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Semana de 08.07.02 a 14.07.02

 

Na economia, brasileiro torce por milagre

Depois das décadas de 60 e 70, no qual o país chegou a experimentar um período de crescimento elevado, os brasileiros foram apresentados à montanha-russa. Moratórias e cinco planos econômicos encarregaram-se de propagar a sensação de que o abismo está sempre por perto. Nesse contexto, o Plano Real parecia ser a oportunidade de iniciar a arrancada. Completados oito anos de seu lançamento, o Brasil venceu a inflação, o que não é pouco. Mas chega às eleições de 2002 com uma pauta de discussão que parece velha. Seus pontos principais são dois: consolidar o processo de estabilização e fazer o Brasil crescer.

A taxa de desemprego acaba de atingir 7,7%, segundo o IBGE. Os investimentos estrangeiros diretos, que já romperam a casa dos 30 bilhões de dólares anteriormente, chegarão ao fim do ano, com muita sorte, a 18 bilhões. Dizem que, por causa das incertezas associadas ao processo eleitoral, o risco Brasil ultrapassou o da Nigéria, situando-se na casa dos 1.700 pontos. Nos últimos dias, a coleção de indicadores ruins foi encorpada com o anúncio do Banco Central que rebaixou o cálculo do crescimento da economia para 2002. A previsão inicial, de 2,5%, que já era ruim, foi reduzida para 2%.

Para piorar, não é apenas sensação sua. Está de fato sobrando menos salário no final do mês. A renda é um indicador do quadro social de um país. As taxas de criminalidade são maiores nos países com renda mais baixa. Quando os rendimentos sobem, melhoram os índices de educação, a qualidade do saneamento básico, cai a mortalidade infantil, cai também a incidência de certas doenças e até mesmo a ocorrência de pequenos delitos, como a depredação de telefones públicos. Outra característica do indicador renda é que ele sempre traduz para o homem comum aqueles números complicados monitorados pelos técnicos.

Seguiram-se a essa seqüência de más notícias a recessão dos Estados Unidos, o apagão, o atentado ao World Trade Center e finalmente a quebra da Argentina. A sucessão de crises diminuiu as exportações, espantou parte dos dólares e jogou os juros nas alturas. É esse sistema perverso que precisa ser desmontado.

Leia mais:
- O tamanho do nó brasileiro

Leia também:
- Renda engessa tudo

 
 
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O tamanho do nó brasileiro

Cingapura tinha, até meados da década de 50, vastas áreas pantanosas ocupadas por pescadores. A Coréia do Sul, em 1970, possuía uma renda per capita equivalente à metade da dos brasileiros. E a Espanha, na década de 70, freqüentava a lista dos países com renda per capita na faixa dos 1.000 dólares. As pessoas viviam nesses países em condições semelhantes às do Brasil, ou piores. O tempo inverteu a realidade. Cingapura virou uma nação de arranha-céus sofisticados com renda per capita de quase 25.000 dólares, mais alta que a do Canadá.

A Coréia do Sul ostenta renda per capita de 8.900 dólares, 2,5 vezes mais alta que a brasileira. E a da Espanha atingiu o patamar de 15.000 dólares. O Brasil perdeu tempo. Passado o ciclo militar, no qual o país chegou a experimentar um período de crescimento elevado, os brasileiros foram apresentados à montanha-russa.

Moratórias e cinco planos econômicos encarregaram-se de propagar a sensação de que o abismo está sempre rondando por perto. O Plano Real parecia ser a oportunidade de iniciar a arrancada. Completados oito anos de seu lançamento, o Brasil venceu a inflação, o que não é pouco. Mas chega às eleições de 2002 com uma pauta de discussão que parece velha. Seus pontos principais são dois: consolidar o processo de estabilização e fazer o Brasil crescer.

A taxa de desemprego acaba de atingir 7,7%. Os investimentos estrangeiros diretos, que já romperam a casa dos 30 bilhões de dólares, chegarão ao fim do ano, com muita sorte, a 18 bilhões. Por causa das incertezas associadas ao processo eleitoral, o risco Brasil ultrapassou o da Nigéria, situando-se na casa dos 1.700 pontos. É o segundo maior do mundo, atrás apenas do da Argentina. "O Brasil ainda enfrenta questões primárias que já foram superadas em outros países, como a insegurança sobre a solidez do Banco Central ou o medo que investidores têm de ver seus contratos desonrados", diz Octavio de Barros, economista-chefe do BBV Banco.

Nos últimos dias, a coleção de indicadores ruins foi encorpada com o anúncio do Banco Central que rebaixou o cálculo do crescimento da economia para 2002. A previsão inicial, de 2,5%, que já era ruim, foi reduzida para 2%. Para um país no estágio do Brasil, a perspectiva de continuar nesse padrão é assustadora. Se crescesse a uma taxa média anual de 3% durante 25 anos seguidos, ainda assim teria seu contingente de pobres reduzido de 34% da população para 15%. Detalhe: países com renda per capita semelhante à brasileira têm - já hoje, com um quarto de século de vantagem - entre 4% e 19% da população abaixo da linha da pobreza.

O ciclo de desconfiança internacional em que o Brasil mergulhou é, em parte, produto de uma ilusão de ótica. Há medo de uma vitória de Lula, há especulação e também o chamado "efeito manada". Essa constatação não remove a desconfiança. Pior: existem indicações setoriais da economia de que o país enfrenta um problema real, não apenas de percepção dos fatos. O setor automobilístico registrou queda de 17,8% nas vendas quando se compara o primeiro semestre de 2002 com igual período de 2001. Na semana passada, a Volkswagen anunciou férias coletivas por uma semana para que o estoque de carros parados no pátio possa ser comercializado.

A empresa foi uma das muitas companhias que recorreram ao achatamento da jornada de trabalho. Com a retração das vendas, a Volks viu-se forçada a encolher a semana de trabalho para quatro dias. O sistema vigorou até abril e significou redução de quase um quinto da folha de pagamento. Mesmo assim, estimulou que funcionários saíssem com o auxílio de um programa de demissões voluntárias. Setecentos deles aderiram. Agora os empregados vão ficar em casa e passam a dever à companhia essas horas sem trabalho. Quando a demanda do mercado aumentar e a Volkswagen de fato precisar de sua mão-de-obra, poderá usar o crédito.

Na semana passada, a agência americana de avaliação de risco Standard & Poor's rebaixou o Brasil na classificação de risco, sob o argumento de que o país pode não honrar a dívida interna. Numa manifestação pouco comum nesses casos, a Standard & Poor's justificou a mexida no ranking. "O PT nunca esteve no poder. Se chegar lá, levará um tempo para aprender a governar", disse Helena Hessel, analista de risco da S&P, especializada em papéis brasileiros.

Dias depois, a própria Standard & Poor's, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Tesouro americano disseram que a dívida brasileira é administrável e que, na origem de todo o turbilhão atual, está mesmo a expectativa política. "Os mercados e os analistas estão sofrendo de um ataque de histeria diante da possibilidade de vitória de Lula", resumiu o alemão Horst Koehler, diretor-geral do FMI. Outros analistas acrescentaram um ingrediente ao diagnóstico: o ambiente externo desfavorável.

Desde a revelação de fraude na contabilidade da megaempresa de energia Enron, em dezembro do ano passado, um clima de desconfiança instalou-se entre os investidores internacionais. Nos últimos dias, as bolsas de ambos os lados do Atlântico tentavam em vão digerir outros escândalos contábeis envolvendo companhias de reputação brilhante, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. "Se o investidor enxerga risco numa empresa cuja sede ele conhece e onde tem parentes trabalhando, imagine seu sentimento em relação ao mercado de um país distante", diz o brasileiro José Alexandre Scheinkman, professor de economia da Universidade Princeton, nos Estados Unidos.

Uma das promessas da globalização era justamente a de que os investidores ficariam tão familiarizados com os mercados estrangeiros que não teriam receios extras em despejar neles suas economias. É irônico que esteja ocorrendo justamente o contrário. O risco nos mercados centrais do capitalismo está afetando os países emergentes. Outra das promessas era que as economias nacionais acabariam sendo reguladas pelas forças globais. Essa se manteve. Um exemplo clássico é a derrota da inflação. Esse monstro foi domado em todo o mundo capitalista e hoje ninguém concebe a volta da hiperinflação num único país. A Argentina, que deve acabar o ano com 60% de inflação acumulada, não é exceção à regra, pois essa taxa não pode ser descrita como uma híper.

As estatísticas mostram que, desde o aprofundamento dos laços entre as economias em meados da década de 90, seus destinos flutuam ao sabor das mesmas forças. A variação do PIB brasileiro, por exemplo, vem seguindo mais ou menos a curva do PIB mundial. Isso vale também para as exportações brasileiras. Essa interdependência, como quase todos os fenômenos da globalização, tem seu lado bom e sua face negativa. De um lado, garante a participação, ainda que em proporções diferentes, de todos no bolo do crescimento global. De outro, dificulta que um país como o Brasil possa iniciar isoladamente um processo de recuperação econômica.

(Veja)

 
 
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Renda engessa tudo

Não é apenas sensação sua. Está de fato sobrando mês no final do salário. Os números mais frescos sobre o assunto confirmam que a renda média das pessoas vem caindo sistematicamente. Segundo as estatísticas do IBGE, os primeiros meses deste ano registraram 15% de perda em relação ao mesmo período do ano passado. Para acentuar a gravidade do quadro, o movimento declinante não começou agora, mas em 1997. E não parou mais. Considerados esses cinco anos em bloco, os salários perderam 35% de seu poder de compra. Além de ser um problema individual para as famílias, que se vêem obrigadas a administrar um orçamento mais apertado, a queda na renda é problema de natureza coletiva. Sociedades com renda em declínio ingressam num perturbador ciclo vicioso. Com menos dinheiro no bolso, as pessoas compram menos, os empresários reduzem o ritmo de produção e dá-se o inevitável, a demissão. Nos últimos cinco anos, período em que a renda entrou em declínio, a taxa de desemprego aumentou 23%. Onde isso vai dar se a seqüência não for interrompida é uma incógnita.

A retração da renda surpreendeu a maior parte dos especialistas, pois se esperava que, com a estabilidade, o Brasil entrasse num ciclo sustentado de desenvolvimento. Não foi o que aconteceu. O brasileiro sentiu no cotidiano as conseqüências da crise da Ásia, em 1997, da moratória russa, no ano seguinte, e da desvalorização do real, em 1999. Seguiram-se a essa seqüência de más notícias a recessão dos Estados Unidos, o apagão, o atentado ao World Trade Center e finalmente a quebradeira da Argentina. A sucessão de crises diminuiu as exportações, espantou parte dos dólares e jogou os juros nas alturas. É esse sistema perverso que precisa ser desmontado.

A renda é um indicador do quadro social de um país. As taxas de criminalidade são maiores nos países com renda mais baixa. Quando ela sobe, melhoram os índices de educação, a qualidade do saneamento básico, cai a mortalidade infantil, cai também a incidência de certas doenças e até mesmo a ocorrência de pequenos delitos, como a depredação de telefones públicos. Outra característica do indicador renda é que ele sempre traduz para o homem comum aqueles números complicados monitorados pelos técnicos. "Basta olhar para o item renda e se saberá se a economia de um país vai bem ou vai mal", diz o ex-ministro Mailson da Nóbrega.

Nos dois primeiros anos do Plano Real, 1994 e 1995, a renda dos brasileiros cresceu mais de 8%, e a economia viveu um momento ótimo. A partir de 1997, a renda entrou em declínio, e a economia seguiu atrás, piorando também. Há uma terceira característica da renda, talvez a mais poderosa, que é servir como locomotiva do processo de recuperação econômica. Se o salário das pessoas não subir, não adianta falar em estabilidade e responsabilidade fiscal. Sem renda, o Brasil não avança.

Na economia, os primeiros setores a sofrer com a queda na renda são os que estão mais próximos do consumidor, como o supermercado. Uma pesquisa da empresa The Boston Consulting Group com famílias de renda até 2.000 reais mostra que elas deixam de comprar vários produtos que consideram supérfluos quando a renda cai. Numa primeira fase, as famílias cortam doces, suco de fruta, congelados semiprontos, fio dental, salgadinhos. Depois, se as coisas não melhoram, a lista passa por um segundo ajuste e perde itens mais importantes, como amaciante de roupa, filtro de papel para coar café, iogurte e queijo ralado. A nova lista ficará reduzida aos itens básicos: arroz, batata, carne, óleo de soja, farinha de trigo.

O mercado de eletroeletrônicos, que atravessa um mau momento, está num enrosco mais complicado. O brasileiro leva dez anos para trocar, por exemplo, a geladeira, o dobro do tempo gasto pelo americano. Quem tinha dinheiro para a troca da geladeira, do fogão e do aparelho de televisão já está equipado com tudo isso. Os mais pobres, que não dispunham de recursos para adquirir esses bens, continuarão sem tê-los. A saída seria financiar a venda, mas isso só resolve o problema de uma parte dos clientes potenciais, porque as taxas de juro jogam as prestações na lua. Resultado: as vendas desse setor estão em queda desde 1997.

Outro fenômeno provocado pela queda na renda é a substituição de marcas renomadas por outras mais baratas. Uma pesquisa realizada pela ACNielsen, empresa especializada em análise de mercado, comprovou a tendência ao investigar 157 categorias de produtos nos setores de alimentação, higiene pessoal, limpeza caseira e bebidas. O estudo mostrou que o volume de itens no carrinho está praticamente inalterado, mas o preço médio das compras caiu 4%. Ou seja, as pessoas estão, na medida do possível, preservando a quantidade de compras, mas escolhendo as chamadas marcas B. Esse movimento estimulou a criação de fábricas pequenas, como a Cinalp, que produz achocolatados. No último ano, as esteiras da Cinalp duplicaram a produção. Já são mais de quarenta as marcas B de achocolatados. Elas detêm 22% do mercado.

Observa-se ainda a migração da clientela de poder aquisitivo mais elevado rumo às lojas mais baratas. A rede Riachuelo, que vende roupas, sempre se concentrou nas vendas ao público C e D. Agora, vem recebendo cada vez mais compradores da classe B. Para incentivar esse movimento, a Riachuelo lançou uma campanha em que usa as atrizes Camila Pitanga, Giovanna Antonelli e Malu Mader. A C&A, que também vende roupas, contratou a modelo Gisele Bündchen como forma de falar a um consumidor mais sofisticado.

Um setor que está gemendo com a queda de renda do brasileiro é o de telecomunicações, pois muita gente simplesmente está deixando de usar o serviço. Nos quatro primeiros meses de 2002, as empresas faturaram apenas 61% do que haviam registrado no primeiro quadrimestre de 2001. No caso da telefonia, depois de atravessar uma década em que o setor dobrou de tamanho e o telefone chegou aos lares das classes C e D, as companhias enfrentam dificuldades para achar mais clientes e diminuir a taxa de inadimplência. A lei determina que depois de um mês o cliente devedor seja impedido de fazer ligações. Com três meses de atraso, a empresa está autorizada a cortar a linha. Informalmente, as companhias preferem esticar o prazo de negociação e parcelar a dívida. O objetivo é segurar as linhas para não perder pelo menos a receita oriunda das chamadas recebidas pelo mau pagador. "Esse é um dos vários sinais de que o brasileiro tem menos dinheiro no bolso", afirma Mario Werneck Britto, diretor de marketing e produtos da Fininvest, a maior financeira do Brasil voltada para o crédito às classes C, D e E.

Quando as coisas vão bem, uma das primeiras atitudes das pessoas é trocar o carro usado por um modelo novo. Na crise, as trocas param. Quando o cenário parecia positivo, a montadora Mercedes-Benz apostou que o brasileiro já estivesse preparado para escolher carros não por preço, mas por estilo. E desembolsou 820 milhões de dólares para abrir em Juiz de Fora uma fábrica que produziria o Classe A, um "popular" chique que sai da linha de montagem com direção hidráulica, airbag e freios ABS. Infelizmente, a expectativa não se concretizou conforme o plano original. A empresa calculava comercializar 40.000 Classe A por ano. As previsões para 2002 falam em vendas da ordem de 10.000 veículos. O Classe A acabou perdendo espaço no mercado para carros menos sofisticados, mas com preço mais baixo. Não foi apenas a Mercedes que perdeu. Como resultado do cenário econômico, o setor vendeu neste primeiro semestre 17,8% menos que no mesmo período do ano passado. Para correr atrás do prejuízo, os empresários debatem agora a possibilidade de criar modelos mais baratos ainda que os atuais populares. Pode nascer daí o segmento "popular do popular".

Quando se fala em renda, há dois conceitos diferentes e complementares. Um deles é o de renda per capita, resultado da divisão aritmética do produto interno bruto pelo total de habitantes. No Brasil, a renda per capita se situa na casa dos 3 400 dólares. Esse indicador funciona como um bom instrumento para as comparações internacionais. Por meio dele, fica-se sabendo que o Brasil não pode ser considerado uma nação pobre, pois mais de 55% dos países do mundo têm renda per capita inferior à brasileira. Segundo o Banco Mundial, nossa renda per capita é mais de dez vezes superior à de muitos países da África e da Ásia. O outro conceito é o rendimento mensal das pessoas, dado apropriado para mensurar o potencial de compra de uma sociedade. Quando as empresas vão tomar uma decisão de investimento, elas levam em conta os dois indicadores.

Foi o que fez o grupo Cinemark, uma das maiores companhias no ramo de cinemas multíplex dos Estados Unidos, que realizou o primeiro investimento no Brasil em 1997. Segundo seus cálculos, a renda autorizava o investimento e, para tornar o quadro ainda mais atraente, apenas 9% das cidades tinham cinema. Em cinco anos, a Cinemark despejou 265 milhões de reais em 29 complexos. Planejava espalhar-se mais pelo Brasil, mas acabou tendo algumas surpresas desagradáveis e refez seus planos. Em Aracaju e Campo Grande, capitais com muita gente e poucas salas, o grupo foi forçado a reduzir à metade o preço médio do ingresso para salvar o movimento. "Para não correr riscos, os investidores procuram as praças com maior concentração de renda e, por isso, boa parte das vezes terminam no Sudeste, principalmente em São Paulo", diz Ricardo Durazzo, vice-presidente da consultoria americana A.T. Kearney.

O resultado desse movimento é sabido: a renda, que já é pessimamente distribuída, concentra-se ainda mais. Pegue-se o exemplo de São Paulo, citado pelo consultor da A.T. Kearney. Não existe nos grandes países um caso de concentração econômica como o do Estado de São Paulo e sua capital. Os paulistas, que representam 20% da população do país, mantêm 35% das exportações, 45% da produção industrial, 50% da tecnologia e 90% do sistema financeiro nacional. Nos Estados Unidos, essa marca só é atingida quando se soma a produção dos três maiores Estados. O sociólogo José Pastore, professor da Universidade de São Paulo, chama a atenção para as conseqüências nocivas dessa concentração. "O impacto do dinheiro no consumo fica reduzido quando o dinheiro está concentrado. O rico pode comprar quanto quer, mas se já tem dois aparelhos de som não vai comprar um terceiro", diz.

Há no topo da pirâmide brasileira um grupo reduzido de pessoas que continuam comprando, e bastante, mesmo quando os números da economia não são os melhores. A maior parte deles mora na Região Sudeste, mas existem representantes em todos os Estados brasileiros. É o caso da empresária Van Carvalho, 37 anos, dona de uma rede de 36 supermercados espalhados pelo Piauí e pelo Maranhão. Ela mora em Teresina, capital do Piauí, o Estado mais pobre do Brasil. Van é uma das locomotivas da sociedade local. Uma de suas últimas festas a fantasia, cujo tema era a novela O Clone, fez grande sucesso. Por morar num lugar pobre, a empresária só encomenda roupas de grife numa loja especializada e espera chegar. Para escolher de perto o que quer, precisa viajar. Recentemente, comprou um terninho branco com pesponto preto na loja Daslu, em São Paulo, a mais luxuosa do Brasil.

Esse grupo restrito de consumidores produz números curiosos. O Brasil é o segundo mercado mundial de canetas Montblanc e o nono maior comprador de carros Ferrari. Depois dos Estados Unidos, também é a nação que mais compra aviões executivos e tem a cidade com a segunda maior frota de helicópteros do planeta. Numa comparação feita entre as lojas da grife Armani, as duas lojas Emporio Armani de São Paulo venderam mais roupa que as duas de Nova York. Enquanto o mercado imobiliário, que tem como cliente a classe média, faz ajustes para sobreviver, as construtoras que operam no topo da pirâmide desconhecem a crise. A RJZ Engenharia colocou à venda um prédio na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. Vendeu os doze apartamentos, de 170 metros quadrados, por 1,2 milhão de reais cada um num prazo de uma semana, sem montar estande nem colocar anúncio no jornal.

Assusta imaginar que a defasagem entre ricos e pobres possa estar se intensificando num país que já é considerado o segundo mais injusto do mundo - só perde para Serra Leoa, de acordo com o último relatório do Banco Mundial. Detalhe: Serra Leoa é um país onde a renda per capita é de 130 dólares, 70% da população está desempregada e sete em cada dez adultos são analfabetos. No Brasil, há 53 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza. Destas, 23 milhões são miseráveis. Com esse perfil, é muito difícil esperar que um governo, por mais providencial que seja, venha a produzir o milagre do crescimento sustentado.

(Veja)

 
 
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