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REFLEXÃO


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folha de S.Paulo
13/06/2004
O que temos a aprender com os gays

Saberemos no fim da tarde deste domingo se o Brasil bateu um recorde mundial: a organização da parada gay aposta que terá reunido, na av. Paulista, mais de 1 milhão de pessoas. É gente suficiente para deixar para trás San Francisco, o centro mundial da homossexualidade.

A seguir o ritmo verificado nos últimos anos, é bem possível que o maior país católico do planeta arrebate o título. Em 2003, cerca de 800 mil pessoas foram à parada, segundo a Polícia Militar e a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), o equivalente ao dobro do número de participantes da parada do ano anterior. Na primeira versão, há só oito anos, o número de manifestantes não passava de algumas dezenas.

Um eventual recorde é apenas um detalhe. Essencial é o seguinte: é impossível entender São Paulo sem levar em conta que os gays, vivendo ainda à margem, realizam a maior manifestação pública da cidade. Isso sem promover, como fazem sindicatos de trabalhadores no 1º de Maio, sorteios de brindes. E a explicação disso está não só no fato de eles misturarem alegria com ideologia mas também no fato de se conectarem com a alma da cidade.

A maior força de São Paulo são as oportunidades de aprendizado -o que significa, antes de tudo o mais, oportunidades de convívio na diversidade e troca de experiências. Quando se fala em aprender, logo vem à mente uma visão antiga: a de saber coisas que estão registradas em livros e que são ministradas nas escolas ou nas empresas. Errado. O aprendizado é a experimentação das mais variadas possibilidades, entre as quais as intelectuais.

Os gays encontraram em São Paulo a chance de serem aceitos como são e de desenvolverem sua identidade e suas potencialidades. É essa a base do processo de aprendizado, que serve para qualquer um. Educar é ensinar o encanto das possibilidades, e aprender é sentir a emoção em cada descoberta.

São Paulo é uma cidade tão cheia de problemas que temos dificuldade de ver sua dimensão mais fértil e acolhedora. Na semana passada, não faltaram números para enfatizar as dificuldades por que passa. Um exemplo é o número de assassinatos de jovens, que não pára de crescer. Outro são as estatísticas sobre o trânsito, que fica cada vez mais lento (na véspera do feriado, registrou-se o segundo maior índice de lentidão do ano). Isso para não falar nos números do desemprego, que ainda não deixaram de subir.

Os consecutivos recordes de violência, congestionamento e desemprego são a trinca que compõe a sensação permanente de caos urbano.

Um sinal dessa efervescência está numa pesquisa do Datafolha que analisa o perfil dos habitantes de São Paulo de 16 a 24 anos. O instituto dividiu a cidade em 19 áreas, aglomerando todos os distritos. Em nenhuma área há menos do que 42% das pessoas naquela faixa etária sem ensino médio ou superior. Isso nas regiões mais pobres, dessas que são notícia só quando ocorre crime ou enchente. Os números do Datafolha revelam que, apesar de todas as dificuldades econômicas, aposta-se para valer no conhecimento. Muita gente só está vindo para cá por causa dessas possibilidades de vivência cultural e educativa. Pequeno exemplo: neste fim de semana, um cinema começa a oferecer sessões de madrugada. Mais: o renomado cineasta Fernando Meirelles, de "Cidade de Deus", promete levar para lá filmes que dificilmente chegariam ao país, fazendo das telas uma espécie de lousa.

Aprender mexe em um instinto tão forte nas pessoas como o instinto sexual. Jovens talentosos e esforçados chegam aqui atraídos por MBAs que ensinam como administrar um shopping center ou comercializar produtos de alto luxo, por programas em faculdades que mostram como gerir entidades não-governamentais para administradores de empresas, por cursos que mostram como combinar lucro com ecologia. Há cursos de nível superior para quem pretende construir videogames, ser designer de luz (cuidar especificamente da iluminação dos ambientes), atuar como consultor de imagem pessoal (ajudar as pessoas a se vestirem), fazer turismo ecológico ou manejar os recursos digitais da fotografia e da música.

Disseminam-se os mais diversos cursos de design e moda. É natural, portanto, que a cidade tenha se tornado, como mostra nesta semana a São Paulo Fashion Week, um pólo mundial de moda.

Os gays ajudam a entender a cidade: só conseguimos ver a riqueza paulistana, de fato, se olhamos além do mundo oficial. Algo que nós, da imprensa, tão atentos aos governantes, temos dificuldade de fazer.

Poder público significa, no geral, o aumento de impostos que inibe o espírito empreendedor, a lerdeza burocrática verificada por quem necessita de um serviço público, a sobreposição de atividades sem foco, a corrupção estampada diariamente nos jornais. Significa também os governantes usarem e abusarem da publicidade com dinheiro público -ou o abuso de ações de marketing para iludir os cidadãos com obras de muita visibilidade e pouca consistência. Significa pagar muito e receber pouco.

A criatividade comunitária caminha a anos-luz da pasmaceira pública.

PS - De acordo com a pesquisa realizada pelo Datafolha, a melhor ilha de educação da cidade de São Paulo está na região formada pelos distritos da Vila Mariana, do Itaim Bibi, de Campo Belo, da Consolação, da Saúde e do Jardim Paulista. Nessa região, 41% dos habitantes com idade acima de 16 anos têm diploma de ensino superior e 34% possuem diploma de ensino médio. Em segundo lugar, está a região composta pelo Alto de Pinheiros, pela Lapa, por Pinheiros e por Perdizes: 35% fizeram faculdade, e 43%, ensino médio.

 


Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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