Não
se estão construindo no Brasil outras cidades, mas
está surgindo, em especial, um outro olhar
Um grupo de 30 alunos da pós-graduação
da Fundação Vanzolini, ligada à Politécnica
da USP, criou um programa de internet para ensinar aos alunos
e professores como tirar proveito de sua vizinhança.
Digita-se, por exemplo, a palavra "skate" e fica-se
sabendo como encontrar, nas redondezas, aulas desse esporte.
Escrevendo o termo "drogas", surgirão, na
tela, os nomes dos médicos e dos psicólogos
mais próximos dispostos a ajudar as vítimas
da dependência.
Simplificando, é uma espécie de "Google"
focado no bairro para transformá-lo num amontoado de
trilhas educativas, que vão de ações
de planejamento familiar de um centro de saúde a concertos
gratuitos de uma orquestra sinfônica, passando por conferências
em uma universidade. A chave do programa é capacitar
a comunidade para montar seu próprio banco de dados;
a iniciativa vale por um curso popular de georreferenciamento.
Finalizado há menos de um mês, o buscador de
bairro surgiu como um trabalho de conclusão de curso,
desses que, na maioria das vezes, acabam esquecidos. Daí
a surpresa para os universitários quando o Ministério
da Educação, ao tomar conhecimento da invenção,
decidiu então disseminá-la em todo o país
para realizar a formação de professores e diretores,
ajudando-os a criar comunidades de aprendizagem em torno de
suas escolas.
O que interessa aqui não é a educação
nem a informática, mas a dica por trás da rápida
aceitação desse mecanismo de busca: isso tem
muito mais a ver com política do que com tecnologia.
Está crescendo a percepção de que boa
parte da solução dos problemas sociais brasileiros
depende da inventividade local, numa inversão da lógica
brasileira tradicional de valorização do poder
central.
Um indicador interessante dessa tendência foi exibido,
na manhã de terça-feira passada, no lançamento
do movimento "Nossa São Paulo: Outra Cidade".
Estavam ali, entre outros, líderes do movimento dos
sem-teto, dirigentes de associações de carroceiros,
educadores da periferia, atletas, diretores de banco e empresários
que integram a lista dos bilionários brasileiros.
O encontro visava apoiar a idéia de uma mobilização
apartidária com o objetivo de melhorar a qualidade
de vida na cidade, com metas de longo prazo a serem fiscalizadas.
A motivação dessa agenda são os exemplos
bem-sucedidos de Bogotá, Barcelona e Nova York.
Nunca se viu nada parecido no país em termos de mobilização
municipal. Interessante é notar que quase todos os
coordenadores do movimento têm um histórico de
militância em causas nacionais e até internacionais.
Revela-se, dessa forma, a crença de que as cidades
devem ser o primeiro espaço das articulações
políticas.
No dia anterior ao anúncio do "Nossa São
Paulo; Outra Cidade", os ministros do Desenvolvimento
Social, Patrus Ananias, e da Educação, Fernando
Haddad, eram levados a conhecer uma experiência de integração
de políticas públicas num bairro (Miguel Couto,
em Nova Iguaçu).
Queriam entender como se consegue oferecer educação
em tempo integral, com direito a almoço, por R$ 30
a mais por aluno - é exatamente o que acontece num
bairro periférico de Belo Horizonte.
Há um imenso futuro para as gestões locais pelo
simples motivo de que economizam dinheiro e aumentam a eficiência.
Basta ver os chamados arranjos produtivos locais -uma cidade
aglutina empresas, centros tecnológicos e universidades
para desenvolver uma determinada vocação. Foi
assim que uma zona deteriorada de Recife se transformou num
pólo tecnológico, exportando programas de informática
para todo o mundo. E a bucólica Santa Rita do Sapucaí,
em Minas, onde nasceu a urna eletrônica, virou um centro
de excelência em telecomunicações. São
José dos Campos é nosso melhor caso de arranjo
produtivo em torno da indústria aeronáutica,
estimulada pela formação de engenheiros no ITA.
Segundo essa lógica, vamos prestar atenção
cada vez menos a Brasília e cada vez mais a soluções
como o pedágio urbano de Londres, a ofensiva de Nova
York para liderar a redução da emissão
de gás carbônico, os projetos de Paris para tirar
os carros da rua, os modelos de segurança em Bogotá.
Também vamos tentar entender melhor como a minúscula
e pobre cidade de Barra do Chapéu é campeã
do indicador do Ministério da Educação,
como uma cidade rural da Índia (Udaipur) combateu o
absenteísmo de professores distribuindo uma máquina
fotográfica aos alunos ou como o índice de violência
despencou no Morro do Cavalão, em Niterói.
Teremos de analisar o que acontece quando um grupo publicitário
(YPY) decide fazer de uma escola pública da periferia
paulista (Francisco Brasiliense Fusco) um modelo de gestão.
Já há bons resultados em experiências
de educação pública da Nokia, em Manaus,
e da Embraer, em São José dos Campos, assim
como das escolas de ensino médio, apoiadas por empresários,
no Estado de Pernambuco.
É por isso que um programa, inventado por um grupo
de estudantes da Fundação Vanzolini, mal saiu
do laboratório e já começa a ser aplicado.
Não se estão construindo no Brasil outras cidades,
mas está surgindo, em especial, outro olhar -e a rapidez
de nosso desenvolvimento social está atrelada à
eficiência ou não desse tipo de ação
local.
PS - Fiz um relato
de todas as experiências citadas nesta coluna para que
se veja a relação custo-benefício da
engenhosidade local.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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