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rio de janeiro
11/08/2004
Comunidade pobre em bairro rico vai desaparecer para dar lugar ao metrô

Os anos de convivência das 40 famílias que vivem na Vila União, no Rio, estão com os dias contados. Comunidade pobre formada por casas simples - algumas de alvenaria, outras de madeira -, a vila vai desaparecer. Seu pecado: ficar no meio do caminho da Linha 4 do Metrô, idealizada para ligar o restante da cidade à Barra da Tijuca, bairro de alto poder aquisitivo que sediará boa parte dos Jogos Pan-Americanos de 2007.

A obra, prevista para durar 30 meses, deve começar já no final deste ano. Um dos espaços mais cobiçados do Rio, a Barra da Tijuca já foi terra de ninguém antes do boom promovido pela especulação imobiliária que tomou conta do bairro a partir da década de 80. Antes disso, os moradores da área buscavam não só tranqüilidade, como também a comodidade de morar perto do trabalho.

No início dos anos 50, meio por acaso, um pequeno grupo de pioneiros formou a Vila União. Localizada à margem da Lagoa da Tijuca e à beira de uma das mais movimentadas vias de acesso da região, a Avenida Armando Lombardi, não é de hoje que a comunidade convive com o risco de remoção.

Impacto ambiental
“O percurso é praticamente reto. Vem pelas rochas, passa pela lagoa, e vai dar justamente no terreno da comunidade, que é uma área pública. Tudo indica que esses moradores estão ilegais e, infelizmente, não existe outra alternativa além da remoção”, diz Carlos Montano, diretor da empresa Agrar, uma das que fizeram a análise do impacto ambiental da obra.

Os moradores da Vila União não concordam. “Desde que a Barra se tornou um bairro de classe média alta, valorizado comercialmente, volta e meia surge uma história de que temos que sair, que estamos numa área pública, que somos ilegais”, reclama Custódia Dias Pereira, 49 anos, presidente da associação de moradores da Vila União.

Na hora de pensarem em removê-los, diz Custódia, sempre existe um motivo diferente em relação ao desenvolvimento da cidade: “Ora é a construção de uma ponte, ora o alargamento da pista. E agora vem o metrô. Por que toda vez é justamente no nosso terreno? Todos os levantamentos e estudos só conhecem essa área?”, questiona.

Segundo Carlos Montano, a questão é puramente técnica: “Fizemos um estudo de impacto ambiental e tivemos que traçar uma direção para não causar maiores danos, tanto à natureza quanto às construções, ao trânsito, enfim, à rotina da cidade”.

Representante da segunda geração de moradores da região, Custódia conta que seu pai, quando era solteiro, costumava pescar na Lagoa. Quando se casou, ele decidiu se mudar para lá.

”Eram umas dez famílias. Assim como eu, meus irmãos e os filhos dos outros moradores foram crescendo, casando, fazendo as suas casas”, diz a líder comunitária. Atualmente, são 40 famílias e cinco estabelecimentos comerciais.

Todos, garante Custódia, têm concessão de posse. “Durante anos pagamos à União uma taxa de ocupação e somos reconhecidos como foreiros dessa área”, explica a presidente, que desde a fundação ‘oficial’ da Vila União, em 1977, luta pelos direitos da comunidade. “Nós não éramos organizados, nem tínhamos nome, não sabíamos de nada. Mas tivemos que correr atrás, criar uma associação de moradores. Nessa época começaram as investidas e ameaças de remoção”, conta ela.

Floresta derrubada
Dessa vez, parece que não há saída. Os cinco mil metros de extensão, e a localização em terreno plano, são considerados ideais para o pátio do centro de manutenção dos trens. A maior parte do trecho dessa primeira parte da Linha 4, entre o Jardim Oceânico e Gávea, será feita através das rochas, pelos morros que ligam os bairros.

Além da remoção da comunidade, estão previstos também o desmatamento de 1.800 metros quadrados de floresta, na Estrada da Gávea, em São Conrado; a transferência, durante as obras, do Posto de Saúde Píndaro de Carvalho Rodrigues (na Gávea); e a redução do número de vagas no estacionamento da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica).

Há seis anos, depois das várias ameaças de remoção, os moradores da Vila União cansaram de lutar sozinhos e resolveram buscar ajuda na Fundação e Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião.

Advogada há dez anos da Bento Rubião, Jane Lisboa de Abreu é quem cuida do caso. Sua luta, em princípio, é pela permanência da Vila União. “Trata-se de uma comunidade legal que adquiriu seus direitos com os anos e que nunca deixou de pagar as suas obrigações”, diz a advogada.

Ela diz que não recebeu até agora nenhuma informação oficial sobre a retirada dos moradores por causa da Linha 4 do Metrô: “Se isso for mesmo inevitável, vamos ter que negociar. Ou toda a comunidade será removida para um terreno próximo, o que é garantido pela lei orgânica do município, ou então os moradores receberão um valor igual para todos pela indenização pelo imóvel”.

Custódia diz que alguns moradores não querem sair daqui de jeito nenhum, "mas a grande maioria já aceita essa condição, desde que todos sejam indenizados igualmente”.

Filha do primeiro morador da região, Marinete da Silva Rodrigues está entre os que não suportam a idéia de sair dali. Ela confessa que já ficou doente só em pensar na possibilidade de deixar a casa, construída pelos pais e reformada pelo marido. Mais do que o valor financeiro, o imóvel simboliza a história de sua família.

Obrigações pagas
“É muito triste, mas também não deixa de ser desgastante conviver a todo momento com esse papo de remoção. Estamos cansados e querendo resolver a situação de uma forma favorável “, observa a dona-de-casa.

Aos 61 anos, ela gostaria que toda a comunidade fosse removida para um outro terreno na Barra. “Todos se conhecem há anos e isso seria o ideal e o justo. Mas se não for possível, que pelo menos cada um possa ganhar uma grana para comprar uma casa num lugar decente”, espera.

Menos conformado está o motorista autônomo José Carlos de Oliveira. Aos 52 anos, 30 deles morando na Vila, ele evita até tocar no assunto: “Não me conformo e mesmo sabendo que dessa vez o caso é mais complicado do que os anteriores ainda tenho fé de que vamos ficar”.

Já o segundo morador mais antigo da localidade, José Guilherme Sobrinho, 62 anos, conhecido como Marreco, está pessimista em relação à permanência. O pequeno comerciante faz as contas, tentando projetar a indenização. “Preciso de uma quantia suficiente para pagar as minhas dívidas e ainda conseguir comprar uma casa em Jacarepaguá. Acho que mais ou menos R$ 50 mil vai dar”, calcula.

Prefeitura desconhece comunidade
Para a advogada Jane, a grande questão está no fato de a Vila União ser uma comunidade pobre, relativamente pequena e, por isso, aparentemente mais fácil de ser removida. “Mais à frente tem um terreno onde está localizado um shopping center e atrás da comunidade existe um clube social. Fico me perguntando se o estudo de impacto ambiental não levou em conta isso na hora de definir o traçado e a instalação do centro de manutenção justamente no terreno daqueles moradores”, salienta.

A Concessionária Rio-Barra será a responsável pela construção do trecho Gávea-Jardim. A obra está orçada em mais de R$ 1,3 bilhão, cabendo à Prefeitura R$ 616 milhões e à Rio-Barra, R$ 764 milhões.

O projeto ainda está em sua primeira fase, quando deve ser obtida a licença prévia. Segundo a assessoria da Concessionária Rio-Barra, o presidente da Companhia, José Lima, já confirmou que todas as famílias da Vila União serão indenizadas. Todos os casos serão analisados e negociados de acordo com os critérios estabelecidos em lei, garantem.

A subprefeitura da Barra da Tijuca foi procurada para se posicionar sobre o futuro da Vila União, situada na Avenida Armando Lombardi, número 300, mas a assessoria de imprensa do órgão informou “desconhecer a existência da comunidade na região”.

 

ANA CORA LIMA
do site Viva Favela

 
 
 

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