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rio de janeiro
13/08/2004
Caixa d'água da Praça dos Cadetes vai virar biblioteca

Caixa d'água é lugar de... lazer e cultura. Pelo menos na Praça dos Cadetes, em Realengo, na Zona Oeste do Rio. Lá, um grupo de moradores trabalha para transformar a construção da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), praticamente desativada e usada como abrigo para usuários de drogas há anos, em espaço cultural. Intitulado POP – Pólo de Irradiação Cultural, o projeto prevê a instalação de uma biblioteca popular, sala de CDs e vídeos, além de computadores conectados à internet. E já começa a sair do papel, na base de parcerias, mutirão e doações.

O artista Ângelo José Ignácio, de 46 anos, teve a idéia de criar um centro cultural no bairro em 1992, quando passou a integrar o Fórum de Arte e Cultura do Rio de Janeiro. Há três anos, ainda no Fórum, participou de um estudo envolvendo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), da Fundação Getúlio Vargas e do Iplan-Rio (órgão da Prefeitura). “Observamos a existência de apenas uma aparelhagem cultural (como teatro e cinema) para cada 2.225 moradores. Ficou demonstrada a necessidade da criação de espaços culturais em toda a cidade e eu, como morador, vejo em especial a carência da Zona Oeste”, explica.

Por sua vez, Murillo Pinto da Silva, de 71 anos e presidente da associação de moradores Amoreti buscava opções para o aproveitamento da caixa d’água de 26 metros de altura e 20 metros de circunferência. Um verdadeiro elefante branco na praça que atualmente está sendo reformada pela Prefeitura. “Depois da obra, a área de lazer será ainda mais freqüentada e aquele espaço ocioso da caixa deve dar lugar a algo produtivo para os jovens e outros moradores”, defende Murillo.

E com razão. Afinal, segundo dados das associações de moradores locais, cerca de 2.500 pessoas freqüentam a praça aos domingos. “Foi aí que, conversando com o Ângelo e outros amigos como o Luiz Carlos Chaves, da AMAI - Associação de Moradores do Antigo IAPI (Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários) e Rubens Antônio da Silva, da Associação dos Inativos, a primeira a surgir no Brasil, resolvemos unir nossos interesses numa só idéia. E fazer daquele castelo d’água a sede de um pólo cultural”, explica Murillo.

15 anos sem aluguel
Eles mergulharam de cabeça na idéia. Murillo procurou a Companhia Estadual de Águas e Esgotos, responsável pelo imóvel, e buscou parceria. “Disse a eles que não queríamos verba, expliquei nossas idéias e graças às diretoras de marketing da Cedae, Cláudia Batista e Cláudia Matos, tivemos aprovação na hora. Há cerca de quatro meses estamos com a documentação para gerir o espaço”, comemora ele, que vai poder usar o imóvel sem pagar aluguel durante 15 anos. “Como condição devemos manter as tubulações internas da caixa e disponibilizá-la imediatamente em caso emergencial e necessidade de utilidade pública”, ressalta o presidente da Amoreti.

A moradora Maria de Lurdes de Oliveira, de 54 anos, aprova o projeto. “A caixa já era para uso dos moradores do antigo IAPI no passado e uma iniciativa que reaproveite o prédio trazendo cultura, nos será ainda mais útil hoje”, diz a dona-de-casa.

Os planos são ambiciosos. Incluem aproveitar toda a estrutura da caixa e criar um ambiente com três andares. “Construiremos três mezaninos. O primeiro andar será o espaço dedicado às crianças, com vídeos e gibis; o segundo, para os jovens com computadores ligados à internet, e o terceiro, para adultos com CDs, livros e revistas. O que se quer é um espaço descontraído e não um local sisudo de pesquisa; até porque bibliotecas com livros didáticos as escolas já possuem”, diz Ângelo.

Para passar da idéia ao papel, os idealizadores do projeto contam com a ajuda voluntária da estudante de arquitetura Fernanda Dias Mihessen, que já começou a esboçar a planta de seu projeto. “Estava procurando realmente um espaço para iniciar meu estudo quando soube das idéias deles. Eu já conhecia o Luiz da AMAI, o que me motivou ainda mais a participar de um trabalho que visa uma idéia tão bacana para esta região”, diz a moradora de Realengo, de 19 anos.

400 livros já doados
Fora os mezaninos, eles planejam a construção de uma espécie de varanda ligada à caixa d’água. “O objetivo é ampliar o espaço, criando um ambiente externo possivelmente aproveitado para espetáculos teatrais e de dança. Para que as idéias boladas para o prédio possam interagir com o entorno. Isso também seria uma maneira de atrair os freqüentadores que buscam lazer nas praças”, explica Fernanda.

O projeto aposta na política de boa vizinhança. “Queremos também incentivar a realização de atividades culturais na Escola Municipal Baronesa de Saavedra, colada à Praça dos Cadetes, e promover atividades de leitura a céu aberto aproveitando o espaço da praça”, acrescenta o artista.

Por enquanto, eles já arrecadaram mais de 400 livros doados por moradores – incluindo títulos de arte, política, didáticos e romances. “Queremos abrir o espaço mesmo antes das obras dos mezaninos. A construção externa do projeto da Fernanda e a instalação de computadores serão a última etapa, porque ambos necessitam de verba e o primeiro ainda esbarra na burocracia de se querer mexer num espaço público da prefeitura”, explica Ângelo.

Ele acrescenta que já estão providenciando a inclusão do projeto na lei de incentivos fiscais e fazendo contato com empresas e indústrias da região, como fábricas de cimento e outros materiais de construção. “Nesta semana um mutirão formado por moradores e amigos fará a limpeza do prédio e as primeiras atividades vão começar ainda este ano“, conta.

Freqüentador da praça, o skatista Marcelo Freitas da Silva, de 22 anos, está ansioso para a inauguração do Pólo. “Muitos acham que a galera do skate não tem interesse por atividades culturais. Mas isso não é uma posição dos skatistas. Acho muito dez atividades como grafite e teatro. Se os jovens perceberem que há abertura para eles participarem, muitos vão se animar”, diz o estudante de publicidade.

Ângelo garante atividades atrativas como o grafite: “Inclusive a pintura externa do prédio será uma obra artística que homenageará, através da pintura, personalidades que fizeram a história do bairro. Uma inspiração no trabalho do artista mexicano Diego Rivera, que sempre valorizou o seu país e a sua cultura, e que cobrirá a pintura feita arbitrariamente pela Prefeitura”.

Já o muro da escola Baronesa de Saavedra deverá ganhar 40 painéis, além da pista de skate que também será grafitada por artistas da região num festival de pintura, previsto para acontecer em setembro. “O que se quer é garantir um espaço onde todos possam participar”, conta o artista plástico.

Integrante do projeto Jovens Pela Paz, do governo do estado, Leandro Cordeiros, de 18 anos, já está participando. “Dou uma ajuda organizando os livros e revistas”. Por enquanto, a mão-de-obra é só voluntária. “Adoraria trabalhar aqui porque estaria num ambiente maneiro e ajudando a incentivar a cultura. Desta forma também estaria promovendo a paz, já que a arte e a leitura abrem nossa mente”, sonha Leandro. No que depender do Pólo, muita cultura ainda vai rolar naquela caixa.



ANA CAROLINA MIGUEL
do site Viva Favela

 
 
 

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