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REFLEXÃO


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urbanidade
23/02/2005
Idosos inventam praça no lixo

Angela De Marco suspeita que seu temperamento tenha sido moldado pelo ano e pelo local em que nasceu: 1932, no bairro do Bexiga. Nada a ver com a crença em influências astrológicas. Naquele ano, os paulistas se rebelaram contra o governo central e, isolados, foram derrotados. "Acho que tomei gosto pela briga desde o berço." Com 73 anos e quase tão solitária quanto os combatentes paulistas de 32, Angela trava agora uma batalha particular.

No começo de 2004, ela liderou um grupo de idosos na ocupação pacífica de uma casa abandonada num terreno da rua do Sumidouro, próximo da marginal de Pinheiros, exatamente em frente à editora Abril. Há tempos desativada, aquela área serviu de aterro sanitário e usina de incineração de lixo. "Um desperdício", lamenta ela. Afinal, existem ali frondosas árvores, que se prestam a dar sombra a um estacionamento improvisado. Quase sem recursos -"o dinheiro do bingo mal dá para pagar a faxineira"-, ela ajudou a transformar o imóvel vazio num centro de convivência para idosos. "Para fazer um baile, temos de trazer nosso som."

Apesar de toda a falta de recursos, aquela movimentação significava uma bandeira fincada no território conquistado. "O melhor do velho é a experiência e o tempo vago. Se ele não pode usar nem uma coisa nem outra, está morto." No final do ano passado, surgiu como uma bomba a notícia de que a prefeitura resolvera leiloar o terreno. "Se venderem, vou ficar sentada aqui e quero ver quem me tira", ameaçou Angela, que fez parte do movimento para impedir a transação. Artistas da região de Pinheiros, que planejavam transformar a usina em um espaço cultural, entraram na guerra. O movimento sensibilizou vereadores, autoridades e promotores públicos. A reação surtiu efeito.

Eventuais compradores sentiram o clima e preferiram não fazer lances no leilão. Pelo jeito, o terreno ficará mesmo nas mãos da comunidade. Angela está usando o tempo e a experiência para vencer a batalha e erguer a primeira praça do país destinada apenas a idosos. Talvez não seja uma guerra perdida.
O novo subprefeito de Pinheiros, Antonio Marsiglia, comprometeu-se a manter o terreno para os idosos. A Secretaria Municipal do Meio Ambiente dispôs-se a limpar as áreas contaminadas. Um grupo empresarial e um colégio local (Santa Cruz) decidiram oferecer atividades culturais e ensino de internet.

Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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