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arte de reciclar
05/08/2004
Artista desperta o olhar dos jovens para questão ambiental

Na lojinha do MAC, o Museu de Arte Contemporânea de Niterói (estado do Rio), os blocos, luminárias, porta-retratos, cadernos e agendas feitos de papel reciclado chamam a atenção dos turistas. Bonitos e ecologicamente corretos, eles vêm ajudando jovens de baixa renda a completar o orçamento familiar - faturam, pelo menos, R$ 50 por mês. O trabalho já conquistou clientes de peso, como a Petrobras e a prefeitura de Niterói.

Para a artista plástica Eliane Carrapateira Ribeiro, de 52 anos, coordenadora da oficina de onde saem os objetos, produzidos por 18 jovens, a arte é um veículo de crescimento. “Além de incentivar os jovens a voltar a estudar, ela pode despertar o olhar para outras questões, como a ambiental”, diz a artista plástica, idealizadora da oficina, que faz parte do projeto Arte Ação Ambiental, do Núcleo de Educação do Museu de Arte Contemporânea – MAC.

Eliane faz questão de chamar a atenção dos alunos para a vertente ecológica do trabalho: “Evitar o desperdício, reutilizar materiais, reciclar, tudo isso nós trabalhamos. Eles recebem apostilas e gostam de saber, por exemplo, que uma tonelada de papel artesanal evita o corte de 60 árvores”, conta.

R$ 50 por mês
As atividades do Arte Ação Ambiental têm entre seus objetivos possibilitar a profissionalização e a educação artística e ambiental do grupo, além de aproximar a comunidade do Museu de Arte Contemporânea, em Boa Viagem, Niterói. Para os jovens do Morro do Palácio, em Niterói, que fazem parte da oficina de reciclagem de papel, essa é uma forma de ampliar seus horizontes.

Há cerca de cinco anos, Eliane, então integrante de um grupo de artistas interessados no debate sobre a arte pública, elaborou a proposta da oficina de reciclagem no Morro do Palácio. Um de seus frutos deveria ser a geração de renda para a comunidade. Apresentada ao diretor educativo do projeto, Luiz Guilherme Vergara, a idéia logo foi aprovada. “Percebi que não adianta ensinar uma atividade se a pessoa não consegue trabalhar com ela depois. É preciso que o trabalho encontre espaço para ser divulgado e vendido”, explica Eliane.

Aos poucos, eles vêm conquistando esse espaço. Já existem três pontos de venda em Niterói. Além da lojinha do MAC, os produtos podem ser encontrados na livraria Veredicto, em Icaraí, e no MKT, espaço cultural no Campo de São Bento.

O valor obtido com a venda das peças ainda é baixo, mas os jovens aprendizes contabilizam outros ganhos. “Vendemos mais quando temos encomendas para eventos. Fora isso, dá para cada um tirar uns R$ 50 por mês. O que mais gosto é de aprender coisas novas e passar para os outros”, diz o aluno e monitor do projeto Elielton Queirós Rocha, 20 anos, o Telto. “A oficina me fez ter vontade de completar minha formação como professor do ensino fundamental”, completa.

Longe das drogas
Segundo Eliane, o grupo já produziu 5 mil blocos para a Petrobras, encomendados para o Congresso Mundial de Petróleo, realizado em setembro do ano passado, e também já forneceu objetos para a Prefeitura de Niterói, para eventos de projetos como o Médicos de Família.

É justamente através do Médicos de Família, aliás, que vem hoje o apoio financeiro, via Prefeitura de Niterói. “Eles compreenderam que o projeto é, também, uma ação de saúde pública. Isso porque o trabalho de criação incentiva os participantes a estarem longe do vício, das drogas, das bebidas”, justifica Eliane.

A idéia é que o espaço para realização das oficinas se amplie, pois segundo a artista plástica não há lugar suficiente para estocar matéria-prima e produtos. De acordo com ela, já existe até um terreno, doado pela prefeitura, e uma verba, para a construção da sede e compra de equipamentos, aprovada pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

A nova instalação, no entanto, esbarra num entrave burocrático. “O terreno está em litígio. Já temos nas mãos o projeto arquitetônico, de autoria do Oscar Niemeyer, contamos com a verba do BNDES, mas não podemos avançar. Estamos há dois anos e meio na espera”, lamenta Eliane. Eles também estão em busca de novas parcerias que garantam uma bolsa ou ajuda de custo para os alunos.

Artesanal valorizado
Eles fazem ainda, dentro do projeto, campanhas de coleta seletiva na comunidade, workshops e consultorias em outras localidades. A maior parte do material utilizado nas oficinas é doado por moradores.

Eliane explica que optou pelo papel por ser uma matéria-prima fácil de se encontrar. “Além disso, você agrega muito mais valor quando o papel é artesanal. No mercado, uma folha de papel artesanal custa R$ 6, enquanto uma cartolina custa R$ 0, 80. Como a venda é feita em espaços culturais, os compradores valorizam, já existe uma postura de compromisso ambiental”, compara.

As oficinas de reciclagem tiveram início em julho de 1999, no próprio MAC - eram 40 alunos, 12 dos quais são hoje monitores do projeto. Há dois anos e meio as aulas passaram para o Morro do Palácio, em parceria com a Associação de Moradores. A cada dois meses, é feita uma oficina aberta à comunidade, para recrutar novos interessados. “Nossa única exigência é que, para freqüentar a oficina, o aluno esteja na escola”, enfatiza Eliane.

Atualmente, a oficina é composta apenas por homens. “As mulheres atuavam mais na parte de cartonagem (confecção e acabamento das peças), já que a elaboração do papel é um trabalho pesado, que requer força”, diz Eliane. O aluno Douglas Araújo, 22 anos, é um dos que mais prezam a presença feminina em sala de aula. “Pergunto se tem turma com meninas porque elas prestam mais atenção, já o homem acha que sabe tudo”, diz ele, também monitor.

Livro nos Estados Unido
Douglas é um exemplo de que a arte pode abrir novas portas. “Nunca fui ligado nessa coisa. Não queria nada, pensava só em comer e dormir, achava que não tinha capacidade. Mas hoje eu acho ótimo, tenho planos de ser professor de educação artística”, diz. Indicado por Eliane para ser assistente de uma artista plástica, Douglas cultiva o hábito de visitar o Museu de Arte Contemporânea. “Gosto de olhar as obras para me inspirar. As oficinas também me fizeram ter vontade de voltar pra sala de aula”, diz.

Ao lado dos alunos Elielton Queiros Rocha, 20 anos, Rodrigo de Oliveira Paes, 27 anos, Tiago Souza Siqueira, 16 anos, e Josemias Moreira Filho, 22, Douglas transforma em papel o que viria a ser lixo. Rodrigo de Oliveira Paes, 27 anos, não tem dificuldade para apontar o que mais gosta nas oficinas. “Gosto quando tá todo mundo produzindo junto e quando surge alguma técnica nova que dá injeção de ânimo no grupo. Fiz até uma bandeira do PT e com ela presenteei a esposa do Vice-Presidente da República. Eles vieram visitar o MAC e nós fomos os anfitriões”, orgulha-se.

O monitor Elielton ressalta: “Nosso trabalho é conhecido mundialmente. O Museu é o cartão postal de Niterói, lá tem sempre turistas e eles acabam indo na loja e conhecendo nossas peças”.

Entre os alunos mais célebres está Josemias Moreira Filho, que chegou a ter um livro exportado para a Fundação Andy Warhol, nos Estados Unidos. “Era uma colagem com aquela moça da saia que voa”, diz ele, sem lembrar o nome de Marilyn Monroe.

Do punhal para a águia
Na hora de explicar o passo-a-passo da reciclagem, o aluno Elielton Rocha propõe uma espécie de “duelo” ao amigo Josemias Moreira e começa e enumerar, em ritmo de funk, os papéis que podem e os que não podem ser reciclados. “Não pode: carbono, laminado, celofane, higiênico, seda, todos os que têm plástico e os metálicos”, diz Telto, dando a deixa para Josemias. “Também não trabalhamos com jornal porque demora muito para tirar a tinta. Trabalhamos com: ofício, craft, embalagem de ovos, caderno velho, a parte interna do saco de cimento, coador de café, envelopes velhos”, completa.

Professora de educação artística da Marinha e moradora de um bairro de classe média em Niterói, Eliane também realizou trabalhos na Casa da Paz, em Vigário Geral, e na Baixada Fluminense.

Ela gosta de lembrar da época em que optou de vez pelo trabalho artístico, social e ambiental em comunidades. O ano era 1982 e um grupo de jovens artistas pretendia colocar em prática na Rocinha, Zona Sul do Rio, um projeto de interação escola-comunidade.

“O objetivo era trabalhar diversas linguagens artísticas para aproximar as escolas comunitárias das escolas do governo. Integrei um grupo chamado Oito Cores, que era composto por oito profissionais de diferentes áreas”, conta Eliane. Mas logo surgiram as dificuldades. “A princípio, demos de cara na porta. Éramos jovens cheios de boas intenções mas descobrimos que a comunidade estava cansada de projetos que não tinham continuidade. Até que fomos nos integrando, capacitamos monitores nas próprias escolas e realizamos diversas oficinas”, lembra.

Foi na oficina de tecido e papel que a artista plástica conheceu Francisco, um adolescente que andava muito mal na escola. “Ele quis participar das oficinas, tinha o objetivo de aprender a colocar suas ilustrações em camisetas. Quando aprendeu a técnica, começou a imprimir um punhal em todos os lugares. Conforme íamos trabalhando, ele passou a imprimir uma águia, o que já é por si só muito significativo”, recorda.

O mais interessante é que Francisco virou um dos monitores do projeto, começou a receber encomendas para a comunidade e, como não sabia escrever, teve vontade de voltar para a escola. “Foi ele que me fez ter certeza de que a arte é, acima de tudo, um veículo de crescimento”, conclui, emocionada.

JULIA DUQUE ESTRADA
do site EcoPop

 
 
 

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