idade certa. A verdade está aí, diante dos olhos, dentro das escolas, revelada nos resultados das avaliações nacionais, nos indicadores sócio-econômicos. A verdade está na “normalidade” de uma criança de 6 anos terminar o ano letivo sem realizar os primeiros atos de leitura e escrita com autonomia e continuar assim na 1ª, 2ª, 3ª, 4ª série do ensino fundamental, comprometendo irreversivelmente o seu processo de escolarização.

A verdade está na “normalidade” de um aluno de 8ª série ler e escrever como um aluno de 4ª e, ainda assim, num nível abaixo do crítico. A verdade está na absoluta falta de competitividade do aluno de 3º ano médio das escolas públicas nos vestibulares e em outros exames que lhe abririam portas para o seu crescimento intelectual e social.

Colado a essa realidade, pode-se construir com brevidade um perfil de um professor que revela um desconhecimento (no mínimo, parcial) do próprio objeto de ensino, assim como dos fundamentos pedagógicos que alicerçam o processo de ensino/aprendizagem; sendo ainda detentor de uma formação geral sofrível, além de outras insuficiências.

No entanto, um sistema não pode ser refém das singularidades dos “bons” professores. Ainda que eles possam exercer uma influência benéfica aos seus pares imediatos, não são esses talentos que garantirão a elevação da qualidade da educação nos sistemas públicos. Nem tampouco deve render-se à suposta “incompetência funcional” de professores, como se somente dela fosse a responsabilidade da “conta a pagar” por tão profundas marcas de ineficiência dos sistemas educacionais públicos no Brasil.

É absolutamente imprescindível que se reafirme a importância do papel do professor como protagonista da relação de ensino-aprendizagem. É o professor que “atua” o projeto pedagógico, através dos procedimentos metodológicos de ensino, acompanhamento e avaliação. É o professor que “fala” o mundo durante as aulas e pode, assim, contribuir muitíssimo para a ampliação das perspectivas de visão do aluno. Em certa medida, é também ao professor que cabe a mobilização do desejo do outro (aprendiz); e, no final das contas, aprende-se pelo desejo e por amor a alguém.

No entanto, é a vez de inseri-lo no circuito mais amplo que compõe os sistemas educacionais públicos. Chama-se “à ordem” todas as instâncias envolvidas e que respondem (cada uma por seu quinhão) pela absoluta falta de responsabilização pelos resultados do ensino público: dirigentes políticos, gestores, professores, pais e instituições formadoras de profissionais.

Ao tempo em que identifica-se o professor (e seu desempenho) como um elo dessa cadeia, cuida-se para não perder a dimensão do professor/sujeito, que deverá responder pela parte que lhe cabe. Esse seria, então, o primeiro passo (se fosse factível estabelecer essa sucessividade) para uma ação de valorização do professor: a responsabilização.

O sentido de valorização do professor está diretamente vinculado aos resultados obtidos em seu trabalho. Isso requer, por parte da gestão, o estabelecimento de metas claras, ancoradas em prioridades bem definidas.

Estando o professor ciente dos resultados esperados (inclusive por ele mesmo) é necessário que lhe sejam garantidos os insumos. Definir metas “por decreto” e deixá-los à própria sorte resultaria somente em frustração.

Dentre os insumos importantes, merece ênfase o estabelecimento de processos de capacitação bem focados nos programas de ensino, a garantia de materiais necessários à implementação da proposta pedagógica e a construção de espaços de valorização e socialização das boas práticas. É muito importante a atenção para que os programas de capacitação não se transformem em grande ralos de escoamento de recursos, na medida em que não geram impactos positivos nos resultados. A capacitação deve ter um foco preciso e deve estar organicamente vinculada a processos de avaliação eficientes.

O firme acompanhamento do processo pedagógico pela gestão escolar e a avaliação dos resultados através de processos de avaliação externa são imprescindíveis para a evolução da qualidade do processo educacional. Num contexto em que as metas a serem alcançadas estão na pauta da escola e do sistema, verifica-se que o acompanhamento (composto de apoios e cobranças) não mais é investido de uma conotação de desconfortável (e injusta!) cobrança. Isto é (re)significado pelo professor, que passa a traduzi-lo como elemento de valorização.

A firme cobrança de metas deve existir e a falta de compromisso do profissional com suas tarefas é inegociável. No entanto, o respeito pelo fato de que o professor/sujeito trilha o seu próprio caminho de aprendizagem é fundamental para transmitir a confiança necessária aos processos de crescimento. Pessoas necessitam disso para crescer.

Os incentivos, sejam eles financeiros e/ou também de outras ordens, são recursos importantes que o sistema pode utilizar para ritualizar o reconhecimento, e para reafirmar o compromisso da gestão com as prioridades. No entanto, defende-se que a regulação dos incentivos esteja em estreita vinculação com as metas a serem alcançadas. Os prêmios, em si, não têm potência para mobilizar força interior, capacidade de superar adversidades e motivação para crescer profissionalmente. É necessário também uma força de outra ordem que, inclusive, mobilize a motivação das pessoas para dar respostas dignas à comunidade que atendem. A luta permanente por melhores salários é legítima, mas não seria somente a elevação dos salários um elemento definidor da melhoria da qualidade em educação.

Essas reflexões sobre o papel do professor/sujeito são relacionadas a uma experiência em que foi possível constatar uma elevação significativa da qualidade dos resultados de desempenho no processo de alfabetização inicial de alunos da rede municipal de Sobral-Ce. Considerando que não houve o advento de fatores externos excepcionais (nenhuma revolução salarial no município, por exemplo) restou-nos equacionar os fatores intervenientes para responder à questão: de onde os professores tiraram a capacidade para fazer os alunos aprenderem? Eles eram mais ou menos os mesmos que atuavam no sistema que produzia o analfabetismo dentro da escola.

Sendo impossível contar somente com os “bons” (eles não existem em larga escala), o caminho foi investir na capacidade de mobilização dos saberes e iniciativas de que as pessoas são capazes quando desafiadas e apoiadas para alcançar metas. A equação envolve uma ação de estruturação e fortalecimento da gestão municipal e escolar, a garantia de processos de avaliação externa permanentes e conseqüentes, a oferta de qualificação profissional e de incentivos.

Se nos bancos das escolas públicas estão as crianças sujeitas às condições mais desfavoráveis (herança de uma história de injustiça social em nosso país e no mundo) os sistemas devem responder com mais qualidade institucional, mais estímulo à participação da família e mais compromisso político. Quanto mais baixo o nível sócio-econômico dos alunos, mais a escola é importante e pode ter um efeito fundamental em sua aprendizagem. O professor, ancorado em uma gestão estruturada, torna-se um elo valoroso nesta corrente. Nem naturalmente bom, nem inexoravelmente mau, mas um sujeito capaz de mobilizar suas energias e saberes para responder à tarefa que lhe cabe.

   
 
 
 

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