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conquista
03/08/2004
Cantores levam música além dos limites das igrejas para jovens de favelas

O estilo é bem aquele da música negra norte-americana que aparece no filme Mudança de Hábito, com Whoopi Goldberg. Mas os 27 integrantes do coral Soul Gospel moram nas comunidades cariocas de Paciência, Antares, Bangu e Vila Kennedy (zona oeste do Rio), e, aos poucos, têm conquistado palcos muito além das igrejas da região.

Recentemente, participaram de um grande show no hipermercado Extra, em Santa Cruz, ao lado de outros artistas gospel, de Kelly Key e do cantor Bello. Também são convidados para apresentações em lojas de instrumentos musicais e para entrevistas em rádios. “Fomos para cantar uma música na 93 FM, cantamos oito e ficamos três horas no ar”, entusiasma-se a produtora Verônica Porto, 24 anos. Foi ela que no início do ano criou o projeto Do Harlem à Vila Kennedy, Vozes and Voice e reuniu cantores de várias igrejas para formar um só coral. Todos têm entre 15 e 35 anos.

Com pouco mais de cinco meses de estrada, o Soul Gospel tem algumas conquistas no currículo. “No Festival de Grupos Gospel, promovido pelo estúdio Bravo, de Caxias (Baixada Fluminense), conseguimos dois prêmios: de melhor instrumentista, para o Gustavo Silva Medeiros, de 22 anos; e melhor música, Tu és digno, composta pelo maestro Naurinei de Oliveira Costa”, diz Verônica. Assim, garantiram a participação no CD que reuniu os vencedores do evento e um prêmio de R$ 1 mil. “Agora só falta receber o dinheiro”, acrescenta.

Suas vozes também já conquistaram o apoio de empresas e de moradores da região. O administrador regional Jorge Azevedo, por exemplo, aposta no grupo e até cedeu o espaço do antigo supermercado Rio, na Vila Kennedy, para os ensaios, que são realizados aos sábados. O supermercado Braga, no mesmo bairro, doa semanalmente o lanche para os integrantes do coral. Por enquanto, o grupo ainda não cobra cachê em suas apresentações.

O apoio que os integrantes do Soul Gospel têm conseguido é também o que os impulsiona a continuar. Como no caso de Cláudio Tanes dos Santos, de 22 anos, outro morador de Paciência. “No começo, minha família dizia que música não era para pobre porque não dá dinheiro. Hoje, graças a nossa união no coral, tenho mais esperança. É isso que quero passar para os outros adolescentes da favela”, diz.

“Quando conseguirmos nos estabilizar e começar a ganhar dinheiro, vamos investir no social”, adianta Verônica. Isso se traduzirá em oficinas de música, com aulas gratuitas para garotos de comunidades, e espetáculos mensais com que esperam apresentar o projeto a outros jovens. Ou seja, passar tudo o que aprenderam adiante.

Para isso, estão tentando junto à prefeitura do Rio ocupar o espaço do Teatro Mário Lago, que funciona na Vila Kennedy. “Nesses shows, também estaremos consolidando a carreira do grupo, independente da religião”, afirma Verônica. Para ela, é preciso que alguém dê certo na música e na arte em geral para que se possa mostrar aos jovens de favela que existem mais opções de vida. “Estamos mudando a nossa vida para poder mudar também a de outras pessoas. E assim descobrimos e ampliamos uma consciência cidadã”.

Projeto premiado
O Soul Gospel, na verdade, nasceu da conquista de um prêmio. Ao perceber as dificuldades em que vive a maioria dos músicos, particularmente os de igrejas evangélicas, Verônica bolou um projeto que inscreveu no programa Palma da Mão, parceria da ONG carioca Fase, a ONG holandesa Solidariedad e o grupo Rappa, que premia idéias de protagonismo juvenil. “Soube do Palma da Mão pelo Viva Favela. Foi aí que comecei a achar que poderíamos acreditar em nossos sonhos”, conta Verônica. Terminou como uma das dez vencedoras e começou a organizar o coral.

Os R$ 10 mil ganhos na premiação, no início deste ano, estão bancando as despesas do grupo, como iluminação, aluguel de som, figurino, gastos de divulgação e transporte. O que sobrar, será investido na gravação de um CD independente.

As dificuldades ainda são muitas, até por se tratar de um coral tão numeroso. Mas Verônica está otimista. “Nesse período juntos, acho que já conseguimos mais do que outros grupos formados há bem mais tempo, evangélicos ou não”, afirma. No coral, ela acredita que todos ganham. “Unidos, trocamos experiência e conhecimento. Esta é a nossa academia de música. Estamos aprendendo mais para ensinarmos depois”, diz Naurinei de Oliveira Costa, que aos 25 anos é maestro e arranjador do coral.

O gênero é sempre o mesmo: gospel. “Cantamos boas mensagens, músicas que tocam os seguidores de qualquer religião”, explica Verônica. No repertório há uma versão de Joyfull, Joyfull, que aparece no filme de Whoopi Goldberg, e outros hits americanos, como Mississipi Mass Choir, Georgia Mass Choir, além de composições do próprio grupo.

O Soul Gospel tem sido uma oportunidade de descobrir novos talentos. “Alguns até já haviam ganhado concursos de televisão, mas continuavam a depender de instrumentos e do espaço das igrejas para praticar o que aprendeu sozinho”, fala Verônica.

Carlos Eduardo Gonçalves da Silva, de 22 anos, é um exemplo. Ex-catador de lixo e morador de Antares, favela de Santa Cruz, ele passou dois anos se apresentando num programa da TV Record. “Impressiona que ele demonstre tamanha técnica, apesar de nunca haver estudado música”, diz Verônica.

Virando crente
Eduardo entrou para a religião aos oito anos. “Como a igreja era o único lugar em Antares em que se tinha acesso a instrumentos e microfone, ele tornou-se crente ainda criança. Foi um desses garotos que procuram as igrejas para poder exercer a atividade musical”, conta Naurinei. “O problema é que estas igrejas quase nunca dão apoio para que eles ampliem seu conhecimento teórico. A maioria tem se garantido apenas no dom”, acrescenta.

Adulto, Eduardo passou a se apresentar com um trio numa igreja de Botafogo (Zona Sul). Depois, eles decidiram tentar a sorte num programa de calouros de televisão em São Paulo. “Depois de dois anos aparecendo na mídia, vi que estava sem um real no bolso”, conta o rapaz. Fora a frustração profissional, ainda precisava enfrentar os problemas de uma família de nove irmãos, uma mãe alcoólatra e um pai de 90 anos.

Segundo ele, a participação no CD Usina de Talentos, produzido pelo programa, também não lhe rendeu nem um centavo. Em 2003, tentou a carreira solo, sem sucesso. “Foi quando, com a ajuda da Verônica, fui tentar a sorte no concurso de um programa do SBT. Ganhei os votos dos telespectadores e um prêmio de R$ 5 mil, com o qual comprei uma casa para minha mãe”, lembra. Ele ainda aguarda a gravação do CD desse concurso – e reserva uma faixa para a participação do coral. “Quero também divulgar o talento dos demais integrantes do Soul Gospel”, diz.

Os problemas vividos por Eduardo são mais ou menos os mesmos que os demais integrantes do coral sempre enfrentaram. “No início, eu nem tinha instrumento. Meu primeiro violão foi doado por alguém que acreditou em mim. Mais tarde, outra pessoa impressionada com meu talento me deu uma guitarra de 1.500 dólares. Se não fosse a ajuda deles não sei se estaria aqui hoje”, conta Gustavo, eleito o melhor instrumentista do Festival de Grupos Gospel.

Arranjador, compositor e cantor, ele está empolgado com o coral e sonha produzir espetáculos em comunidades. “Quero buscar minha realização na música e com ela tentar realizar outros sonhos”, diz ele, que mora em Paciência. Hoje, Gustavo toca também com os ex-músicos de Tim Maia na banda Clave de Soul.

 

ANNA CAROLINA MIGUEL
VILMA HOMERO
do site Viva Favela

 
 
 

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