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Na
economia, brasileiro torce por milagre
Depois das décadas
de 60 e 70, no qual o país chegou a experimentar um período
de crescimento elevado, os brasileiros foram apresentados à
montanha-russa. Moratórias e cinco planos econômicos
encarregaram-se de propagar a sensação de que o abismo
está sempre por perto. Nesse contexto, o Plano Real parecia
ser a oportunidade de iniciar a arrancada. Completados oito anos
de seu lançamento, o Brasil venceu a inflação,
o que não é pouco. Mas chega às eleições
de 2002 com uma pauta de discussão que parece velha. Seus
pontos principais são dois: consolidar o processo de estabilização
e fazer o Brasil crescer.
A taxa de desemprego
acaba de atingir 7,7%, segundo o IBGE. Os investimentos estrangeiros
diretos, que já romperam a casa dos 30 bilhões de
dólares anteriormente, chegarão ao fim do ano, com
muita sorte, a 18 bilhões. Dizem que, por causa das incertezas
associadas ao processo eleitoral, o risco Brasil ultrapassou o da
Nigéria, situando-se na casa dos 1.700 pontos. Nos últimos
dias, a coleção de indicadores ruins foi encorpada
com o anúncio do Banco Central que rebaixou o cálculo
do crescimento da economia para 2002. A previsão inicial,
de 2,5%, que já era ruim, foi reduzida para 2%.
Para piorar,
não é apenas sensação sua. Está
de fato sobrando menos salário no final do mês. A renda
é um indicador do quadro social de um país. As taxas
de criminalidade são maiores nos países com renda
mais baixa. Quando os rendimentos sobem, melhoram os índices
de educação, a qualidade do saneamento básico,
cai a mortalidade infantil, cai também a incidência
de certas doenças e até mesmo a ocorrência de
pequenos delitos, como a depredação de telefones públicos.
Outra característica do indicador renda é que ele
sempre traduz para o homem comum aqueles números complicados
monitorados pelos técnicos.
Seguiram-se
a essa seqüência de más notícias a recessão
dos Estados Unidos, o apagão, o atentado ao World Trade Center
e finalmente a quebra da Argentina. A sucessão de crises
diminuiu as exportações, espantou parte dos dólares
e jogou os juros nas alturas. É esse sistema perverso que
precisa ser desmontado.
Leia
mais:
- O tamanho do nó brasileiro
Leia
também:
- Renda engessa tudo
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O
tamanho do nó brasileiro
Cingapura tinha,
até meados da década de 50, vastas áreas pantanosas
ocupadas por pescadores. A Coréia do Sul, em 1970, possuía
uma renda per capita equivalente à metade da dos brasileiros.
E a Espanha, na década de 70, freqüentava a lista dos
países com renda per capita na faixa dos 1.000 dólares.
As pessoas viviam nesses países em condições
semelhantes às do Brasil, ou piores. O tempo inverteu a realidade.
Cingapura virou uma nação de arranha-céus sofisticados
com renda per capita de quase 25.000 dólares, mais alta que
a do Canadá.
A Coréia
do Sul ostenta renda per capita de 8.900 dólares, 2,5 vezes
mais alta que a brasileira. E a da Espanha atingiu o patamar de
15.000 dólares. O Brasil perdeu tempo. Passado o ciclo militar,
no qual o país chegou a experimentar um período de
crescimento elevado, os brasileiros foram apresentados à
montanha-russa.
Moratórias
e cinco planos econômicos encarregaram-se de propagar a sensação
de que o abismo está sempre rondando por perto. O Plano Real
parecia ser a oportunidade de iniciar a arrancada. Completados oito
anos de seu lançamento, o Brasil venceu a inflação,
o que não é pouco. Mas chega às eleições
de 2002 com uma pauta de discussão que parece velha. Seus
pontos principais são dois: consolidar o processo de estabilização
e fazer o Brasil crescer.
A taxa de desemprego
acaba de atingir 7,7%. Os investimentos estrangeiros diretos, que
já romperam a casa dos 30 bilhões de dólares,
chegarão ao fim do ano, com muita sorte, a 18 bilhões.
Por causa das incertezas associadas ao processo eleitoral, o risco
Brasil ultrapassou o da Nigéria, situando-se na casa dos
1.700 pontos. É o segundo maior do mundo, atrás apenas
do da Argentina. "O Brasil ainda enfrenta questões primárias
que já foram superadas em outros países, como a insegurança
sobre a solidez do Banco Central ou o medo que investidores têm
de ver seus contratos desonrados", diz Octavio de Barros, economista-chefe
do BBV Banco.
Nos últimos
dias, a coleção de indicadores ruins foi encorpada
com o anúncio do Banco Central que rebaixou o cálculo
do crescimento da economia para 2002. A previsão inicial,
de 2,5%, que já era ruim, foi reduzida para 2%. Para um país
no estágio do Brasil, a perspectiva de continuar nesse padrão
é assustadora. Se crescesse a uma taxa média anual
de 3% durante 25 anos seguidos, ainda assim teria seu contingente
de pobres reduzido de 34% da população para 15%. Detalhe:
países com renda per capita semelhante à brasileira
têm - já hoje, com um quarto de século de vantagem
- entre 4% e 19% da população abaixo da linha da pobreza.
O ciclo de desconfiança
internacional em que o Brasil mergulhou é, em parte, produto
de uma ilusão de ótica. Há medo de uma vitória
de Lula, há especulação e também o chamado
"efeito manada". Essa constatação não
remove a desconfiança. Pior: existem indicações
setoriais da economia de que o país enfrenta um problema
real, não apenas de percepção dos fatos. O
setor automobilístico registrou queda de 17,8% nas vendas
quando se compara o primeiro semestre de 2002 com igual período
de 2001. Na semana passada, a Volkswagen anunciou férias
coletivas por uma semana para que o estoque de carros parados no
pátio possa ser comercializado.
A empresa foi
uma das muitas companhias que recorreram ao achatamento da jornada
de trabalho. Com a retração das vendas, a Volks viu-se
forçada a encolher a semana de trabalho para quatro dias.
O sistema vigorou até abril e significou redução
de quase um quinto da folha de pagamento. Mesmo assim, estimulou
que funcionários saíssem com o auxílio de um
programa de demissões voluntárias. Setecentos deles
aderiram. Agora os empregados vão ficar em casa e passam
a dever à companhia essas horas sem trabalho. Quando a demanda
do mercado aumentar e a Volkswagen de fato precisar de sua mão-de-obra,
poderá usar o crédito.
Na semana passada,
a agência americana de avaliação de risco Standard
& Poor's rebaixou o Brasil na classificação de
risco, sob o argumento de que o país pode não honrar
a dívida interna. Numa manifestação pouco comum
nesses casos, a Standard & Poor's justificou a mexida no ranking.
"O PT nunca esteve no poder. Se chegar lá, levará
um tempo para aprender a governar", disse Helena Hessel, analista
de risco da S&P, especializada em papéis brasileiros.
Dias depois,
a própria Standard & Poor's, o Fundo Monetário
Internacional (FMI) e o Tesouro americano disseram que a dívida
brasileira é administrável e que, na origem de todo
o turbilhão atual, está mesmo a expectativa política.
"Os mercados e os analistas estão sofrendo de um ataque
de histeria diante da possibilidade de vitória de Lula",
resumiu o alemão Horst Koehler, diretor-geral do FMI. Outros
analistas acrescentaram um ingrediente ao diagnóstico: o
ambiente externo desfavorável.
Desde a revelação
de fraude na contabilidade da megaempresa de energia Enron, em dezembro
do ano passado, um clima de desconfiança instalou-se entre
os investidores internacionais. Nos últimos dias, as bolsas
de ambos os lados do Atlântico tentavam em vão digerir
outros escândalos contábeis envolvendo companhias de
reputação brilhante, tanto nos Estados Unidos quanto
na Europa. "Se o investidor enxerga risco numa empresa cuja
sede ele conhece e onde tem parentes trabalhando, imagine seu sentimento
em relação ao mercado de um país distante",
diz o brasileiro José Alexandre Scheinkman, professor de
economia da Universidade Princeton, nos Estados Unidos.
Uma das promessas
da globalização era justamente a de que os investidores
ficariam tão familiarizados com os mercados estrangeiros
que não teriam receios extras em despejar neles suas economias.
É irônico que esteja ocorrendo justamente o contrário.
O risco nos mercados centrais do capitalismo está afetando
os países emergentes. Outra das promessas era que as economias
nacionais acabariam sendo reguladas pelas forças globais.
Essa se manteve. Um exemplo clássico é a derrota da
inflação. Esse monstro foi domado em todo o mundo
capitalista e hoje ninguém concebe a volta da hiperinflação
num único país. A Argentina, que deve acabar o ano
com 60% de inflação acumulada, não é
exceção à regra, pois essa taxa não
pode ser descrita como uma híper.
As estatísticas
mostram que, desde o aprofundamento dos laços entre as economias
em meados da década de 90, seus destinos flutuam ao sabor
das mesmas forças. A variação do PIB brasileiro,
por exemplo, vem seguindo mais ou menos a curva do PIB mundial.
Isso vale também para as exportações brasileiras.
Essa interdependência, como quase todos os fenômenos
da globalização, tem seu lado bom e sua face negativa.
De um lado, garante a participação, ainda que em proporções
diferentes, de todos no bolo do crescimento global. De outro, dificulta
que um país como o Brasil possa iniciar isoladamente um processo
de recuperação econômica.
(Veja)
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Renda
engessa tudo
Não é
apenas sensação sua. Está de fato sobrando
mês no final do salário. Os números mais frescos
sobre o assunto confirmam que a renda média das pessoas vem
caindo sistematicamente. Segundo as estatísticas do IBGE,
os primeiros meses deste ano registraram 15% de perda em relação
ao mesmo período do ano passado. Para acentuar a gravidade
do quadro, o movimento declinante não começou agora,
mas em 1997. E não parou mais. Considerados esses cinco anos
em bloco, os salários perderam 35% de seu poder de compra.
Além de ser um problema individual para as famílias,
que se vêem obrigadas a administrar um orçamento mais
apertado, a queda na renda é problema de natureza coletiva.
Sociedades com renda em declínio ingressam num perturbador
ciclo vicioso. Com menos dinheiro no bolso, as pessoas compram menos,
os empresários reduzem o ritmo de produção
e dá-se o inevitável, a demissão. Nos últimos
cinco anos, período em que a renda entrou em declínio,
a taxa de desemprego aumentou 23%. Onde isso vai dar se a seqüência
não for interrompida é uma incógnita.
A retração
da renda surpreendeu a maior parte dos especialistas, pois se esperava
que, com a estabilidade, o Brasil entrasse num ciclo sustentado
de desenvolvimento. Não foi o que aconteceu. O brasileiro
sentiu no cotidiano as conseqüências da crise da Ásia,
em 1997, da moratória russa, no ano seguinte, e da desvalorização
do real, em 1999. Seguiram-se a essa seqüência de más
notícias a recessão dos Estados Unidos, o apagão,
o atentado ao World Trade Center e finalmente a quebradeira da Argentina.
A sucessão de crises diminuiu as exportações,
espantou parte dos dólares e jogou os juros nas alturas.
É esse sistema perverso que precisa ser desmontado.
A renda é
um indicador do quadro social de um país. As taxas de criminalidade
são maiores nos países com renda mais baixa. Quando
ela sobe, melhoram os índices de educação,
a qualidade do saneamento básico, cai a mortalidade infantil,
cai também a incidência de certas doenças e
até mesmo a ocorrência de pequenos delitos, como a
depredação de telefones públicos. Outra característica
do indicador renda é que ele sempre traduz para o homem comum
aqueles números complicados monitorados pelos técnicos.
"Basta olhar para o item renda e se saberá se a economia
de um país vai bem ou vai mal", diz o ex-ministro Mailson
da Nóbrega.
Nos dois primeiros
anos do Plano Real, 1994 e 1995, a renda dos brasileiros cresceu
mais de 8%, e a economia viveu um momento ótimo. A partir
de 1997, a renda entrou em declínio, e a economia seguiu
atrás, piorando também. Há uma terceira característica
da renda, talvez a mais poderosa, que é servir como locomotiva
do processo de recuperação econômica. Se o salário
das pessoas não subir, não adianta falar em estabilidade
e responsabilidade fiscal. Sem renda, o Brasil não avança.
Na economia,
os primeiros setores a sofrer com a queda na renda são os
que estão mais próximos do consumidor, como o supermercado.
Uma pesquisa da empresa The Boston Consulting Group com famílias
de renda até 2.000 reais mostra que elas deixam de comprar
vários produtos que consideram supérfluos quando a
renda cai. Numa primeira fase, as famílias cortam doces,
suco de fruta, congelados semiprontos, fio dental, salgadinhos.
Depois, se as coisas não melhoram, a lista passa por um segundo
ajuste e perde itens mais importantes, como amaciante de roupa,
filtro de papel para coar café, iogurte e queijo ralado.
A nova lista ficará reduzida aos itens básicos: arroz,
batata, carne, óleo de soja, farinha de trigo.
O mercado de
eletroeletrônicos, que atravessa um mau momento, está
num enrosco mais complicado. O brasileiro leva dez anos para trocar,
por exemplo, a geladeira, o dobro do tempo gasto pelo americano.
Quem tinha dinheiro para a troca da geladeira, do fogão e
do aparelho de televisão já está equipado com
tudo isso. Os mais pobres, que não dispunham de recursos
para adquirir esses bens, continuarão sem tê-los. A
saída seria financiar a venda, mas isso só resolve
o problema de uma parte dos clientes potenciais, porque as taxas
de juro jogam as prestações na lua. Resultado: as
vendas desse setor estão em queda desde 1997.
Outro fenômeno
provocado pela queda na renda é a substituição
de marcas renomadas por outras mais baratas. Uma pesquisa realizada
pela ACNielsen, empresa especializada em análise de mercado,
comprovou a tendência ao investigar 157 categorias de produtos
nos setores de alimentação, higiene pessoal, limpeza
caseira e bebidas. O estudo mostrou que o volume de itens no carrinho
está praticamente inalterado, mas o preço médio
das compras caiu 4%. Ou seja, as pessoas estão, na medida
do possível, preservando a quantidade de compras, mas escolhendo
as chamadas marcas B. Esse movimento estimulou a criação
de fábricas pequenas, como a Cinalp, que produz achocolatados.
No último ano, as esteiras da Cinalp duplicaram a produção.
Já são mais de quarenta as marcas B de achocolatados.
Elas detêm 22% do mercado.
Observa-se ainda
a migração da clientela de poder aquisitivo mais elevado
rumo às lojas mais baratas. A rede Riachuelo, que vende roupas,
sempre se concentrou nas vendas ao público C e D. Agora,
vem recebendo cada vez mais compradores da classe B. Para incentivar
esse movimento, a Riachuelo lançou uma campanha em que usa
as atrizes Camila Pitanga, Giovanna Antonelli e Malu Mader. A C&A,
que também vende roupas, contratou a modelo Gisele Bündchen
como forma de falar a um consumidor mais sofisticado.
Um setor que
está gemendo com a queda de renda do brasileiro é
o de telecomunicações, pois muita gente simplesmente
está deixando de usar o serviço. Nos quatro primeiros
meses de 2002, as empresas faturaram apenas 61% do que haviam registrado
no primeiro quadrimestre de 2001. No caso da telefonia, depois de
atravessar uma década em que o setor dobrou de tamanho e
o telefone chegou aos lares das classes C e D, as companhias enfrentam
dificuldades para achar mais clientes e diminuir a taxa de inadimplência.
A lei determina que depois de um mês o cliente devedor seja
impedido de fazer ligações. Com três meses de
atraso, a empresa está autorizada a cortar a linha. Informalmente,
as companhias preferem esticar o prazo de negociação
e parcelar a dívida. O objetivo é segurar as linhas
para não perder pelo menos a receita oriunda das chamadas
recebidas pelo mau pagador. "Esse é um dos vários
sinais de que o brasileiro tem menos dinheiro no bolso", afirma
Mario Werneck Britto, diretor de marketing e produtos da Fininvest,
a maior financeira do Brasil voltada para o crédito às
classes C, D e E.
Quando as coisas
vão bem, uma das primeiras atitudes das pessoas é
trocar o carro usado por um modelo novo. Na crise, as trocas param.
Quando o cenário parecia positivo, a montadora Mercedes-Benz
apostou que o brasileiro já estivesse preparado para escolher
carros não por preço, mas por estilo. E desembolsou
820 milhões de dólares para abrir em Juiz de Fora
uma fábrica que produziria o Classe A, um "popular"
chique que sai da linha de montagem com direção hidráulica,
airbag e freios ABS. Infelizmente, a expectativa não se concretizou
conforme o plano original. A empresa calculava comercializar 40.000
Classe A por ano. As previsões para 2002 falam em vendas
da ordem de 10.000 veículos. O Classe A acabou perdendo espaço
no mercado para carros menos sofisticados, mas com preço
mais baixo. Não foi apenas a Mercedes que perdeu. Como resultado
do cenário econômico, o setor vendeu neste primeiro
semestre 17,8% menos que no mesmo período do ano passado.
Para correr atrás do prejuízo, os empresários
debatem agora a possibilidade de criar modelos mais baratos ainda
que os atuais populares. Pode nascer daí o segmento "popular
do popular".
Quando se fala
em renda, há dois conceitos diferentes e complementares.
Um deles é o de renda per capita, resultado da divisão
aritmética do produto interno bruto pelo total de habitantes.
No Brasil, a renda per capita se situa na casa dos 3 400 dólares.
Esse indicador funciona como um bom instrumento para as comparações
internacionais. Por meio dele, fica-se sabendo que o Brasil não
pode ser considerado uma nação pobre, pois mais de
55% dos países do mundo têm renda per capita inferior
à brasileira. Segundo o Banco Mundial, nossa renda per capita
é mais de dez vezes superior à de muitos países
da África e da Ásia. O outro conceito é o rendimento
mensal das pessoas, dado apropriado para mensurar o potencial de
compra de uma sociedade. Quando as empresas vão tomar uma
decisão de investimento, elas levam em conta os dois indicadores.
Foi o que fez
o grupo Cinemark, uma das maiores companhias no ramo de cinemas
multíplex dos Estados Unidos, que realizou o primeiro investimento
no Brasil em 1997. Segundo seus cálculos, a renda autorizava
o investimento e, para tornar o quadro ainda mais atraente, apenas
9% das cidades tinham cinema. Em cinco anos, a Cinemark despejou
265 milhões de reais em 29 complexos. Planejava espalhar-se
mais pelo Brasil, mas acabou tendo algumas surpresas desagradáveis
e refez seus planos. Em Aracaju e Campo Grande, capitais com muita
gente e poucas salas, o grupo foi forçado a reduzir à
metade o preço médio do ingresso para salvar o movimento.
"Para não correr riscos, os investidores procuram as
praças com maior concentração de renda e, por
isso, boa parte das vezes terminam no Sudeste, principalmente em
São Paulo", diz Ricardo Durazzo, vice-presidente da
consultoria americana A.T. Kearney.
O resultado
desse movimento é sabido: a renda, que já é
pessimamente distribuída, concentra-se ainda mais. Pegue-se
o exemplo de São Paulo, citado pelo consultor da A.T. Kearney.
Não existe nos grandes países um caso de concentração
econômica como o do Estado de São Paulo e sua capital.
Os paulistas, que representam 20% da população do
país, mantêm 35% das exportações, 45%
da produção industrial, 50% da tecnologia e 90% do
sistema financeiro nacional. Nos Estados Unidos, essa marca só
é atingida quando se soma a produção dos três
maiores Estados. O sociólogo José Pastore, professor
da Universidade de São Paulo, chama a atenção
para as conseqüências nocivas dessa concentração.
"O impacto do dinheiro no consumo fica reduzido quando o dinheiro
está concentrado. O rico pode comprar quanto quer, mas se
já tem dois aparelhos de som não vai comprar um terceiro",
diz.
Há no
topo da pirâmide brasileira um grupo reduzido de pessoas que
continuam comprando, e bastante, mesmo quando os números
da economia não são os melhores. A maior parte deles
mora na Região Sudeste, mas existem representantes em todos
os Estados brasileiros. É o caso da empresária Van
Carvalho, 37 anos, dona de uma rede de 36 supermercados espalhados
pelo Piauí e pelo Maranhão. Ela mora em Teresina,
capital do Piauí, o Estado mais pobre do Brasil. Van é
uma das locomotivas da sociedade local. Uma de suas últimas
festas a fantasia, cujo tema era a novela O Clone, fez grande sucesso.
Por morar num lugar pobre, a empresária só encomenda
roupas de grife numa loja especializada e espera chegar. Para escolher
de perto o que quer, precisa viajar. Recentemente, comprou um terninho
branco com pesponto preto na loja Daslu, em São Paulo, a
mais luxuosa do Brasil.
Esse grupo restrito
de consumidores produz números curiosos. O Brasil é
o segundo mercado mundial de canetas Montblanc e o nono maior comprador
de carros Ferrari. Depois dos Estados Unidos, também é
a nação que mais compra aviões executivos e
tem a cidade com a segunda maior frota de helicópteros do
planeta. Numa comparação feita entre as lojas da grife
Armani, as duas lojas Emporio Armani de São Paulo venderam
mais roupa que as duas de Nova York. Enquanto o mercado imobiliário,
que tem como cliente a classe média, faz ajustes para sobreviver,
as construtoras que operam no topo da pirâmide desconhecem
a crise. A RJZ Engenharia colocou à venda um prédio
na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. Vendeu os doze apartamentos,
de 170 metros quadrados, por 1,2 milhão de reais cada um
num prazo de uma semana, sem montar estande nem colocar anúncio
no jornal.
Assusta imaginar
que a defasagem entre ricos e pobres possa estar se intensificando
num país que já é considerado o segundo mais
injusto do mundo - só perde para Serra Leoa, de acordo com
o último relatório do Banco Mundial. Detalhe: Serra
Leoa é um país onde a renda per capita é de
130 dólares, 70% da população está desempregada
e sete em cada dez adultos são analfabetos. No Brasil, há
53 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza. Destas,
23 milhões são miseráveis. Com esse perfil,
é muito difícil esperar que um governo, por mais providencial
que seja, venha a produzir o milagre do crescimento sustentado.
(Veja)
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