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memória
04/10/2004

Projeto para reformar favelas cariocas sairá do papel

Sucesso nas rodas de samba e bailes do Rio em 1960, o samba Favela Amarela rendeu à cantora Araci de Almeida o título de Rainha do Carnaval. Composta por Jota Júnior e Oldemar Magalhães, a música (Pintem a favela / Façam aquarela da miséria colorida) brincava com um projeto polêmico do ano anterior que previa a pintura de todos os barracos cariocas. A idéia foi proposta por Mário Saladini, então diretor de Turismo e Certames do Rio. Ele achava que as cores poderiam melhorar “o aspecto estético e higiênico” das favelas e transformar os morros em atração turística. Líderes comunitários e boa parte da opinião pública não receberam bem a proposta.

Saladini foi acusado de hipócrita. “As favelas poderiam até ficar mais bonitas, mas os moradores continuariam sofrendo do mesmo jeito. O projeto gerou muita polêmica, e ainda teve essa história do samba. Mas depois as pessoas acabaram esquecendo”, lembra José Maria Galdeano, o Juca, na época secretário-geral da Federação das Associações de Favelas do Estado da Guanabara (Fafeg). “A Fafeg não levou a idéia muito a sério”, explica.

O projeto não saiu do papel mas o autor da idéia, o paulista Mário Saladini, acabou se elegendo deputado nas três eleições seguintes. Em entrevista recente, ele explicou como surgiu a proposta. “Eu estava na Venezuela quando passei por um bairro pobre de Caracas que tinha as casas pintadas. Apesar de humilde era um local bastante agradável. Quando cheguei no Rio contei essa história para um jornalista amigo meu do Diário Carioca. No dia seguinte o jornal publicou: ‘Saladini quer pintar as favelas”, conta.

“Logo depois, o Dom Hélder (criador da Cruzada São Sebastião, então arcebispo do Rio) começou a me esculhambar nos jornais. Ele deu entrevista nos três canais de TV da época e eu comecei a responder. A história rendeu tanto que eu acabei me elegendo três vezes nessa brincadeira”, admitiu Saladini, que ainda nos anos 60 ficaria conhecido como um dos fundadores do Clube dos Cafajestes, grupo formado por jovens de alto poder aquisitivo de Copacabana, que incluiu figuras ilustres como Jorginho Guinle e Ibrahim Sued.

Favela verde-e-rosa
Quatro décadas após a polêmica, Álvaro Caetano, o Alvinho, que acaba de ser reeleito presidente da Escola de Samba Mangueira, prometeu durante a campanha deste ano pintar todos os barracos da favela em tons de verde-e-rosa. Mas Alvinho garante que qualquer semelhança com o projeto dos anos 60 é pura coincidência. “Confesso que não lembro do samba e nem conhecia o projeto do Saladini. Essa idéia é um sonho meu desde criança. Mas não vai ser nada rígido. Os moradores vão poder escolher entre tons de verde-e-rosa ou usar até uma outra cor. O que importa é ficar tudo pintadinho”, explica Alvinho, que negocia verba para a compra do material com diversas empresas.

“A pintura vai ser feita em mutirão. Algumas figuras ilustres do morro, como Carlos Cachaça e Delegado, já têm suas casas pintadas com as cores da Mangueira. Na maioria das vezes, as pessoas preferem investir o pouco que tem para comprar um fogão melhor, uma geladeira, um som, e acabam não dando um acabamento por fora. A pintura pode melhorar a auto-estima dos moradores e quem sabe transformar a favela em cartão-postal”, planeja.

Há quatro anos a Rocinha recebeu um projeto semelhante. Só que, mais uma vez, a repercussão entre os moradores não foi das melhores. Batizado de Rocinha de Cara Nova, o programa de reforma incluiu apenas os imóveis junto à Auto Estrada Lagoa-Barra, pintados em tons de amarelo. Os moradores aprovaram a idéia mas criticaram a falta de manutenção e a pouca abrangência.

“Achei estranho terem pintado só as casas lá de baixo. Fica bonito para quem passa mas quem mora na favela sabe que existem muitos outros problemas”, afirma Francisco Ferreira Filho, o Cabo Chico, que durante muitos anos foi presidente da Velha Guarda da Acadêmicos da Rocinha. “Sou do tempo em que a maioria dos barracos da favela eram pintados. Aqui no morro predominava o branco e o azul. As casas eram de madeira e ficava mais fácil”, explica.

Fundador e três vezes presidente da associação de moradores do Morro do Chapéu Mangueira, no Leme, o mineiro Lúcio Bispo lembra que a altura dos barracos de antigamente também facilitava a pintura. “Hoje em dia as casas têm dois, três andares, fica mais complicado”.

Sobre o antigo projeto de Saladini, Bispo conta: “A Fafeg desde o início não levou a idéia a sério. É igual apelido, nesses casos quanto mais polêmica pior. Mas de qualquer forma éramos contra porque sabíamos que seria impossível esconder ou disfarçar a pobreza só pintando as casas. Não é tão fácil assim”.

Depois de declarar que as favelas cariocas vão ter seus barracos pintados com cores diferentes para melhorar seu aspecto ante os olhos dos visitantes, Mário Saladini, diretor do Departamento de Turismo e Certames da Prefeitura, disse que com a “miséria colorida”, as favelas tomarão aspecto higiênico e até estético.

Acrescentou que o Departamento de Turismo instituirá uma série de prêmios que serão conferidos aos que apresentarem à pintura dos barracos em melhores condições, com o objetivo de trazer para a campanha a maior solidariedade das favelas, que receberão tintas para o serviço.

A pintura das favelas obedecerá a um plano previamente estudado por artistas competentes no gênero. Para isso, esclareceu Saladini, as favelas serão fotografadas e sobre essas fotografias escolhidas as cores adequadas. Concluído esse serviço, as fotografias serão levadas aos moradores das respectivas favelas com a explicação do programa.

“O Departamento de Turismo iniciará depois um movimento de largas proporções, a que dará o nome de ‘Campanha da lata de tinta’, para aquisição do material de pintura a ser oferecido em caráter gratuito, quando for o caso, aos faveladas que, por sua vez, farão a limpeza dos barracos sob a supervisão de funcionários do Departamento”, explicou Saladini.

A seguir, disse o diretor do Departamento de Turismo: “O problema da habitação miserável, que no Distrito Federal tomou o nome de favelas e no Recife de mocambos, é universal. Encontrei esse mesmo problema na Europa e na América. No próprio Estados Unidos, ele existe e até aqui nenhum governo conseguiu resolvê-lo. Mas podemos melhorar seu aspecto e até transformá-las numa atração turística. Hoje elas são um nódoa negra, pregada nos morros, à vista de visitantes, mas com o plano do Departamento, as favelas se apresentarão com um aspecto decente de limpeza”.

As Cores
Falar em Dom Hélder lembra favela, e falar em favela lembra logo a onda de demagogia que se anda fazendo porque o Sr. Mário Saladini, diretor do Turismo, se propôs a dar tinta aos favelados para que pintassem os seus barracos. Acho que nessa história está havendo é muita falta de compreensão. Afinal o homem não é diretor da Sursan, nem da Saúde Pública, nem da Casa Popular, nem da Reabilitação das Favelas. É diretor do Turismo, só. A função dele consiste, apenas, em procurar fazer a Cidade atraente aos olhos dos estranhos que nos visitam. Todo o mundo sabe e deplora - as favelas são uma chaga social, uma vergonha, uma tragédia. Mas o diretor do Turismo não é culpado disso, nem tem autoridade para interferir no problema. Ele é unicamente uma espécie de maquilador da Cidade - encarregado de tapar cicatrizes e espinhas, apresentar uma face bonita em cima da velho cara escavacada. Tratar da saúde do doente é com os outros - o papel dele é só mesmo o de pintar.

Poder-se-á alegar então que cuidar de turismo num tempo em que todo mundo passa fome é uma futilidade. Mas isso são outros quinhentos mil-réis. Mesmo porque, turismo já não é mais brincadeira, é indústria, e por toda parte rende dólares aos milhões. O daqui não rende porque ainda não há; turismo houvesse, dando dinheiro, quem sabe se poderia com ele urbanizar as favelas? Embora eu duvide que, depois de apanhar o cobre, a turma fosse se lembrar de favelado. Diriam logo que era pitoresco, que as favelas são uma tradição da cidade...


As informações são do site Viva Favela.

 
 
 

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