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arte na bagagem
02/08/2004
Artistas cearenses visam a valorização da cultura regional

Quando o ônibus partiu do Ceará rumo ao Rio de Janeiro, Luiz Cláudio da Silva, de 38 anos, estava que não se agüentava de felicidade. Ele iria, depois de sonhar a vida inteira, conhecer a Cidade Maravilhosa. Melhor ainda: viajou para mostrar aos cariocas a arte popular do reisado e mamulengo que conhece - e representa - tão bem. Luiz e outros 44 artistas cearenses integram o movimento chamado União dos Artistas da Terra da Mãe de Deus, da cidade de Juazeiro do Norte.

O objetivo do grupo era se apresentar no encontro Interculturalidades, que aconteceu neste mês de julho na UFF - Universidade Federal Fluminense, em Niterói, e também no Espaço Sesc de Petrópolis, na Região Serrana, programada para este sábado, 31. Mas o grupo aproveitou a oportunidade para fazer um intercâmbio cultural, trocar experiências e principalmente divulgar o trabalho desenvolvido na região. Assim, fizeram apresentações nas ruas do Centro da cidade: Largo da Carioca, na Praça XV e na Avenida Chile, em frente ao prédio da Petrobras. Sempre com suas danças, música, bonecos e figurinos super coloridos.

Criado há três anos pela família Gomide, que fundou a Companhia de Arte Carroça de Mamulengos – bonecos do teatro nordestino apresentados em praças -, o movimento é formado por artistas populares, a maior parte de trabalhadores rurais que prestam serviços temporários em fazendas da região. O projeto visa a valorização da cultura regional e, principalmente, usa a arte como um meio de trabalho social.

“Não queremos formar artistas, e sim indivíduos. Pessoas conscientes de sua realidade e capazes de mudá-la”, diz Carlos Gomide, fundador da companhia. Assim, na sede da União, no bairro pobre de João Cabral, trabalham cerca de 150 pessoas. Maria Gomide, 18 anos, filha da Carlos, prefere dizer que todos são geradores de arte e não beneficiados pelo projeto. “O povo já está acostumado com o coronelismo local, de esperar a esmola. Não é este nosso objetivo. Queremos orientar os jovens, que estão perdidos, sem rumo”, diz. Lá, eles aprendem música, danças regionais, reisado, guerreiro, tecelagem e até o plantio de frutas para consumo próprio.

Carlos garante que mais do que divulgar o movimento, essa primeira viagem do grupo tem objetivos mais complexos. “Vir para o Rio de Janeiro é uma grande oportunidade para toda essa gente. Quero que eles tenham seus trabalhos reconhecidos. Acho importante esta troca de experiências. Abrir a cabeça de quem vem e de quem já está aqui”, diz. A viagem só foi possível graças à UFF, que arcou com a maior parte das despesas de passagens, alimentação e estadia.

Artista não tem idade
Na trupe da União tem gente de todas as idades: desde um bebê de sete meses a mestres como Francisco de Assis, de 72 anos, o mais velho do grupo. Ele trabalhou a vida inteira na roça, plantando arroz, feijão e cana de açúcar, mas nunca deixou sua vocação para a arte de lado. Há 40 anos, Francisco personifica Mateus, uma espécie de palhaço do reisado, além de mestre de maneiro pau, outra expressão artística do Nordeste. Para ele, a viagem é a realização de um sonho. “O Rio é a coisa mais linda, muito maior que Fortaleza. Aqui tem muito edifício”, disse Francisco, após a apresentação nas ruas da cidade. Antes, os artistas visitaram o Cristo Redentor e o Pão de Açúcar.

Além da beleza do Rio, outro fator que os artistas tiveram a oportunidade de realizar apresentações em lugares fechados. O reisado e o guerreiro são quase sempre apresentados na rua, em festas religiosas. No teatro da UFF, na quarta-feira passada, dia 28, o público de Niterói assistiu a duas horas de folguedos. As improvisações no palco, que podem durar até cinco horas, foram compactadas em 20 minutos.

No palco, muitos adereços, trajes com cores quentes e chapéus ricamente enfeitados com fitas coloridas e espelhinhos – a principal característica do reisado. E seus personagens: O "caboclo" ou "Mateus" e a "Dona Deusa" ou "Dona do Baile" são fundamentais na brincadeira. Há, ainda, o "Caboclo" e a "Cabocla", a "Cigana", a "Viúva", o "Velho", a "Velha" e o "Boi". Entre os instrumentos, banjos, violões, zabumba, triângulo, pandeiros e maracás. Com direito aos cânticos de chegada e de despedida, dois dos mais belos da música folclórica brasileira. Ao final do espetáculo, aplausos do público e artistas em êxtase.“Nossa, foi uma emoção muito grande. Todos ficaram muito empolgados”, conta Maria.

A Carroça de Mamulengos é uma companhia de arte itinerante, composta exclusivamente por integrantes da família Gomide. Ela foi criada há 29 anos por Carlos, quando ainda morava em Brasília. Em 1976, quando trabalhava com teatro no Distrito Federal ele se viu numa encruzilhada: para se profissionalizar ele teria que estudar artes dramáticas no Rio de Janeiro ou em São Paulo, mas não tinha dinheiro para isto. Pouco tempo depois assistiu a uma apresentação do grupo pernambucano Mamulengo Sorriso, e se apaixonou. “Naquele momento vi que poderia fazer arte no Brasil da forma que queria”, diz.

Família na estrada
A partir daí, Carlos passou a ter contato com mestres da arte regional. Morou dois anos em Mari, na Paraíba, conhecendo o trabalho do mamulengueiro Antônio Alves Pequeno, conhecido como Mestre Antônio do Babau. Esse convívio possibilitou também o contato com outros folguedos populares como as Bandas de Pífanos, repentistas e emboladores de coco. A Carroça passou então a buscar inspiração para suas montagens.

Com o passar dos anos a família Gomide começou a crescer. Com o nascimento dos filhos, a concepção cênica mudou: fez-se urgente uma adaptação da brincadeira à vida familiar - o pai Carlos, a mãe Schirley e os filhos Maria, Antônio, Francisco, João, Pedro, Mateus, Isabel e Luzia. Desde então, a companhia tem se apresentado por todo o país. E desde a criação da União dos Artistas da Terra da Mãe de Deus os Gomides estão instalados em Juazeiro.

Agora, o desafio dos artistas da União é conseguir voltar para casa. O patrocínio da UFF não cobriu todos os gastos – e quase que a viagem foi cancelada. Mas os artistas resolveram contar com a sorte – e o talento – para não frustrar os planos da trupe. "Estávamos planejando esta viagem há muito tempo, não poderíamos desistir de jeito nenhum. Resolvemos arriscar", diz Maria.

Para conseguir dinheiro, agora eles estão tentando agendar novas apresentações no Rio.

“O Sesc de Friburgo está tentando uma raspa de tacho da verba que sobrou do Festival de Inverno para nos ajudar. Se conseguirmos, nos apresentaremos lá no Dia dosPais, 8 de agosto, e voltaremos para casa na quarta-feira, 11”, conta Maria. Bem, no espírito mambembe.



CARLOS COLLIER
do site Viva Favela

 
 
 

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