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25/04/2001 - 04h06

Odires Mlászho abre mostra na qual manipula imagens de brechó

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EDER CHIODETTO, da Folha de S.Paulo

Um objeto cortante na mão de um homem obstinado pode causar ferimentos e dor. Quando a obstinação é a de um artista, e o ferimento, uma cicatriz numa fotografia, a dor pode ser mais intensa. É isso que "A Antecâmara da Máscara", do não-fotógrafo Odires Mlászho, sugere a partir de hoje para o público no Espaço Paul Mitchell, em São Paulo, em mais uma exposição que integra o 5º Mês Internacional da Fotografia, organizado pelo Nafoto (Núcleo dos Amigos da Fotografia).

Mlászho não é fotógrafo. As imagens com as quais trabalha são adquiridas em brechós de fotografia que ele descobre pela cidade de São Paulo, onde mora. Aficionado por retratos, possui um acervo inimaginável de álbuns de formatura e de velhas revistas com fotos de atrizes, políticos e gente desconhecida.

Quanto à discussão ética de se apropriar de fotografias alheias para realizar suas obras, o que já lhe rendeu um processo na Justiça, o artista é taxativo: "Esse é um risco que eu calculadamente incorporo ao meu trabalho".

Esses retratos esquecidos no tempo são o ponto de partida para o trabalho que Mlászho desenvolve sobre uma mesa branca de um minúsculo apartamento no centro da cidade. A mesa, sobre a qual repousam tesouras, estiletes e objetos perfurantes, é a metáfora da mesa cirúrgica. As tais imagens perdidas no tempo são os pacientes terminais de Mlászho.

Com destreza de cirurgião, ele opera cortes, lixa parte das imagens como quem retira a pele da fotografia, clareia os olhos até que eles sumam, ressalta algumas partes do rosto, oculta outras.

Em "A Antecâmara da Máscara", o artista reuniu uma série de retratos de mulheres de uma antiga revista estrangeira da década de 70.
Originalmente as imagens mostravam belas mulheres, muito bem fotografadas, num ensaio sobre a beleza feminina.

"É um tratado sobre a beleza e a felicidade", diz o artista. Mas, definitivamente, Mlászho não está aqui para discutir ou criar amenidades. Seu discurso é beligerante, e o resultado de seu trabalho, um torpedo contra o senso comum e a bestialidade que rondam o mundo fashion dos rostinhos bonitos, das revistas de moda, das agências de modelos, dos estúdios fotográficos, da beleza institucionalizada e da "globeleza", que inundam a mídia e ditam fórmulas esquemáticas e pasteurizadas sobre o belo. A beleza que ele discute não se leva à mesa. A não ser que seja para cortar, machucar, cegar e, enfim, matar.

Essas mulheres, exemplos dessa beleza conspurcada, foram aprisionadas na antecâmara do artista. Se é pelos olhos que podemos enxergar a alma das pessoas, é sintomático o fato de Mlászho ter apagado os olhos de suas modelos por um processo químico. "Elas são cegas", diz ele. Desalmadas seria o termo mais correto.

Um prosaico guardanapo de papel e um pouco de água foram os recursos usados para finalizar a intervenção sobre os retratos. O resultado é intrigante.

Destituídas da pele, dos olhos e da carne, essas mulheres se transformam em espectros tristes e agonizantes. Belas? Sim, mas de uma beleza fria e desencarnada. Envoltas numa espécie de máscara mortuária, parecem clamar por algo, por alguém. Tarde demais. Morreram todas por asfixia. Mas ainda tentam, num último esforço, esboçar um sorriso, um "x" diante do fotógrafo. Pobres criaturas. Estão mortas e nem isso conseguem perceber.

O cirurgião-artista opera seus pacientes não para salvar-lhes a vida, mas para escancarar suas doenças, suas crises de identidade, seus vícios de sociabilidade. Prova de que a crise é geral: Mlászho não existe. É um nome inventado por Odires para encarnar sua porção artista. Perturbador esse não-Mlászho, não-fotógrafo.

A ANTECÂMARA DA MÁSCARA - ODIRES MLÁSZHO
Onde: Espaço Paul Mitchell (r. da Mata, 70, São Paulo, tel.: 0/11/xx/ 3079-0300)
Quando: de seg. a sex., das 12h às 15h30 e das 19h à 1h30h. Sáb. e dom., até 16h. Até 20 de maio. Preço das obras: R$ 5.000, cada. Quanto: grátis.
 

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